Uma vitória do Metal brasileiro. Essa foi a frase frequente entre a grande maioria das atrações do Palco Rio Branco na edição 2015 da Virada Cultural. Há pelo menos três anos o estilo não era um dos privilegiados da programação. E somente com uma militância dentro e fora das redes sociais mobilizada pela hashtag #metalsampa, encabeçada por quem tem mais amor à música do que pela iniciativa política, foi possível ter alguns dos gigantes veteranos do Metal nacional em ação.
Sem nenhuma atração gringa como principal, a partir da abertura no final da tarde de sábado, anterior ao Metal que pegou pesado mesmo no início da manhã de domingo, o público conferiu bandas como Cachorro Grande, o Jurassic Rock de Serguei e o popular brega de Odair José.
Os shows começaram pontualmente e horas antes do Krisiun estremecer o asfalto às 6 da manhã. Não foi surpresa a banda tocar nesse horário e nem o público comparecer em peso para vê-los. Em 2010, no Palco Rock, a banda também se apresentou na madrugada, fazendo um dos shows mais insanos daquela edição. Quem virou a noite ou chegou mais cedo não se arrependeu. O trio que já tem o mais novo registro, “Forged in Fury”, previsto para sair em 7 de agosto, tocou sons mais antigos e deu uma prévia do que o novo álbum vai ter.
“Ominous”, faixa de “Bloodshed” (2004), abriu o set, seguida por “He will to potency”. O show de uma hora de duração teve um set reduzido, mas com barulho suficiente para agitar o público e dar trabalho para os seguranças e bombeiros que tentavam segurar a barricada que dividia o pit do palco. E o circle pit foi pegado a cada música. Antes de “Combustion Inferno”, uma das mais badaladas faixas de “Southern Storm” (2008), Alex (vocal e baixo) deu bom dia e perguntou se o público tinha tomado cachaça ou café. Brincadeiras à parte, disse que era muito bom ver a galera presente tão cedo e que isso mostra a força do Metal, dos fãs do estilo e que isso é que verdadeiramente dá orgulho de ser brasileiro. Após um solo matador do baterista Max Kolesne, a banda tocou “Blood of Lions”, seguida de “Vicius Wrath”, um dos hits de “Assassination” (2006).
Alex falou do disco novo e tocaram a inédita “Ways of Barbarism”. Fecharam o show com “Vengeance’s Revelation”, “Sweet Revenge” (cover do Motörhead) e “Bloodcraft”, para loucura do público que continuava fazendo a grade se mover enquanto a manhã fria começava a clarear. Com uma hora de intervalo para a troca de palco o público continuou colado na grade enquanto uma parte correu para a parte de trás do palco para garantir fotos e autógrafos com os integrantes do Krisiun.
Às 8h foi a vez do Korzus agitar os presentes e espantar o frio. O quinteto não escondeu a felicidade de ver um público tão animado e presente para prestigiar o show. A banda também fez um set mais curto mesclando sons mais clássicos com faixas do mais recente disco, “Legion”, lançado ano passado. Depois de “Vampiro” e “Discipline of Hate”, o vocalista Marcello Pompeu falou que o público tinha mesmo que fazer bonito e mostrar a força do Metal, do quanto os fãs de Heavy são diferenciados e que esse é o combustível de fazê-los continuar fazendo música.
Na sequência de “Bleeding Pride”, Pompeu falou novamente sobre o orgulho que tem de tocar para os verdadeiros headbangers e que “Never Die” era dedicada aos fãs e para atrapalhar o palco do forró que rolava nas redondezas. “What Are You Looking For”, “Correria” e “Lifeline” vieram na sequência. Pompeu disse que a banda está há 32 anos na estrada, sobrevivendo a várias fases e sem parar. Que estar na programação do Metal na Virada e com o público presente estava lavando a alma e se divertindo muito, mesmo sendo tão cedo. Depois do discurso tocaram ainda “Agony”, “Internally” e fecharam com a clássica trintona “Guerreiros do Metal”.
Com o público se revezando na grade e com muita gente saindo e novos chegando, a terceira da manhã foi o Voodoopriest. Com a novidade de banda recém-formada e experiência dos veteranos liderados pelo carismático Vitor Rodrigues, a banda tocou o disco de estreia, “Mandu” (2014), na íntegra e na sequência. A galera enlouqueceu com a performance que contou com a banda quebrando ao vivo e alguns vinhetas incidentais. Alguns fãs tinham as letras na ponta da língua e abraçaram o novo trabalho, outros ainda pela curiosidade de ver ao vivo a nova banda do ex-vocal do Torture Squad.
Além de agradecer pela presença e pela oportunidade, Vitor falou sobre o álbum conceitual e sobre o personagem que dá nome ao disco, um guerreiro real e brasileiro que, como ele disse, a história ignorou e eles resolveram exaltar. Foi aos gritos de ‘Mandu, Mandu’, que a banda tocou a faixa título enquanto o circle pit rolava mais contido no público que preferiu mais contemplar do que agitar. No bis tocaram mais duas faixas, “Reborn” e “Juggernaut”, integrantes do EP de estreia lançado em 2013.
Com uma agenda agitada e cada vez mais populares, o Dr. Sin veio descontraído e arrastando seu público fiel para a frente do palco, que cantou e agitou em todos os sons em pleno sol do meio dia. A banda divulga também o mais recente trabalho, “Intactus”, mas foram mesmo os clássicos que fizeram a alegria dos presentes. A sempre boa e pesada “Down in the trenches” abriu o set, seguida por “Fly Away” e “Lady Lust”. Andria Busic (vocal e baixo) brincou que era bem incomum tocarem assim, de madrugada, mas que é sempre um prazer rever o público.
O baterista Ivan Busic falou que do prazer de fazer parte de uma programação que privilegia o Metal nacional e anunciou “Time after time”. Enquanto Edu Ardanuy dava show nos solos, a dupla de irmãos botava fogo na galera. Isso aconteceu quase literalmente na acelerada “Fire”. Além de falar dos 22 anos de estrada e de comparar o trio aos “Três Patetas”, Ivan falou do lançamento do videoclipe da faixa “Soul Survivor”, que estreou depois da Virada e já ultrapassou as 8000 views no Youtube.
Além de outros sons próprios, como a também recente “Saturday Night” e “We’re not alone”, a banda agitou a galera com a cover do The Kinks (“You really got me”) e um trechinho de “Ain’t Talkin’ ‘bout Love” do Van Halen. Ainda houve tempo para mais descontração em “Futebol, Mulher e Rock’n’Roll”, única em português no set, mobilizando os torcedores dos times paulistanos presentes na plateia. O público ficou um pouco frustrado com a falta de bis e do grande hit “Emotional Catastrophe”, que ficaram mesmo devendo.
Uma das atrações mais aguardadas veio em seguida. O Viper, fazendo o show comemorativo de 30 anos, contou com alguns dos ex-integrantes. Cabe ressaltar que o vocalista Andre Matos havia feito um show solo no dia anterior no Sesc Vila Mariana, também dentro da programação da Virada. Para muitos a performance foi marcada pela descontração. Porém, para outros, a bagunça em cima do palco e um desorientado Pit Passarell (baixo) deixou tudo parecendo uma falta de compromisso com um show que poderia ser um dos melhores da programação.
Andre Matos foi, inevitavelmente, o grande destaque do show, junto com a energia e pela performance da dupla de guitarras, Hugo Mariutti e Felipe Machado. Os clássicos de “Soldiers of Sunrise” (1987) e “Theatre of Fate” (1989) formaram a maioria do set que contou com Ricardo Bocci dividindo os vocais com Andre, além de Pit nos backings. “Knights of Destruction”, “To live again”, “At least a chance” e “Wings of the evil” foram algumas que fizeram a alegria dos fãs na primeira parte do show.
Andre falou que é muito emblemático tocar exatamente naquele palco na Avenida Rio Branco já que a banda começou naqueles arredores, mais precisamente entre visitas na Galeria do Rock e a lendária loja Woodstock Discos. Depois, “A cry from the edge” e “Prelude to oblivion”, o ponto alto da apresentação foi a execução de “Living for the night”, cantada em uníssono pelo público com Andre na grade para alegria dos fãs. Com Val Santos no baixo, tocaram “Rebel Maniac”, único clássico do álbum “Evolution” (1992), da fase de Pit no vocal. Ele também foi pra perto do público para cantar e sentir a energia de perto. A banda saiu muito aplaudida e devendo mais sons.
Para muitos, a Virada, ou pelo menos os shows principais tinha encerrado ali. E quem foi embora perdeu a grande apresentação de Robertinho do Recife e a Metalmania. A banda formada no final do ano passado leva o nome do disco clássico lançado pelo veterano guitarrista em 1984. Contando com os irmãos Rapha Sampaio e Junior Harley, respectivamente, bateria e baixo e Fhorggio, filho de Robertinho, nos samplers e teclado, Robertinho vem superando preconceitos e problemas de saúde para se manter na ativa. Reverenciado por ícones do Metal fora do Brasil, em seu país, ainda tem que provar do que é capaz para conseguir o devido respeito.
O show começou com problemas de som, fruto de uma equipe ainda jovem e desentrosamento em banda e roadies, mas foi sanado com rapidez e não comprometeu a performance. A faixa título do álbum e as faixas “Como um animal” e a instrumental “Back for More” fizeram a abertura do show. A cover de “Jack, o estripador” do Made in Brazil, banda que viria na sequência, foi dedicada para Percy Weiss e cantada por um emocionado Robertinho que fez reverência ao amigo falecido no início deste ano.
Apesar da dupla de baixo e bateria agitarem o público e roubarem a cena pela performance cheia de energia, Robertinho só conseguiu mesmo mostrar o melhor do seu talento e ganhar o público com alguns covers de clássicos do Metal executados com maestria. “Iron Man” do Sabbath, “Crazy Train” de Ozzy Osbourne, “Highway Star” do Deep Purple, “Breaking the Law” do Judas Priest e “The Trooper” do Iron Maiden foram algumas das músicas escolhidas. O grande destaque foi para “Metal Daze” do Manowar. Robertinho comentou sobre o prazer de dividir o palco com os mestres na edição 2015 do “Monsters of Rock”.
A programação do Palco Rio Branco foi fechada pelo Made in Brazil. A performance dedicada ao já citado falecido vocalista Percy Weiss contou com a banda presente, com destaque para o guitarrista Celso Vecchione e participações especiais do vocalista Dino Linardi. Ter uma programação mais voltada para as bandas clássicas e com o estilo mais extremo do Rock é sempre uma surpresa aguardada a cada anúncio da Virada. Que, a exemplo de anos anteriores, a boa presença de público e shows sem incidentes e com público se divertindo, tanto quanto as bandas, seja considerado pela organização nas próximas edições. Os músicos e, principalmente, os fãs agradecem.