Por Samuel Souza
Fotos: Eliane Randi
No dia 3 de agosto de 2024, o SESC Av. Paulista foi palco de uma celebração histórica: os 35 anos do lançamento do icônico álbum Theatre of Fate, do Viper. O show comemorativo reuniu fãs de várias gerações, ansiosos para reviver os clássicos que marcaram o heavy metal brasileiro. Nos dias anteriores ao evento, as redes sociais foram inundadas com mensagens de fãs expressando sua empolgação, mas também um sentimento de decepção por não conseguirem ingressos. Apesar da grande demanda, o espaço no SESC não estava lotado, levantando questionamentos sobre a limitação na venda de ingressos.
A apresentação aconteceu, curiosamente, no 13º andar, um espaço de excelente estrutura, proporcionando uma experiência confortável e de alta qualidade para os fãs. O SESC é conhecido por iniciar suas apresentações pontualmente, e este não foi exceção. Às 20h em ponto, a introdução Illusions e toda sua carga emocional inspirada em Pseudo Silk Kimono, do Marillion, começou a tocar, preparando o público para uma noite inesquecível. Então, o quinteto sobe ao palco com a veloz At Least a Chance, uma canção mais do que apropriada para abrir um espetáculo, tal qual é assim no disco. Os primeiros riffs intensos, acompanhados pela bateria precisa de Guilherme Martin, capturam a energia do público imediatamente. A influência do metal europeu (à época, Helloween), especialmente nas passagens de guitarra neoclássicas, fica evidente, e os vocais impressionantes de Leandro Caçoilo lembram a força e a técnica que marcaram a era do saudoso Andre Matos. Em seguida, a banda engata a cativante To Live Again, um de seus maiores clássicos. A faixa mantém o ritmo frenético e remete ao som mais agressivo do álbum anterior, Soldiers of Sunrise. Os riffs reconhecíveis a cada nota e a performance vocal de Leandro Caçoilo levam a plateia aos pulmões, mostrando a atemporalidade desse hino do metal brasileiro. Até aqui, os backings vocais feitos pelo baixista e principal compositor da banda, Pit Passarell, e pelo guitarrista Felipe Machado, estavam um pouco altos demais, sendo regulados com o desenrolar da apresentação.
Seguindo com o setlist, a banda apresenta A Cry from the Edge, canção que começa com os fãs cantando em uníssono o trecho “oh oh oh oh”. Essa faixa, apesar de sua letra reflexiva sobre a vida (à luz da verdade, todo o disco é uma peça sobre isso), é incrivelmente alto astral e mantém a energia lá em cima. Vale destacar o quanto Pit estava inspirado quando compôs este álbum, ao lado de Felipe Machado, com quem assinou este tema. Mesmo tendo passado por uma cirurgia há poucos dias, o baixista distribui sua tradicional simpatia no palco. Contido e às vezes sentado no praticável da bateria para descansar um pouco, ele não deixa de mostrar sua energia e carisma. A preocupação e o carinho dos fãs são evidentes, e eles respondem com entusiasmo a cada interação. De fato, Pit continua a se conectar intensamente com o público, demonstrando seu compromisso e sua paixão pela música. É um mestre do heavy metal brasileiro, disso não temos dúvidas!
Na sequência, o quinteto avança para Living for the Night, uma das músicas mais celebradas do Viper. Embora tradicionalmente seja reservada para o final das apresentações, ela aparece no setlist como parte da apresentação do álbum completo. Felipe Machado, com seu bom humor característico, fez uma piada sobre o ‘spoiler’ do setlist, arrancando risadas do público. É quase impossível não cantar a parte inicial da música – com Guilherme vindo à frente do palco para marcar o bater das mãos da audiência – e seu refrão grudento, e os fãs se entregaram à celebração desse clássico absoluto, vibrando com cada nota e letra que tornaram Living for the Night um dos maiores hits do quinteto.
A próxima faixa, Prelude to Oblivion, carrega uma carga teatral que remete à influência do Queen e à complexidade vocal que Andre Matos (com sua imagem projetada no telão) trouxe ao Viper. Ao anuncia-la, Leandro comentou que fazê-la ao vivo é algo desafiador e que é também uma das preferidas de Pit, marcada por harmonias vocais ricas e uma instrumentação que realça a atmosfera dramática, com o vocalista alcançando os agudos sem dificuldades. Às vezes, ele parece exagerar um pouco nas notas mais altas, mas sua interpretação destaca a habilidade e o domínio técnico que também trouxe à banda. A execução de Prelude to Oblivion é um testemunho do cuidado e da dedicação dos remanescentes do Viper em seguir em frente e preservar a grandiosidade de sua música, mantendo sua essência, apesar dos desafios do formato ao vivo (a gente sente a falta de uma cama de teclado real numa parte ou outra) e adaptando-se para uma nova geração o momento que o grupo vive.
Foi emocionante ver isso ao vivo, especialmente quando chegamos à faixa-título do álbum, Theatre of Fate, que avizinhava o fim do primeiro ato da noite de forma grandiosa e épica. Confesso que estava aguardando por essa passagem ansiosamente, pois considero uma das melhores do play. Com uma estrutura complexa e uma execução poderosa, a faixa destaca a habilidade dos músicos em criar uma obra que é técnica e emocionalmente rica ao longo de seus mais de seis minutos. O próprio Leandro voltou a destacar o desafio de também interpretar esse tema, sendo agora a segunda vez que o faz, já que a última foi no Viper Day 2019, evento que remete ao primeiro show deles no Lira Paulistana, em São Paulo, em 1985. Theatre of Fate combina peso, velocidade e variações rítmicas, e também evidencia a performance agressiva e técnica do baterista Guilherme Martin. Ele ainda fez a inclusão do gongo nas partes finais de algumas canções, dando um toque mais explosivo ao evento. E, apesar de chover no molhado, Leandro parece que a cada apresentação se sente ainda mais em casa assumindo os vocais do Viper. É visível que canta com o coração e isso podemos reafirmar nos versos tocantes desse tema, que questiona e ao mesmo tempo assegura que “nós estamos procurando pelo significado de nossas vidas, mas nossas falhas permanecem as mesmas”.
Moonlight trouxe um momento mais introspectivo e melódico ao espetáculo, encerrando o álbum tocado na íntegra e a primeira parte da apresentação. O maestro Andre Matos foi especialmente lembrado nessa faixa, composta pelo saudoso vocalista. Leandro conseguiu capturar a sensibilidade necessária para a interpretação, mantendo profundidade e intensidade. Durante essa performance, Pit deixa o baixo de lado e se senta na parte lateral externa do palco, por trás do ‘side drop’ com a clássica capa do álbum pintada por Alberto Torquato, visivelmente emocionado enquanto contempla seus companheiros. Rob Gutierrez, já considerado uma espécie de “sexto membro”, assume o baixo, adicionando sua própria energia e presença ao momento. E, sim, toda a carga dramática de Moonlight fecha Theatre of Fate de maneira apoteótica, com sua beleza operística de melodias que corta profundamente a alma. Após 35 anos de seu lançamento, eis aqui um disco de importância ímpar e que merece, a todo momento, ser revisitado.
Depois de uma pequena pausa, abriram o segundo ato com Timeless, faixa-título do atual trabalho de estúdio, que foi muito bem recebido pelo público. Em seguida, veio Evolution, do disco homônimo de 1992, que levou o Viper a tocar no Japão na época, inclusive registrando um álbum ao vivo por lá. Ainda do novo disco, Freedom of Speech também foi muito bem recebida pelos fãs. E uma interação necessária se fez novamente com eles: Leandro puxou os parabéns para o guitarrista Felipe Machado, que estaria aniversariando no dia seguinte. Além de agradecer a seus amigos de banda e fãs, ele, visivelmente comovido, lembrou que tinha apenas 18 anos quando gravou Theatre of Fate e que celebrar a data é um motivo de muito orgulho, deixando uma mensagem especial para os presentes: “Façam coisas legais, façam coisas de que podem ter orgulho.”
Vale destacar que havia muitos jovens, incluindo adolescentes e crianças de menos de 10 anos, mostrando a união de gerações do heavy metal que continuam escrevendo a história desse “teatro da vida”. De Timeless of Fate tocaram ainda Under the Sun, com bastante vibração do público. Antes, porém, foi a vez da pesada Coma Rage e, claro, antes de encerrar, Rebel Maniac, que acabou se tornando outra espécie de hino do Viper. Nessas canções, Pit assume mais os vocais, deixando o baixo novamente para Gutierrez. É justo citar aqui também a integração de Kiko Shred nas guitarras, adicionando peso extra ao som da banda. Seus timbres são mais encorpados, contracenando com técnica sem exageros. Tá mais que em casa, diga-se!
Para encerrar no melhor estilo do metal de aço, umas das músicas mais pesadas e rápidas deles, H.R. (Heavy Rock), do não menos emblemático debut Soldiers of Sunrise, trouxe aquele tempero mais que nostálgico à noite, e como a própria canção celebra o quão a música pesada é algo que corre intensamente em nossas veias, foi cantada por todos. Essa é uma música que é obrigatória que todo fã de heavy metal ouça pelo menos uma vez por semana! No telão, a projeção do primeiro logotipo do Viper, conectando o respeito ao passado, mas encarando que ainda há muito futuro pela frente. Que venha um show extra e no espaço maior para uma audiência muito maior. Parabéns ao Viper por tanta vitalidade e longevidade ao vivo!