Era a união do metal do Rio de Janeiro com o de São Paulo; a junção do thrash com o heavy tradicional; a coletividade entre músicos da velha guarda do underground nacional com outros mais novos que estão chegando com sangue nos olhos. O Manifesto Bar, que em outras ocasiões abriu suas portas para eventos autorais do mesmo porte, como o “Conexão Metal” e o “Conexão Rio-Metal”, cedeu espaço agora para o “The Old School of Brazilian Metal”, que reuniu as bandas paulistanas Vodu e Takken e as cariocas Hicsos e Redentor. Tudo estava muito bem organizado, desde o cronograma cumprido à risca, até a qualidade de som, que poucas vezes apresentou alguma falha. Já a quantidade de público foi aquém do que se esperava. Tal baixa em eventos de bandas nacionais é uma constante que nem Freud explica, tendo em vista que uma megalópole como São Paulo tem mais headbangers do que a população de muitos países mundo afora. Felizmente, todas as quatro bandas mostraram profissionalismo e passaram por cima dessa adversidade. Vamos aos shows… (sacou o duplo sentido dessa frase, né?)
A abertura do evento foi dada com o Takken, que apesar ter sido formado há pouco tempo conta em seu line up com músicos experientes e bastante conhecidos na cena paulistana: Régis Frederico (vocal – Scars, Chasing Fear), Fernando Boccomino (guitarra – Scars, ChaosFear, Sick Mind, Wasted Co.), Eduardo Boccomino (guitarra – Centúrias, Scars, ChaosFear, Sick Mind, Chasing Fear, Critical Mass), André Sterzza (baixo – Scars, Aggression Tales) e Billy Houster (bateria – ChaosFear, Ancesttral). Quem já viu Régis em ação, sabe que ele é daqueles vocalistas de thrash metal que agitam o tempo todo e que sabem entreter o público. O cara canta para poucas pessoas com a mesma empolgação de como se estivesse se apresentando para uma arena lotada. Por enquanto o Takken tem só três singles gravados, mas já assinou contrato com um selo que cuidará de sua estreia fonográfica.
Com “Die By Your Faith” (música que ganhou videoclipe) o grupo entrou dando mostras de seu bombardeio sonoro. A pegada é altamente influenciada por Slayer, Exodus e Testament, ou seja, thrash metal old school, trampado, energético e visceral. E aí tome rifferama dos irmãos Boccomino, cozinha veloz de Sterzza e Houster, e voz estrondosa de Régis, que faz até serpente ouvir. “Under the Eyes”, que o frontman apresentou dizendo que a letra fala de intolerância, e “Political Genocide”, sobre os crimes políticos do Brasil, tiveram inícios com dedilhados sinistros, algo que era comum no thrash nacional e norte-americano dos anos 80 e início dos 90. Outras traulitadas como “Dark Forces Rise” e “War for Empire” aguçaram a vontade de conferir o que virá em estúdio. Ao final do show, a ROADIE CREW conversou com Régis, que comentou como está sendo esse recomeço, agora com o Takken: “Pra quem estava há muito tempo parado é difícil voltar, porque as engrenagens estão todas enferrujadas”, brincou. “A vontade que a gente tem de tocar, mesmo que passe muito tempo, está sempre no coração, e tem sido uma energia empolgante pra nós, está sendo muito gratificante poder colaborar ainda pro metal nacional e subir ao palco, mesmo eu estando próximo de completar 50 anos de idade”, vibrou o emocionado vocalista.
Os próximos a darem as caras, sob introdução extraída da trilha sonora do longa “Laranja Mecânica”, clássico dirigido pelo genial Stanley Kubrick e baseado na obra de mesmo nome de Anthony Burgess, foram os jovens Guilherme Kirk (vocal), Gabriel Fontes (guitarra) e Chico Pinheiro (bateria), responsáveis pelo thrash/groove ríspido e cru do Redentor. Assim como o Takken, o grupo carioca ainda não tem um ‘full lenght’ gravado, porém, já lançou dois EPs: “IndEPendent” (2015) e “Vol. 0: Imminent Hate” (2016), que estava sendo promovido. E foi baseado nesses materiais que o trio montou seu repertório, embora tenha apresentado também a nova “Christophrenia”, outra de suas pauladas. Por algum problema de última hora, a banda veio desfalcada de Velho, seu baixista (ou ex, como deu a entender), mas, ainda assim, honrou seu compromisso para com o evento. Cacetadas como “Forcefulness of Hatred”, “Slaves of the Past”, “Hypocrite Blood” e a cadenciada “Lifeless” se mostraram furiosas ao vivo, todas com bons riffs e levadas de batera. Mas, essas e as demais, foram muito prejudicadas nas partes dos solos, por conta do buraco deixado pela ausência do baixo.
Em relação à postura e movimentação de palco, ainda falta experiência aos músicos do Redentor, principalmente para Kirk, que mesmo sendo competente nos vocais urrados e se comunicando nos intervalos entre uma música e outra, mostrava-se bastante tímido. Isso e mais a falta do baixo, talvez explique a receptividade fria das poucas pessoas presentes, que não atenderam aos pedidos de Chico Pinheiro para se aproximarem do palco. Numa tentativa de arrancar alguma reação de quem os assistiam, Kirk, Fontes e Chico encerraram a participação do Redentor com a clássica “Troops of Doom”, do Sepultura – único cover tocado no evento. Infelizmente, nem isso surtiu o efeito imaginado.
Também do Rio foi a vez de o Hicsos dar prosseguimento ao evento. E como essa parecia ser a noite das trilhas cinematográficas, o veterano grupo, formado em 1990, entrou ao som de “The Imperial March”, tema do sombrio Darth Vader, personagem de Star Wars. Com esse clima, Marco Anvito (vocal e baixo) – que trajava uma camiseta com a estampa do próprio Darth -, Alexandre Carreiro (ex-As Dramatic Homage / Desolatae) e Celso Rossatto (guitarras) e Marcelo Ledd (bateria) entraram arregaçando com a nervosa “Can’t Hang Terror”, música que representa o terceiro álbum, “Circle of Violence”, que embora tenha sido lançado no já distante ano de 2013, ainda é o material mais recente da banda. Embora o set tenha contado com várias músicas de “Circle of Violence”, os dois álbuns anteriores não foram esquecidos. “Eatin’ Concrete” (2004) foi representado pela cortante “Suicide Illusion”, e “Technologic Pain” (2007) por três verdadeiras tijoladas.
Independentemente da escassez de público, Anvito se mostrou contente por estar reencontrando velhos amigos de São Paulo no evento. Um deles era Régis Frederico, que foi intimado a subir no palco para fazer duo em “Mea Culpa”, música do segundo álbum do Hicsos. Baseado no que foi informado na nota de divulgação do evento, eram aguardadas algumas músicas inéditas do grupo, como “Death Society”, por exemplo. Não rolou dessa vez, mas, ainda assim, foi um show contagiante, que teve desfecho com outra de “Technologic Pain”, a quebra-ossos, “Pátria Amada”. Atualmente, o Hicsos segue preparando seu primeiro DVD, “26 Years of Thrash Violence”, que celebrará suas quase três décadas de carreira.
Falando em celebração, o Vodu está comemorando 30 anos de sua fundação, inclusive relançando todo o seu catálogo. Mas apesar de estar relembrando seu honroso passado, André Gois (vocal), José Luis Gemignani “Xinho” e Paulo Lanfranchi (guitarra), André “Pomba” Cagni (baixo) e Sérgio Facci (bateria), deixaram claro que o Vodu ainda tem muita lenha pra queimar. Eles prepararam um setlist cheio de novidades, com diversas músicas que farão parte do quarto full lenght do grupo. Duas delas formaram a dobradinha inicial do show: “Voodoo Doll” e “Walking with Fire”. Na sequência foi a vez das antigas “Seeds of Destruction”, faixa título do segundo álbum, lançado em 1988, e também “Let Me Live (I Don’t Wanna Die)”, do debut “Final Conflict”, de 1986. Outra das novas, “Say My Name”, veio a seguir e parece ser uma das mais instigantes do próximo álbum.
Particularmente falando, tive a oportunidade de assistir o Vodu algumas vezes desde que retomou suas atividades, e ainda que dessa vez o som estivesse bastante alto e a voz de André um pouco baixa, posso afirmar que foi o melhor entre todos os shows que assisti dessa lendária banda paulistana. O quinteto se mostrou completamente entrosado e as músicas saíram redondas. Em termos individuais, todos tiveram um desempenho impecável, mas o grande destaque foi Xinho, que tocou absurdamente bem e brilhou nos solos. Falando nos músicos, foi legal quando Pomba comentou que se sentia orgulhoso de estar tocando no Manifesto, local em que ele trabalhou em meados dos anos 90, diagramando os exemplares do fanzine “El Grito”, que hoje estampam as paredes do bar e chamam a atenção de quem frequenta essa respeitada casa paulistana.
Dando prosseguimento ao show, Gois anunciou outra nova: “Empire of Demise”. Ele contou que essa é de autoria de Val Santos – multi-instrumentista de fundamental importância na história das bandas Viper e Toy Shop -, que fez questão de ceder a música ao Vodu, por achar que ela tem a cara da banda. Outra mais recente e que também agradou foi a misteriosa “The Enemy Inside”, primeira a ser composta após o retorno do grupo. No decorrer de “Final Conflict”, André aproveitou para apresentar a banda, que justamente com essa encerrou a noite, faltando pouco para as vinte e duas horas. Sortudos daqueles que optaram por não ficar de fora e marcaram presença no “The Old School of Brazilian Metal”, pois puderam sentir o peso do heavy tradicional e do thrash metal que foram proporcionados por essas quatro bandas, que deram uma aula de profissionalismo.
VODU – Set list:
Voodoo Doll
Walking with Fire
Seeds of Destruction
Let Me Live (I Don’t Wanna Die)
Say My Name
Go To Be Free
What’s the Reason?
Empire of Demise
The Enemy Inside
Final Conflict
HICSOS – Set list:
Can’t Hang Terror
Black Rain
Mirror Eyes
Face to Face
Suicide Illusion
Destruction
Horrospital
Mea Culpa
Money Becomes God
Pátria Amada
REDENTOR – Set list:
Forcefulness of Hatred
Slaves of the Past
A Blessing Spiritual Element
Hypocrite Blood
Lifeless
Christophrenia
Laid Low
Troops of Doom (cover do Sepultura)
TAKKEN – Set list:
Die By Your Faith
Taken By Hate!
Under the Eyes
Political Genocide
Dark Forces Rise
Soul Collapse
War for Empire