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ULI JON ROTH

Os admiradores do Scorpions geralmente se dividem em dois grupos. Um deles acompanha a banda e seus lançamentos até hoje, apreciando o lado ‘mainstream’ da banda, que vem se acentuando cada vez mais desde os anos 1980. A outra parcela de fãs prefere a fase inicial, considerada mais obscura por suas composições ainda fora do repertório dos chamados “rockers de FM”, além de estruturalmente mais intrincadas e marcadas por forte acento setentista. Certamente, esse segundo grupo foi agraciado com o show de Uli Jon Roth, antigamente conhecido como Ulrich (ele trocou o nome para algo mais facilmente pronunciável lá pela metade dos anos 80, já em carreira solo), no Manifesto Bar em São Paulo no último sábado. Ulrich – ou Uli, como quiser – talvez tenha sido a parte mais importante do Scorpions enquanto compositor em cinco dos primeiros discos lançados pela banda: “Fly to The Rainbow” (1974), “In Trance” (1975), “Virgin Killer” (1976), “Taken by Force” (1977) e no primeiro duplo ao vivo, “Tokyo Tapes” (1978).

Desde que iniciou sua carreira solo, de pouca visibilidade comercial mas grande preocupação artística, no projeto Electric Sun, ele preferiu caminhar com as próprias pernas, compondo material completamente novo, estudando o instrumento e se sentido totalmente desconectado de seu passado musical com o Scorpions. Na realidade, ele apenas fez questão de sempre manter uma relação cordial com os membros da banda – lembremos que sua saída foi pacífica e totalmente motivada por divergências artísticas, já que ele simplesmente não tolerava o caminho mais comercial que o trabalho dos escorpiões estava tomando. Para Uli, aquilo significava “prostituir sua arte”.

Por coincidência, estão se completando 40 anos da gravação e lançamento de “Fly to the Rainbow” em 2014, e Uli achou que talvez fosse hora de relembrar aquela época mais a fundo. Antes disso, ele já vinha fazendo participações esporádicas em shows do Scorpions tocando vários desses temas que não eram ouvidos ao vivo há anos ou até mesmo décadas, mas um set list inteiramente constituído dessas músicas ainda não havia se materializado.

Depois de passar pelo Brasil pela primeira vez na história como parte do projeto Lovedrive (acompanhado dos ex-Scorpions Francis Buchholz, Herman Rarebell e Michael Schenker) e de uma participação no show do Angra, chegou a vez de uma mini-tour solo pelo país. Muito bem acompanhado de uma banda de músicos mais jovens, porém extremamente talentosos – destaque para o vocalista/guitarrista NiklasTurmann (Crystal Breed), Uli acionou a máquina do tempo em potência máxima e tirou do limbo músicas que os fãs nem sequer sonhavam um dia voltar a escutar ao vivo.

A trinca inicial já foi de tirar lágrimas dos fãs mais antigos, com “All Night Long”, “Longing For Fire” e “Pictured Life”, esta última um verdadeiro “hit que não foi hit” da fase inicial do Scorpions e profundamente amada e esperada pelos fãs. Surpreendia muito ver de perto (para quem não sabe, o Manifesto é um lugar relativamente pequeno e permite proximidade do palco onde quer que você esteja lá dentro) a técnica toda única e irrepreensível de Uli, intacta mesmo depois de tantas décadas, colocada a prova em partes complexas tocadas com facilidade absolutamente incrível e feeling impressionante. É como se em um mundo de guitarristas “marimbondos” que tocam um milhão de notas por segundo Uli quisesse provar a importância de sentir cada nota que é tocada.

O som eventualmente se mostrava ligeiramente mal mixado pela mesa de som e os instrumentos e vozes acabavam completamente encobertos pela guitarra de Uli “no talo”, mas por um lado isso acabou sendo positivo pois permitia que as nuances incríveis do que era tocado por ele fossem notadas, sendo que algumas vezes os arranjos originais davam lugar a improvisos animalescos movidos a guitarra, como em “Dark Lady”.

Também rolaram outras pérolas inacreditáveis como “Catch Your Train”, “Sun in my Hand”, “Born to Touch your Feelings”, “In Trance”, “Fly to the Rainbow” e “I’ve Got to be Free”, fazendo a festa dos fãs de Scorpions que andam cansados dos set lists mais óbvios (excetuando-se uma surpresa aqui e ali) apresentados pela banda já há um bom tempo – na verdade quase um “mal necessário” que atinge boa parte dos grandes nomes, que se vêem obrigados a atender a demanda de um público que em boa parcela só conhece o material mais famoso dos artistas.

Durante o show, Uli exalava feeling por todos os poros e sua maneira extremamente “zen” de tocar chamou a atenção de muita gente, pois muitas vezes ele parecia entrar em outra dimensão enquanto fazia seus solos, gesticulando, sorrindo e às vezes até mandando uma espécie de “cala a boca” com as mãos dirigido a alguns fãs sem noção que não paravam de gritar nomes de músicas que queriam escutar – e isso tudo sem parar de tocar!

Logicamente a maior influência de Uli é Jimi Hendrix, algo visível não apenas por seu visual até hoje meio hippie, mas também pela maneira que toca. Fora que durante muito anos Uli viveu com a última namorada de Jimi, Monika Dannemann (que inclusive ajudou a compor a clássica “We’ll Burn The Sky” com Rudolph Schenker, também apresentada no show) e essa influência ficou bem clara durante o bis, composto por um medley de músicas dele: “All Along the Watchtower” (de Bob Dylan, embora o próprio autor diga que essa música é acima de tudo de Jimi), “If 6 was 9” e “Little Wing”. Pode-se dizer que para Uli tocar esse material é quase como tocar uma de suas próprias músicas, tamanha a intimidade que ele mantém com elas.

Depois de terminado o show Uli ainda teve gás para atender a todos os fãs que foram ao Manifesto, autografando itens e tirando fotos sem frescura e sempre com extrema educação, coisa que todos os que tiveram contato com Uli já se acostumaram a esperar dele. Um ótimo show, de um músico que domina como poucos seu instrumento e que, infelizmente, continua a ser extremamente subestimado por muitos.

 

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