Inicialmente anunciado para maio deste ano e adiado, o ícone do Death Metal polonês Vader finalmente voltou a São Paulo no último final de semana de novembro, rumo à reta final da agenda 2015 de shows. Sem mudanças de local, o Inferno Club recebeu como bandas de abertura as brasileiras Sinaya, Necromesis, Hatefulmurder, e a belga Dehuman, anunciada poucos dias antes do evento. Este praticamente se tornou um pequeno festival, com aquela carga de pancadaria sonora e “Metal da morte” que todo banger que se preze necessita quase sempre.
Quem se esforçou a chegar à casa a tempo de conseguir acompanhar o até então ótimo horário prometido, se deparou com um atraso de quase meia hora do anunciado no evento oficial, o que gerou preocupações sobre o tempo que seria concedido à atração principal, já que era um sábado e outros eventos aconteceriam ainda naquela noite. Isso se refletiu nos opening acts, que tiveram seu tempo obviamente reduzido, a começar pelo Sinaya.
Marcado para as 18h15, somente por volta das 19h40 as paulistas fizeram as honras da casa com seu Death Metal feito por mulheres. Com um público ainda pequeno, o quarteto que não veio à brincadeira, deixou seu recado, mas visivelmente menos forte e concentrado do que poderia ter sido, reflexo talvez de problemas enfrentados anteriormente, o que justificaria o atraso gigantesco. Mylena Monaco (vocal e guitarra), Renata Petrelli (guitarra), Camila Toledo (baixo) e Dutchi (bateria), tocaram cinco faixas durante o pouco tempo concedido, como “The Ressurection”, “Pure Hate”, “Obuscure Raids” que compõem o EP de 2013 e “Buried by Terror”, tema do novo videoclipe lançado recentemente. Com frias e poucas interações e agradecimentos para com o público, as garotas deixaram o palco que mal acabavam de conquistar, sob tímidos aplausos. Mais sorte para as meninas na próxima.
A essa altura, bom seria esquecer-se dos horários, já que todos seriam atropelados, e sem muita demora a já figurinha carimbada de Santo André, o atual power trio Necromesis já tomava o palco. Após a saída de Mayara “Undead” Puertas, o guitarrista Daniel Curtolo assumiu também os vocais, acompanhado de Gil Oliveira na bateria e do baixista Gustavo Marabiza. Não se pode negar que a presença de Mayara faz falta no palco, mas para a satisfação dos fãs o grupo continua ‘muito-bem-obrigado’, descendo sua enxurrada de riffs e arranjos (pena por vezes a guitarra de Daniel ficar inaudível), e uma cozinha poderosa. Os músicos de Santo André apresentaram algumas das bem trabalhadas faixas do álbum “The Poet’s Paradox” (2015), como “Desocial Inclusion”, “Evolving a Paradox” e “Condemned By Themselves”.
O jovem Dehuman existe desde 2006 e tem dois álbuns lançados, o segundo, inclusive, deste ano, “Graveyard Of Eden”. Apesar da pouca idade, tanto de banda quanto visivelmente dos próprios integrantes, os belgas fizeram uma ótima apresentação com músicas muito boas. Peso e a brutalidade clássica do Death Metal nas guitarras de Rafaël Sellekaerts e Mathias Boulougouris, sem deixar de se preocupar com os arranjos e solos; os vocais “sujos”quase ininteligíveis de Andrea Vissol; uma pancadaria atrás da outra no kit de Laye “Les Sludgy” Louhenapessy, resume as quatro canções escolhidas, “Apocalypse And Perdition” do debut “Black Throne Of All Creation” (2012), “Obedience To Pestilence”, “Temple Of Lust AndFire” e “Sepulcher Of Malevolence”, todas do último lançamento. Se o público, a essa altura pouco mais cheio, ainda estava “carente de atenção”, essa foi suprida finalmente pelo carisma do frontman, que sempre que podia chamava a plateia durante as músicas e entre elas rasgava agradecimentos, como estivesse frente a centenas de pessoas. Devidamente apresentados, o quarteto simpático e brutal certamente ganhou mais alguns fãs e deu lugar à próxima atração.
Para os mais ansiosos, essa seria finalmente a última banda convidada antes dos poloneses tão esperados há meses, e os cariocas do Hatefulmurder não deixaram por menos tal honra. Tomando o lugar já aquecido pelos belgas, o grupo com sua vocalista cabelos-de-fogo e vocal (muito bom, diga-se) em total contraste com sua delicada figura, Angélica Burns, não perdeu tempo em fazer calar todas as bocas e colocar pescoços para funcionar. Renan Campos (guitarra), Felipe Modesto (baixo) e Thomás Martin (bateria), injetaram a pequena dose final composta pelas faixas “Worshiper sof Hatred”, “Gates Of Despair” e “Fear My Wrath” de “No Peace” (2014), “Black Chapter” de “The Wartrail” (2011) e o presente inédito, “My Battle”, em uma apresentação bem correta, com uma brutalidade latente no time das cordas e backing vocals, acompanhados de perto por uma frenética bateria, enfatizados pelo constante gutural denso de Angélica. Uma banda com ótima proposta e de grande potencial, que deve ser vista por aqui mais vezes.
A correria com as bandas convidadas se justificou quando poucos minutos de atraso se passaram antes de Peter (vocal e guitarra), Marek “Spider” Pajak (guitarra), Tomasz “Hal” Halicki (baixo) e James Stewart (bateria) surgiram para o Inferno devidamente trajados como os próprios quatro cavaleiros malditos. “Wings”, do ótimo “Litany” (2002), foi a saudação de um minuto e meio de puro blast beats, prédica que não haveria descanso para os pescoços ali. Sem muita conversa, “Go To Hell” e “Abandon All Hope” foram encaixadas numa primeira execução de músicas do mais recente álbum, “Tibi et Igni” (2014), divulgado durante essa turnê do Vader.
A volta no tempo começou com um passo atrás no álbum “Welcome To The Morbid Reich” (2011), na faixa “Come And See My Sacrifice”, de arrancar qualquer cabeça do lugar, antes de dar um salto para “Chaos”, do debut “The Ultimate Incantation” (1993), e “Silent Empire”, de “De Profundis” (1995) – não contente, o grupo enlouqueceu qualquer fã ‘old school’ com “Sothis” e “Reborn In Flames”. As músicas mais cruas dos primeiros trabalhos foram mescladas num set puxado para os clássicos, com as poucas recentes, mais melodiosas e ambientadas, mas não menos brutais, sempre com os vocais característicos de Peter, ainda em plena forma, mesmo após trinta anos de banda. Uma vez mais, um frontman simpatia desbancou qualquer imagem de “malvadões” com uma enxurrada de elogios, agradecimentos e atenção aos fãs, com direito a algumas brincadeiras e até pedidos de desculpas por terem gravado tantos álbuns quando faixas que não seriam tocadas naquela noite foram pedidas. Spider e Hal davam o ar da graça a todos os lados da casa, com trocas de lugara todo o momento. Lá “no alto” do palco, o baterista James era puro feeling, com caras e bocas atrás do “kit-metralhadora”.
“Decapitated Saints” e “Breath Of Centuries” de “The Ultimate…” intercalaram as recentes “Triumph Of Death” e “Where Angels Weep”, de “Tibi et…”, antes de mais uma de “Litany”, “Cold Demons”, incendiária da roda que já tinha se formado no meio do Inferno. “Hexenkessel”, “Carnal”, única representante de “Back To The Blind” (1997) com direito a vocais limpos (ou o mais perto disso) de Peter e uma das linhas de bateria mais matadoras do show; e “Dark Age” do debut, arrancaram a banda para o bis. Sem muita demora, mas com muitos brados de “Vader! Vader!”, os poloneses retornaram com a excelente afronta “Helleluyah!!! (God Is Dead)”, de “Impressions In Blood” (2006), e se despediram da capital paulista com “This Is the War”, do MCD “The Art Of War” (2005).
Consagrada com todas as honras e ainda com muito combustível para queimar, a banda polonesa fechou uma noite incrível para os sábios que saíram de casa e dedicaram seu tempo e músculos escalenos. Não se pode deixar de pensar que a data adiada interferiu no número de presentes no evento, que merecia muito mais do que viu. Ficam então votos de breves retornos e novos eventos com as ótimas bandas vistas naquele sábado, provas de que a chama do Metal Extremo está longe de ser apagada.