Pergunte para qualquer fã de música extrema que se preze, e você constatará uma verdade inquestionável: a Polônia é uma das principais pátrias do metal extremo, seja em bandas, seja em público. Realmente, não há como questionar. Decapitated, Hell-Born, Hate, Behemoth, Graveland, Yattering, Dies Irae, Lost Soul, Azarath, Sceptic, Besatt, Plaga, Christ Agony, Mgła… e claro, o Vader, muito provavelmente, o nome que teve a honra de puxar toda essa gigantesca fila de nomes incríveis e que parece infindável.
Pais de toda a cena extrema polaca, o Vader teve um início mais voltado ao metal tradicional, mas foi justamente no death metal que encontrou sua música, e onde foi encontrado pelos fãs. Uma história de sucesso que já se prolonga por quase quatro décadas, e que ganhou um lendário primeiro capítulo oficial há exatos 25 anos, quando lançou The Ultimate Incantation, álbum que é hoje considerado um dos alicerces do death metal noventista. Claro que o caminho até o lendário álbum de estreia não foi simples, nunca é. Óbvio que muitos desafios precederam e sucederam o lançamento daquele álbum icônico, mas, se você quer saber, não foi nada disso que o transformou em uma lenda: foi a sua incrível qualidade, sua indelével pegada thrash que tornava aquele cataclísmico death metal em algo único, absolutamente diferente, e, para os amantes de música agressiva, irresistível. Dito tudo isto, o que poderia ser mais justo do que selecionar alguns pares de apresentações e criar uma celebração especial para o álbum que em 1993 marcou definitivamente o nome da Polônia entre os países do death metal? Pois foi exatamente isso que o Vader fez, e foi com a sua The Ultimate Incantation Tour – 25 Years of Chaos que os poloneses desembarcaram em São Paulo para aquele show que ficaria marcado como um dos mais extremos do ano na cidade.
Sim, esta seria uma noite histórica. E, embora fosse perfeita para curtir os grandes clássicos do estilo, também era uma belíssima ocasião para vermos de perto o que está surgindo na cena, aqueles nomes que, esperamos, levarão adiante o legado musical dos grandes heróis que nos tornaram fãs de música. Com tudo isso em mente, partimos para o Manifesto Bar em uma noite fria, esperando que as labaredas do inferno aquecessem nossas almas enquanto o death metal – dos veteranos e dos novatos – explodia amplificadores e destroçava mentes, um holocausto musical como só este gênero pode proporcionar. Com a cerveja na mão e os olhos fixos no palco, foi a vez de conferir pela primeira vez um show do VENOMOUS, a banda que abriria os trabalhos na noite, e que representaria o Brasil e a nova safra do metal aos presentes.
Com um primeiro álbum prestes a sair do forno, os brasileiros só tinham a ganhar, e vale dizer que fizeram valer sua presença em um palco que já acomodou grandes nomes nos últimos anos, incluindo as presenças célebres de Belphegor, Nile e Suffocation no ano passado. Também era óbvio que os caras estavam com uma gana incrível por tocar diante do Vader, em uma turnê tão especial. Assim, a pegada Within the Silence veio como um chamariz para que todos fossem se acomodando diante do palco, e já em I Pray as I Pray sentia-se que o público estava cativado. Claro que a entrega do grupo no palco foi determinante na boa acolhida que receberam, mas também foi uma atitude inteligente escalar para a abertura uma banda que tem muito mais diferenças do que semelhanças com o Vader, embora ambas trilhem caminhos musicais contíguos. Deixada sob a luz da sua própria fúria, a banda ainda apresentou canções como Martyr, A New Beginning e Green Hell antes de se despedir do público e dar fim nesta boa apresentação.
Chegava então a tão esperada hora de conferir a atração principal, e o VADER, como sempre, não decepcionaria. Já quase um legítimo brasileiro, o líder e fundador Peter Wiwczarek chegou saudando a galera em português, e logo de cara iniciou com Dark Age, uma das melhores e mais conhecidas faixas do debut, o celebrado The Ultimate Incantation. Para aqueles que foram ao show e não costumam acompanhar o noticiário musical na internet, as intenções maléficas dos poloneses ficaram claras logo na sequência, que trouxe Vicious Circle e The Crucified Ones. Após executar a trinca inicial do debut, era mais do que claro que a banda tocaria aquele álbum completo na primeira parte do show, e que só depois partiria para os petardos dos outros (magníficos) álbuns. Uma ótima ideia, e que vimos, surtiu o efeito desejado, arrancando aplausos e gritos a cada nova música executada.
Seguindo pela histórica e sangrenta trilha de The Ultimate Incantation, era hora de The Final Massacre. Conhecida dos ‘tape-traders’ especializados em death metal desde 1989, ano em que debutou oficialmente na demo Necrolust, a faixa traz um tom diferente para a apresentação do Vader, uma aproximação mais latente do velho thrash/black metal praticado nos primórdios por gente como Destruction, Sodom, Kreator e Slayer. Sendo o Brasil um país tão apegado ao thrash metal, tão tradicional no death metal e tão afeito ao som do Vader, acho que você bem pode imaginar como foi a recepção para esta música, em especial. Mesmo aqueles que a ouviam pela primeira vez agitavam sem parar, enquanto os antigos fãs pareciam em êxtase, já que esta talvez seja a melhor representação do momento de transição do Vader para a música extrema.
Testimony, Chaos e One Step to Salvation continuaram carregando o público nas asas do inferno, e era notória na cara do vocalista/guitarrista Peter Wiwczarek que a banda estava empolgada em perceber a reação da plateia. Convenhamos, não poderia ser diferente. Demons Winds, Decapitated Saints e Breath of Centuries botaram fim nesta primeira e especial parte do show, e era difícil acreditar que aquilo tudo realmente tinha acontecido.
Até de forma natural, Wings, um petardo infernal do clássico Litany (2000), foi a escolhida para dar sequência. Confesso que, aquele início, com a bateria sendo esmurrada no ritmo de um canhão no ardor da guerra, me fez lembrar com muita saudade do baterista Krzysztof “Doc” Raczkowski, um bom amigo e excelente músico que nos deixou cedo demais, em 2005. Felizmente, o Vader encontrou o baterista certo na figura de James Stewart, um moleque (em vista dos demais) que não deixa o ritmo cair nem por um segundo, e mantém o sangue quente durante toda a apresentação. Na sequência Triumph of Death foi a única de Tibi et Igni (2014) a dar as caras no show, enquanto a emblemática Sothis trouxe pela primeira vez o segundo álbum do Vader, De Profundis (1995) ao jogo. Carnal – única faixa de Black to the Blind (1997) tocada nesta apresentação – sempre me deixou com um pé atrás por conta de certas partes nos vocais, mas ao vivo, que pedrada na cara! Ou seja, a noite não estava para brincadeiras, e o clima ia se adensando cada vez mais.
Coberto por trajes no melhor esquema ‘leather, studs & spikes’, Peter pode ser considerado um cara de sorte, já que fazia uma noite relativamente fria na Capital Paulista. Mesmo assim, sua cara já estava coberta de suor quando iniciou a clássica Silent Empire, outra de De Profundis. Embora fosse claro que o show precisava se encaminhar para o fim – você bem deve imaginar o esforço que é tocar naquele ritmo por muito tempo – ao ouvirmos a trinca Prayer to the God of War, Send me Back to Hell e Cold Demons, já começávamos a pensar com tristeza no tempo que teríamos que enfrentar até vê-los novamente ao vivo. Ao menos uma última benção eles ainda nos concederam: Helleluyah!!! (God Is Dead) encerrou de vez a apresentação, nos devolvendo ao mundo frio de onde havíamos sido subtraídos por algumas horas. Mais uma bela apresentação, e mais uma bela amostra da razão do Vader ter tantos fãs por aqui.