Os oito anos que separavam o Toy Dolls do público paulistano não foram suficientes para fazer o grupo inglês perder a sua base de fãs por aqui. Pelo contrário. Prova disso é que, assim que a produtora Powerline anunciou, em meados de janeiro, o retorno do grupo britânico à capital paulista, as vendas de ingressos foram tão intensas, que o show que, a princípio, aconteceria no modesto Fabrique Club, acabou sendo transferido para o Carioca Club, que tem estrutura para receber um número bem maior de pessoas. E mesmo com a mudança de local todos os ingressos foram vendidos. O que foi bom para aquecer quem saiu de casa no último dia 12 de agosto, em que tivemos em São Paulo uma das noites mais frias do ano. E se casa lotada expulsa o frio, as bandas paulistanas Faca Preta e Os Excluídos aqueceram ainda mais o público, fazendo o ‘opening act’ para o aguardado trio europeu.
Em meia hora de set, o Faca Preta, grupo de street punk formado em 2013, foi beneficiado por uma boa qualidade de som, que se manteve bem regulada do início ao fim de sua apresentação. Fabiano Santos (vocal), Anderson Boscari e Dudu Elado (guitarras), Shamil Carlos (baixo) e Marcelo Sabino (bateria) mesclaram o setlist com músicas do homônimo EP de estreia, lançado em 2015, a outras ainda inéditas, que deverão integrar o debut intitulado “Resistir”, que nesse exato momento já está sendo gravado. Em certos aspectos, uma música ou outra do Faca Preta remetia ao som da veterana banda conterrânea Blind Pigs. As energéticas “Até o Último Dia” e “O Caminho das Ruas”, as empolgantes “Coração Libertário”, “Cães de Rua”, “São Paulo”, o cover do grupo inglês Cock Sparrer para “Riot Squad” – essa com participação do vocalista Leandro Carbonato (Grindhouse) – e a derradeira “Lutando de Braços Cruzados” se destacaram. O Faca Preta fez um show correto, que lhe rendeu aplausos no final, e deixou bons fluídos para a atração seguinte.
Cerca de 25 minutos depois, foi a vez d’Os Excluídos assumirem o palco. A sensação de nostalgia foi bacana ao ver o visual de Ronaldo Lopes (vocal e guitarra), André Larcher (guitarra), Caio Klasing (baixo) e Raphael Menuzzo (bateria) composto de topetes, suspensórios, jeans, camisas e (no caso de Lopes e Klasing) jaquetas de couro – isso sem contar a tradicional lágrima pintada em seus rostos. No início do set o som estava um pouco baixo, mas não demorou a melhorar. No repertório, o veterano grupo, que em 2018 completa 20 anos de existência, apresentou músicas do EP “Antes de Tudo” (2004) e de “Meus Dilemas” (2014), álbum que foi lançado pelo selo Red Star Recording, de propriedade de Jefferson, baixista e vocalista do lendário Agrotóxico. As mais legais foram a ótima “Dia Ideal”, as já conhecidas dos fãs da banda, “Novo Início” (que música!), que tem um refrão que simplesmente gruda na mente, e “Km 77” – tocada após Lopes mencionar Redson, vocalista do Cólera, falecido em 2011 -, além de “Plano Perfeito”, “Eu Não Quero” (que lembrou Misfits, da fase com Michale Graves) e “O Show Não Pode Parar”, um punk 77 que deu números finais a apresentação d’Os Excluídos. Alguns fatores que chamaram atenção na performance do grupo foram a presença de palco dos músicos, os backing vocals bastante presentes, e as ótimas linhas vocais guiadas por Ronaldo Lopes, que tem como diferencial um estilo de cantar bem peculiar e empolgante de ouvir.
Passados quarenta minutos, finalmente era chegada a hora de o público paulistano conferir a grande atração da noite, o trio de Sunderland, Toy Dolls. Após breve e hilária introdução mecânica, com direito a trecho do hit “Hello” (Lionel Richie), Michael “Olga” Algar (vocal e guitarra), Tom “Tommy Goober” Blyth (baixo e vocal) e Duncan “The Amazing Mr. Duncan” Redmonds (bateria e vocal) entraram fazendo caras e bocas, trajando terninhos idênticos e usando seus famosos óculos diferentões. Os três até deram início com a comemorada “Fiercy Jack”, mas um problema com a guitarra de Olga obrigou a banda a pará-la. O líder da banda, que parece nunca envelhecer, fez graça com a situação e riu das vaias de brincadeira da plateia. Assim que o roadie o ajudou a resolver o problema, ele e seus companheiros recomeçaram a música do clássico álbum de estreia “Dig That Groove Baby” (1983), sendo acompanhados em uníssono pelo público. A sequência com “Cloughy is a Bootboy!” deu início as divertidas coreografias da dupla de cabelos cor ‘pink’, Olga e Goober, que começou mandando alguns passinhos. Foi diversão garantida do começo ao fim do show. E dá-lhe trocas de roupas, mais coreografias, chutes pro alto e, acima de tudo, muito punk rock humorado e de qualidade. A pista era só alegria.
O Toy Dolls não veio divulgar nenhum disco novo, assim sendo, a maior parte do repertório foi baseada em seu bem sucedido álbum de estreia. A qualidade de som estava um primor, o que possibilitou sacar que, apesar das gozações, Olga é um músico diferenciado, que compõe arranjos de guitarra muito criativos, que se por um lado não são técnicos, por outro também não são tão fáceis de serem tocados – leve em conta que são executados ao mesmo tempo em que o músico está não só concentrado em cantar linhas malucas que cria para os vocais, mas também em entreter o público e em não errar as coreografias. A instrumental “Toccata In Dm” deixou isso ainda mais claro. Não é a toa que Jão, guitarrista do Ratos de Porão, sempre menciona Olga como sua maior influência. Um dos momentos mais hilários que o vocalista/guitarrista proporcionou aos fãs aconteceu em “Lambrusco Kid”. Olga recusou duas garrafas normais de bebida, trazidas pelo roadie, e só ficou satisfeito quando ganhou uma inflável que era gigante. Então ele a mirou para o público e deu um tiro que culminou em chuva de papel laminado picado.
Dando sequência, clássicos vieram aos montes: “Up the Garden Path”, “Dougy Giro”, “Spiders in the Dressing Room” e por aí vai. Mas o grande momento aconteceu mesmo no maior hino da banda, a explosiva “Nellie the Elephant”. Nessa, era ensurdecedor cada vez que a plateia fazia o famoso coro “ooooooohhhhhh”, que proporciona uma tensão divertida antes de cair no refrão. Ainda vieram várias outras músicas, acompanhadas, claro, de mais coreografias, o que faziam os fãs caírem na gargalhada. Foi o caso de “Wipe Out”, cover da banda de surf music dos anos 60, The Surfaris, em que Olga e Goober giravam seus instrumentos de maneira sincronizada. A banda fez dois bis e então se despediu com “She Goes to Finos”, em que ao final uma chuva de bexigas negras caíam do teto. Pena que a trinca “Theme Tune”, “Bless You My Son” e “My Girlfriend’s Dad’s a Vicar”, que haviam sido tocadas dois dias antes em Curitiba, tenha ficado de fora. Confesso que senti falta também de “Queen Alexandra Road Is Where She Said She’d Be, But Was She There to Meet Me… No Chance” e, principalmente, da ótima “Worse Things Happen at Sea”. Mas não há o que reclamar. Assisti muitos shows internacionais em 2018 e posso afirmar que esse foi, de longe, o mais divertido de 2018. O que não é de se estranhar, afinal, que banda é capaz de arrancar tantas gargalhadas do público quanto o Toy Dolls? E que esse veterano grupo volte logo, ainda mais agora que está preparando álbum novo.
TOY DOLLS – Set List:
Intro
Fiery Jack
Cloughy is a Bootboy!
Bitten By a Bed Bug
The Death of Barry the Roofer with Vertigo
Up the Garden Path
Dougy Giro
Spiders in the Dressing Room
Nellie the Elephant
Fisticuffs in Frederick Street
She’ll Be Back with Keith Someday
Idle Gossip
The Lambrusco Kid
Toccata In Dm
Alec’s Gone
Harry Cross (A Tribute to Edna)
Wipe Out (cover do The Surfaris)
Bis:
When the Saints Go Marching in
Glenda and the Test Tube Baby
Dig That Groove Baby
Bis:
She Goes to Finos
OS EXCLUÍDOS – Set list:
Dia Ideal
Novo Início
Tempestade
Plano Perfeito
Km 77
Eu Não Quero
Brilho no Olhar
Qual é Seu Medo?
Minha Vida É Cheia de Som e Fúria
As Ruas Te Esperam
Jogo de Azar
O Show Não Pode Parar
FACA PRETA – Set list:
Donos do Futuro
Essência
Até o Último Dia
Resistir
O Caminho das Ruas
Coração Libertário
Cães de Rua
Dias Melhores
Riot Squad (Cover do Cock Sparrer)
São Paulo
Lutando de Braços Cruzados