Para os fãs de música extrema, 2017 está se mostrando um ano especial. Basta um pouco de atenção para perceber que algo grande está acontecendo. Antigos clássicos voltando às prateleiras em lançamentos especiais, ótimas novas bandas agitando o underground, excelentes novos discos sendo lançados, e vários shows agendados, entre eles alguns que pela primeira vez aportam no Brasil. E se na quarta-feira os paulistanos tiveram a chance de se encontrar pela primeira vez com a banda norueguesa Borknagar, na sexta outra grande estreia aconteceria na capital paulista, desta vez no Clash Club, com os também noruegueses do Tsjuder.
Para celebrar esta grande estreia em solo nacional de forma adequada, era preciso garantir que a festa fosse completa, e os primeiros a garantir a devastação do recinto foram War Feres (baixo e vocal), Blasphemer (guitarra) e Morbus Deimos (bateria) do Justabeli. O primeiro trio da noite adentrou o palco com o vigor e a energia de um tanque de guerra, nada mais adequado ao som repleto de referências bélicas do trio black metal de Diadema. A potente abertura com War Crime, presente em Cause The War Never Ends… (segundo disco do grupo, de 2015) deu o tom da noite, e foi prontamente seguida pela devastadora Soldiers Of Satan.
Conscientes do tempo curto para sua apresentação, eles não perderam tempo, emendando com a faixa título de seu segundo álbum, prontamente seguida por The Worst of Fire Storms, nova faixa que integrará o vindouro terceiro disco do grupo, que deve sair na segunda metade desse ano. War Fere aproveitou a oportunidade para saudar o público e esclarecer boatos que circulam pela internet. “Nossa filosofia é o black metal, nossa visão política é o black metal”, vociferou, para o delírio dos presentes, novamente esmagados pelo peso insano de Divine Fall. Para encerrar a curta e excelente apresentação, Ad Bellum At Gloria, outra faixa do vindouro novo disco, que, pelo ouvido até aqui, tem tudo para ser um dos melhores lançamentos do gênero em 2017. Agora, é aguardar pelo disco, e pela chance de ver essa máquina infernal em ação com um set mais longo, quem sabe até com faixas do debut, Hell War (2008), que pelo curto tempo não puderam ser incluídas aqui.
A sequência maldita veio com aquela que é celebrada como uma das melhores e mais proeminentes bandas de black metal brasileiras da atualidade, o Patria. A quantidade de camisetas na plateia, os brados dos fãs enquanto a banda se preparava para tocar, tudo no ambiente indicava que eles disputavam o posto de favoritos da noite. E o quinteto fez valer toda essa expectativa ao vivo. A abertura explosiva incendiou o Clash Club, que chegou a se tornar claustrofóbico, tamanha era a densidade do ar já na segunda música, Outrage, destaque de Individualism (2014).
O clima não amenizou durante Heartless e Nyctophilia, e esteve às portas da loucura quando Old Blood Legacy, clássico absoluto do primeiro disco, Hymns Of Victory And Death (2009) foi tocada. Que momento fenomenal para fãs de black metal! Continuando a divulgação de seu mais recente álbum, o recém lançado Magna Adversia, veio Axis, uma faixa longa e épica, que definitivamente caiu no gosto dos fãs, e deverá ser presença constante nos futuros shows do grupo. A performance afiada de Maicon Ristow e Mantus (Marcelo Vasco) nas guitarras garantiu a excelência necessária para a execução de Far Beyond The Scorn e da clássica Death’s Empire Conqueror, do clássico Liturgia Haeresis, de 2011.
Impossível não perceber o quanto a performance de Mantus se assemelha a de Lord Ahriman (Dark Funeral), tanto na sua colocação no palco como na sua perícia técnica, assim como também é impossível não notar o quanto os vocais de Triumphsword vêm melhorando a cada dia, um espetáculo digno da ‘maior obra do Diabo’. O encerramento dessa já lendária apresentação se deu com a não menos lendária Culto das Sombras, urrada pela multidão, presente no EP Gloria Nox Aeterna, de 2010. Se alguém duvidava, agora não restam dúvidas: o Patria é o grande nome do black metal no Brasil na atualidade.
Com o fim da ótima apresentação do Patria, chegava a hora da atração principal da noite. Os noruegueses do Tsjuder se preparavam para entrar no palco, e todos sabiam pelo que esperar. Muito mais do que apenas mais um bom nome da cena norueguesa a estrear no Brasil, o Tsjuder é a banda que inseminou o cenário black norueguês em uma época que ele começava a perder a sua essência, e com base em músicas simples e velozes, dotadas de ‘breakdows’ estonteantes, a banda encarnou o arquétipo do chamado “True Norwegian Black Metal”, um gênero que parecia sumir diante da evolução sonora dos principais grupos de seu país natal.
Depois de alguns problemas na montagem da bateria de AntiChristian, o inferno antivida norueguês deu as caras com The Daemon Throne e Slakt (ambas de Legion Helvete, 2011), seguida por Ghoul (Desert Northern Hell, 2004). Essa inteligente manobra de iniciar a apresentação com três faixas de dois discos clássicos garantiu o impacto inicial da apresentação, e deixou os fãs sem saber se respiravam ou gritavam diante da banda norueguesa. Se a coisa já estava boa para o trio AntiChristian (bateria), Nag (baixo e vocal) e Draugluin (guitarra e vocal de apoio), elas ficaram ainda melhores em Daemons Journey, Demonic Supremacy e principalmente na clássica Mouth Of Madness, uma das mais conhecidas músicas do trio, e mais uma do lendário Desert Northern Hell a aparecer no repertório. Com seu andamento cadenciado, e linhas vocais cativantes executadas em sua primeira parte por Draugluin, ela foi uma das mais celebradas da noite, e por si já valeria a presença nesse evento que marcará época. É rapaz, mas isso ainda era apenas metade da apresentação, que seguiu com a não menos clássica Primeval Fear (Demonic Possession, 2002), faixa que até quem não é fã de black metal tem que conhecer.
Logo que ela encerrou, Nag pela primeira vez se comunicou com o público: “somos conhecidos por nunca perder tempo falando. Mas, quando tocamos em um lugar como São Paulo… O Tsjuder sempre foi muito influenciado por bandas brasileiras”. Foi a deixa para o cover de I.N.R.I. do Sarcófago, uma das bandas nacionais de maior prestígio no mundo. Unholy Paragon, Kaos e Kill For Satan (The King’s Birth) precederam a execução de mais um cover. “Não é só pelo Brasil que o Tsjuder foi influenciado”, declarou Nag ao dar início a Sacrifice, do Bathory, banda responsável por toda a cena de black metal nórdico. Com o fim do show se aproximando, era ainda mais notória a presença onipotente do baterista AntiChristian, ora tocando linhas de bateria impossíveis, ora se levantando para incitar a loucura dos presentes, ora abraçando um litro de vodca que teve seu conteúdo significativamente reduzido durante o set. Se você nunca viu esse cidadão de Oslo tocando, nem pelo Youtube, está perdendo exatamente o mais insano de todos, e precisa conferir sem demora.
Para fechar a noite mais densa do ano em São Paulo, a faixa título do mais recente disco (Antiliv, 2015) e Helvete, que pôs fim ao massacre. Alegoria do black metal norueguês, e uma lenda mundial do estilo, muitos não esperavam ver o Tsjuder em solo brasileiro. Mas, os muitos presentes no Clash Club tiveram esta chance, e certamente garantiram o desejo que a banda terá de voltar, pois o que se viu lá foi insano, memorável, lendário. Digno dos três grandes nomes envolvidos, digno da história de fidelidade da capital paulista ao black metal. Mais que isso: uma prova de força que deverá motivar outros excelentes eventos do gênero em 2017. E tenham certeza, quando eles rolarem, estaremos presentes, honrando a fama mundial do público brasileiro.
SETLIST – TSJUDER
The Daemon Throne
Slakt
Ghoul
Daemon’s Journey
Demonic Supremacy
Mouth Of Madness
Primeval Fear
I.N.R.I. (cover Sarcófago)
Unholy Paragon
Kaos
Kill For Satan (The King’s Birth)
Sacrifice (cover Bathory)
Antiliv
Helvete