Não era apenas um bom momento, e nem somente uma época inspirada. Era isso e muito mais. No começo da década de 1970, o YES vivia uma espécie de maluquice criativa, um frenesi de ideias que parecia se manifestar em uma profunda alergia a tudo aquilo que fosse convencional, usual e corriqueiro na música. O resultado de toda essa maluquice criativa, porém, era sólido, era intenso, era coeso. Um turbilhão de ideias que soavam desconexas, disléxicas, mas que reunidas em um álbum ganhavam cor, sentimento, verdade e triunfo. Então, não é de se estranhar que, após um começo não muito brilhante, que quase resultou em uma dispensa precoce da sua antiga gravadora, o YES começasse a lançar clássico sobre clássico, sempre aprendendo e disseminando uma nova lição para os seus ouvintes.
Na época do álbum Fragile (1971) a lição aprendida, especialmente pelo tecladista Tony Kaye foi: não tenha receio de usar muito o sintetizador. Como é sabido, Kaye relutou em dar mais espaço para esta ferramenta, o que abriu lugar para a entrada do lendário Rick Wakeman, que só não tomou o álbum todo para si porque estava ao lado de outros cachorros grandes da música. Assim, com a formação “estabilizada” em Chris Squire (baixo), Bill Bruford (bateria), Rick Wakeman (teclados), Steve Howe (guitarra) e John Anderson (vocal), o YES chegava ao seu quinto álbum completo de estúdio, e trazia consigo mais algumas valiosas lições que o tempo se negou a esquecer.
Como dito anteriormente, o processo que levou a banda até a concepção de Close to the Edge foi uma maluquice completa, um estardalhaço de ideias que, para qualquer observador externo, parecia levar a lugar nenhum. Depois de encerrada a turnê de apoio ao seu álbum anterior, todos os membros da banda tomaram seu tempo para repousar, recolocar ordem na casa, e claro, começar a pensar nas composições do que viria a ser Close to the Edge. Assim, muitos fragmentos foram elaborados, mas nada foi realmente terminado até a banda voltar a se encontrar em estúdio, onde reuniriam o material, organizariam as partes, reescreveriam o que fosse necessário, completariam os fragmentos, e claro, escreveriam partes extras, dotadas da vibração típica que só a banda reunida poderia gerar. Como as ideias abundassem e os caminhos ficassem cada vez mais complexos, foi normal que a banda esquecesse completamente partes inteiras de uma canção composta no dia anterior, o que levou o grupo a decidir gravar todas as sessões de estúdio. Ah, sim, a glória dos colecionadores. Mas não é esse o nosso assunto hoje.
Com as peças colocadas em seus devidos lugares, a banda rumou para o Advision Studios, onde trabalharia ao lado do produtor Eddy Offord na gravação do novo material. Offord era um velho conhecido. Tendo trabalhado com a banda desde os tempos de Time and a Word (1970), ele soube trabalhar ao lado de cada membro da banda individualmente, para assim garantir a melhor e mais satisfatória sonoridade possível. E esse talvez seja um dos grandes motivos deste álbum ser o clássico supremo que é: é possível ouvir com clareza cada minucia, cada detalhe de toda a efusão criativa de uma das mais poderosas formações da história do rock, em seu momento de maior criatividade!
Porém, mais uma vez lembre-se de algo que dissemos anteriormente: nesta época, em cada disco o YES aprendia uma nova lição, e trabalhava para difundi-la entre os seus ouvintes. Desta vez, a grande lição que a banda nos trouxe (e para a sua discografia também), foi o gosto pelos grandes épicos, grandes composições dotadas de movimentos rítmicos e climáticos. Embora não fosse nenhuma novidade no mundo da música, especialmente do rock progressivo, o domínio deste recurso mudaria para sempre a sonoridade do YES, que daqui por diante daria passos ainda mais complexos e inacessíveis para ouvidos acostumados aos hits radiofônicos (algo com que eles viriam a se preocupar no futuro, inclusive). Close to the Edge é um grandioso álbum de quase quarenta minutos, onde aparecem apenas três canções. Três sensacionais canções.
A primeira delas, Close to the Edge, é um épico sensacional, dividido em quatro movimentos, e que toma todo o lado A do vinil, com seus mais de dezoito (!) minutos de música. Do início – marcado por sons da natureza, o reconfortante som da correnteza de um rio límpido, onde nas margens os pássaros cantam e a vida parece se demorar em seguir adiante – a canção vai evoluindo aos poucos, ganhando sentimento com a guitarra de Howe, vibração com a bateria elegante de Bruford, sentimento com as ricas linhas de baixo de Squire, e poesia com a voz de Anderson. E não se engane pensando que Wakeman passou despercebido, pois é pelos seus dedos que todo esse ambiente passa, e se une, é no som dele que todos os elementos se unem e ganham o caráter definitivo.
A mescla de partes viajantes, delicadas e pesadas que caracteriza a faixa título é inebriante, mas todos os que já ouviram este disco certamente já provaram da sensação de descoberta que acompanha o tocar da agulha no vinil ao início de And You And I, que abre o lado B. De um mergulho na natureza do mundo, passamos diretamente para um mergulho na alma, na natureza do ser. Seria preciso inventar novas palavras para poder descrever toda a beleza das linhas acústicas que iniciam esta canção, ao mesmo tempo que o teclado e a bateria dão toques discretos ao fundo… Uma experiência única, e também dividida em quatro movimentos, afinal, aqueles eram tempos em que se tinha coragem e capacidade para pensar grande. E então, tinha o encerramento, a pancada Siberian Khratu, com guitarras que pareciam evocar o hard rock da época e influências vindas do outro lado do Atlântico, enquanto o baixo provoca ‘Roundabout feelings’, se é que o bom leitor me entende. Embora nessa época as letras de Anderson buscassem mais criar um ambiente emotivo do que contar uma história ou passar uma mensagem, certamente você vai se identificar com muitas partes das letras, pois o ambiente musical propicia isso. Uma obra completa, atemporal.
Mais do que os discos de platina recebidos, do que as altas posições nos charts que rendeu, este Close to the Edge é um marco na história da música por sua música, não por seus números. Um marco por representar um momento de tanta criatividade que colocou a banda ‘à beira do abismo’, à mercê de um ataque de nervos. Por fim, Bruford gravou o disco e pulou fora, para se unir ao KING CRIMSON. Acontece. Mas o mundo já tinha a maior obra que esta formação poderia conceber – e ela nunca mais seria esquecida.