Por Tiago Claro e Marco Trindade
Não tem como não dizer que esse Wacken foi especial. Afinal, dias antes do evento, já se via uma grande mobilização por parte dos organizadores em função do alerta de chuvas torrenciais, com avisos ao público através do aplicativo do festival e também das redes sociais. Isso acabou gerando um clima (no próprio trocadilho) de tensão por parte de muitos, até surgindo a hipótese de um cancelamento, mesmo isso não oficialmente cogitado pelos organizadores.
A situação estava tão crítica que os organizadores emitiram alerta para que as pessoas evitassem chegar de carro ao camping do festival, tendo em vista a lama que se criava ao redor do local e o congestionamento que se formava a quilômetros da entrada (muitos demoraram cinco ou seis horas para percorrer pequenos trechos), pois realmente o acesso ao festival ficou quase totalmente intransitável.
Por conta disso, diversas bandas foram canceladas e o festival teve seu início um dia após o inicialmente previsto.
Quarta-feira, 2 de agosto de 2023
Chegamos ao festival na quarta-feira para fazer o credenciamento e, mesmo com uma garoa fina, de todas as condições citadas e de alguma preocupação no ar, havia certa animação por parte dos jornalistas e convidados.
Após nos instalarmos no camping de imprensa, tivemos uma noção do que estava por vir: tratores entrando no camping para levar alguns carros para o estacionamento e retirando lama, muita lama. Ali tivemos a certeza de que realmente seria um desafio.
A área do festival estava praticamente intransitável. Eram milhares de pessoas tentando se locomover escorregando na lama, se apoiando no amigo ou atolando os pés – realmente, uma cena que pouco vi na vida.
Com tudo isso, o primeiro show que assistimos foi o Skindred no palco Harder. Foi uma apresentação empolgante, com o público participando praticamente em todas as músicas. Via-se nas pessoas a vontade de esquecer aquilo e curtir esse belo show, e a banda sobre aproveitar isso muito bem.
Na sequência e no mesmo palco (coisa não muito comum em festivais, a não alternância de palco), o Broilers, banda alemã, apresentou seu pop/HC/ska competente. Apesar de iniciar o show um pouco frio (talvez pelo estilo diferente), foi conquistando o público e com o carisma da baixista e de seu bom vocalista, conseguiram animar boa parte dos que ali estavam. Até um cover de Breaking the Law do Judas Priest numa versão diferentona foi executada.
A dificuldade foi grande para atravessar o mar de lama e chegar ao palco Louder, onde a banda finlandesa Battle Beast voltaria a se apresentar no Wacken. Às 20h45, com o sol brilhando forte (o que trouxe um clima de alegria a todos ali), a banda começou a despejar seu power metal potente, podendo dizer que o som ao vivo soa muito melhor que em seus álbuns de estúdio. Músicas como Familiar Hell, Beyond the Burning Skies e Eye of the Storm levantaram a galera que não parou de cantar e agitar durante a uma hora que durou o show. O destaque ficou por conta dos guitarristas Juuso Soinio e Joona Bjorkroth e pela vocalista Noora Louhimo, que conseguiu mesclar voz potente, carisma e presença de palco ímpar, mantendo o público na mão durante toda apresentação.
Finalizando o primeiro dia, Doro fez um show especial. Comemorando quarenta anos de carreira, antes mesmo de subir ao palco já fora homenageada por diversos astros do rock/metal: Rob Halford, Klaus Maine, David Coverdale e muitos outros mandaram mensagens mais que merecidas à rainha do metal. E o show? No mínimo excelente! Músicas como I Rule the Ruins, Burning the Witches, Hellbound e diversas outras do Warlock além de grandes participações como Udo, Joey Belladona, Mikkey Dee (este tocando covers do Motörhead, como Love Me Forever e Ace of Spades) e Hansi Kursh, participaram desta grande festa ao lado da Metal Queen. Vale destacar a performance do guitarrista brasileiro Bill Hudson que detonou e, claro, a homenagem a Lemmy Kilmister com a projeção de seu nome e de sua banda no céu. Simplesmente inesquecível.
Quinta-feira, 3 de agosto de 2023
No segundo dia a cena era um pouco melhor, já que o sol havia saído e deixou o solo um pouco melhor, apesar de a chuva ainda assim continuar caindo. Chegando ao festival, conseguimos ver de longe a Nervosa que, mesmo com alguns problemas técnicos, colocou fogo no Wacken com uma apresentação muito energética e surpreendente. É muito legal ver uma banda formada no Brasil e por mulheres chegar onde chegaram. E tem muito pela frente ainda, porque agora com Prika Amaral assumindo os vocais com muita competência a banda trilha um futuro ainda mais sólido. Showzão.
E o que dizer sobre o Uriah Heep, banda com mais de cinquenta anos de estrada e que em 2023 lançou seu 25° álbum de estúdio, o ótimo Chaos & Colour e que voltou ao Wacken para mais uma grande apresentação? A veterana banda inglesa começou com Against the Odds, da fase do excelente vocalista Bernie Shaw. Between Two Words, de Sonic Origami (1998) foi outra dessa fase, mas daí pra frente, para delírio dos fãs, só mandaram clássicos, a maioria da fase do ex vocalista David Byron. Músicas como Gypsy, Stealin’, Rainbow Demon, Easy Livin’ e as fantásticas Sunrise, July Morning e Lady in Black fizeram com que todos cantassem junto com a banda. O guitarrista Mick Box, único membro fundador do Heep, como sempre mandou muito bem, enquanto o tecladista Phil Lanzon foi outro grande destaque – o time se completa com os competentes Russell Gilbrook na batera e Dave Rimmer no baixo. Com certeza, os fãs do Uriah Heep saíram satisfeitos.
Após esse grande show, voltamos para dar aquela descansada no Wacken United (área de imprensa do festival) quando nos deparamos com um pocket show exclusivo do Rage. Sim, Peavy Wagner, Vassilius Lucky e Jean Bormann estavam ali fazendo uma apresentação só para a imprensa e convidados. E fizeram um grande show, com muito carisma, simpatia e uma baita perfomance. Ver uma banda desse nível fazendo um show incrível para nós (cerca de cem pessoas) foi um grande presente. Shame on You, End of All Days, Nevermore e Higher than Sky foram alguns dos temas executados com perfeição.
Voltando ao palco Faster, a banda de power metal Hammerfall composta por Joacim Cans nos vocais, Oscar Dronjak e Pontus Norgren nas guitarras, Fredrik Larson no baixo e David Wallein na bateria fez um show coeso e com bastante energia. Uma multidão presenciou a excelente apresentação dos suecos, que conseguiram agitar a galera em músicas como Hearts of Fire, entre outras. Nem mesmo uma chuva passageira que cismou em cair durante a apresentação desanimou o público. Mais um ótimo show do Hammerfall.
O Kreator também fez um grande show. Confesso que os vi no Summer Breeze Brasil e achei uma apresentação beirando a perfeição. E talvez por ter me surpreendido tanto, o do Wacken curti bastante, mas achei um pouco mais frio. Mesmo assim, foi excelente. People of the Lie, Satan Is Real e Violent Revolution estavam no set.
A última banda do palco Harder neste dia foram os mestres do Helloween, que mais uma vez fizeram um show incrível. Não tem como ouvir Eagle Fly Free, Future World, Save Us e muitos clássicos da voz de Michael Kiske e não se emocionar, além, óbvio, de ter Kai Hansen no palco. Claro que muitas músicas da fase Andi Deris foram tocadas com muita perfeição, como Power e a lindíssima balada Forever and One (Neverland), com Kiske dividindo os vocais com Deris. O medley com Kai nos vocais foi também executado. No bis ainda mandaram I Want Out, ou seja foi aquele show pra lavar a alma.
Sexta-feira, 4 de agosto
Na sexta feira a chuva praticamente parou e o sol de rachar tomou conta, o que deixou o “solo sagrado” bem melhor e transitável, possibilitando ao público circular em praticamente todas as áreas do festival.
O Amaranthe foi a primeira banda do palco Faster e fez um show interessante, com destaque para a vocalista Elise Ryd que tem uma grande voz e carisma.
O Trivium também fez um grande show, com a galera abrindo rodas e muito peso no som. O vocalista tem ótima presença, o que contribuiu bastante para agitar o público. Down from the Sky, Becoming the Dragon (tocada pela primeira vez desde 2018), The Heart from Your Hate e In Waves estavam no repertório.
Os alemães do Santiano fizeram uma apresentação bacana mostrando seu som que mistura rock e folk irlandês. Mesmo com a diferença de sonoridade com a banda anterior, o público respeitou bastante e o grupo arrancou aplausos de muitos.
Aí veio o que, pra mim, foi o melhor show do Wacken: que showzaço fez o Megadeth! Dave Mustaine e companhia levantaram o público! O início foi com Hangar 18, seguida pela clássica Wake up Dead, In My Darkest Hour e Dystopia até chegar em Angry Again. A lindíssima A Tout le Monde foi cantada por todos e quando iniciou a música seguinte, Trust, este que vos escreve e que estava curtindo o show bem próximo ao palco e com uma cerveja na mão, foi surpreendido ao ver Marty Friedman correndo de um lado para o outro como nos velhos tempos e com seu jeito único de tocar. A essa hora o jogo já estava ganho. Que felicidade ver Friedman ao lado de Mustaine e Kiko Loureiro desfilando hits do heavy metal! Foram só quatro músicas: a citada Trust, Tornado of Souls, Symphony of Destruction e a espetacular Holy Wars… The Punishment Due, porém foi um momento que ficará por muito tempo na memória.
Na sequência, no palco Harder, podemos falar que estava ali a maior e mais esperada atração do festival, o gigante Iron Maiden. Eu, como grande fã e depois de ver quase uma dezena de vezes a banda, posso falar que fizeram um show ótimo, porém não foi o melhor que vi. O que se via era o público mais apreciando clássicos como Caught in Somewere in Time, Stranger in a Strange Land, The Prisoner, Can I Play with Madness?, a tão aguardada Alexander the Great, Fear of the Dark, The Trooper e Wasted Years do que agitando da forma mais calorosa como estamos acostumados. Claro que tudo ali estava perfeito: perfomance dos músicos, produção maravilhosa e Bruce Dickinson cantando absurdamente. Porém, foi um set diferente, maravilhoso para uns e talvez faltando mais clássicos para outros. Mesmo assim, foi lindo ver mais uma vez. Esse é o típico show que pode tocar qual música quiserem que não tem como ser no mínimo ótimo. Vale ressaltar também que a banda proibiu a transmissão pelo canal do festival, o que deixou muitos fã que não estavam ali desapontados.
Sábado, 5 de agosto
No sábado acordamos cedo, tomamos nosso café alemão e fomos ver o Masterplan, que entrou no palco às 11h30 da manhã. E que show eles fizeram! Mesmo com o público acordando e ainda chegando ao festival, os músicos já entraram com muita energia com Eighlight Me, passando por Back from My Life, Soulburn, Spirit Never Die, Heroes e Crawling from Hell. Roland Grapow e sua turma se apresentaram com muita empolgação e sorrisos no rosto e o público respondeu muito bem. Pra mim, entrou na lista de grandes shows do festival. Vale destacar também a galera com a bandeira do Brasil próximo ao palco, o que mostrou que a banda tem seus admiradores na nossa terra.
Logo depois veio o Delain, que fez um bom show com seu gótico metal de muita qualidade. Na sequência, fomos conferir o merchandising e conseguimos ver um pouco do show de Marty Friedman, que se apresentou no Wet Stage com sua banda desfilando músicas de sua carreira solo com lindos temas, ótimo timbre e muito bom gosto. Não tem como, o cara é muito, mas muito diferenciado.
Após nossa primeira visita ao metal market para pegar umas cervejas no Headbangers Stage, fomos ver Jag Panzer, que está na turnê de divulgação do ótimo disco The Hallowed, lançado em 2023. Com os vocais competentes de Harry Conklin e os solos certeiros do guitarrista Ken Rodarte, a banda fez a galera agitar durante os 45 minutos de show. Já o guitarrista Mark Briody não se limitou apenas em tocar em cima no palco: desceu até a grade onde tocou e tirou selfies com a galera – completando o time, temos o baixista John Tetley e o batera Rikard Stjernquist. Músicas Stronger than You Know e Pray, do novo álbum, fizeram os presentes curtirem e agitarem bastante. Em resumo, foi um ótimo show mostrando que esses veteranos ainda têm muita lenha para queimar.
Na sequência, corremos para o palco Harder porque ali iria tocar uma das grandes revelações do metal mundial dos últimos anos. Impressionante como o Jinjer vem crescendo e cada vez ganhando mais e mais fãs. O vocal de Tetiana Shmailyuk é absurdo, transitando entre o gutural e o limpo com uma facilidade poucas vezes vista, e a performance espetacular dela vocalista três excelentes músicos da banda faz com que o show fique sempre lá em cima. E isso sem falar na qualidade de som impecável que conseguiram. Grande show, para entrar facilmente na lista dos destaques.
Logo após fomos comer aquele currywurst (salsicha alemã) com fritas e de quebra vimos The Answer, banda de hard rock que fez um show bacana e que, apesar de pouca conhecida, atraiu um bom público ao Headbangers Stage.
O Kataklysm tocou na sequência no palco Louder apresentando seu death metal muito técnico, porém pesado e com muita energia por parte dos músicos.
Na sequência, vimos o Killswitch Engage mandando bronca no palco Faster. O público curtiu o show mesmo com o guitarrista Adam D. ostentando um visual bem diferente. Óbvio que a versão de Holy Diver, de Dio, foi tocada junto com músicas como This Fire, The End of Heartache e In Due Time.
Logo após corremos para o palco Louder a fim de ver o Possessed, que fez um show impecável. Era clássico atrás de clássico sem pausa nem muita falação. Um show direto com o público bangueando sem parar e Jeff Becerra não deixando ninguém ficar parado. Músicas como Pentagram, Graven, Death Metal e Burning in Hell foram executadas. Foi mais um excelente show.
Mesmo com mais shows que iriam acontecer no dia, devido à nossa logística para voltamos a Hamburgo. Com o mau tempo que se esperava para o fim da noite e no dia seguinte, nosso último show foi o Evergrey. E posso falar que pra mim fechou com chave de ouro. Que showzaço! Setlist legal, som numa qualidade excelente e perfomance arrasadora por parte da banda. Save Us, Caugh out the Dark, A Silent Arc e Touch of Blessing foram executadas com maestria. Tom Englund com seu carisma ímpar conseguiu levantar todos que estavam assistindo em ótimo número, tendo em vista que estavam tocando no Headbangers Stage, um palco menor e um pouco afastado. Que nos próximos anos estejam no palco Faster ou no Harder porque um show deste nível merece.
Conclusão
Encerrando nossa visita ao Wacken, não podemos deixar de citar algumas coisas: a empatia da grande maioria do público, com todos se ajudando pelas condições difíceis em decorrência a chuva. Eu mesmo tive o “prazer” de atolar o pé na lama e ter um casal me ajudando a sair dali. E mesmo com todos esses problemas o público levou tudo na esportiva, se divertiu e entrou no espírito do festival. Não podemos deixar de dar os parabéns aos organizadores, que fizeram de tudo para o bem estar de todos, sempre avisando pelas redes sociais as condições em que estava o local. Mesmo assim, quem não pôde comparecer foi comunicado que receberia o dinheiro do ingresso de volta, o que nunca aconteceu na história do festival – pra ver como realmente essa edição foi diferente. E com isso entramos na história participando dela. Que venha o próximo!