Martin Mendez sempre foi associado ao seu posto de baixista no Opeth, correto? Essa constatação vem com muita naturalidade, afinal, há mais duas décadas que ele integra a banda sueca.
Assim, esta resenha poderia até se valer de alguns parágrafos para falar das suas linhas de baixo tocadas em álbuns como “Blackwater Park” (2001) e “Heritage” (2011), ou mesmo da marcante introdução que ele registrou na faixa título de “Sorceress” (2016).
A questão é que atualmente não é justo limitar a referência desse artista uruguaio ao seu conhecido background. Martin Mendez vai além.
Em março de 2020 ele movimentou a cena musical ao apresentar seu projeto solo chamado White Stones, e é preciso dizer que o impacto foi tremendo, no sentido mais positivo possível.
Se você ouviu o álbum de estreia do grupo, “Kuarahy”, sabe do que estou falando. A proposta do trabalho deu nova visão ao death metal em músicas pesadas que apostaram muito no groove, no vocal agressivo e gutural de Eloi Boucherie e, especialmente, na dupla função de Martin Mendez, que, além de se encarregar do baixo, também mostrou suas habilidades em uma guitarra quase sem distorção. O resultado foi um som bem original (“Rusty Shell” e “Worms” não me deixam mentir).
A estreia promissora criou uma grande responsabilidade para o futuro, só não se imaginava que o teste de fogo do segundo álbum viria tão rápido. Já deixo registrado que “Dancing Into Oblivion” (2021), lançado pouco mais de um ano após o debut, atende as expectativas criadas e aumenta ainda mais o padrão de qualidade do grupo, que, por sinal, é o primeiro de origem espanhola a assinar com a gigante Nuclear Blast.
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente o contexto em que o álbum foi gravado. A pandemia e o isolamento social são fatos notórios que alteraram profundamente nossa noção do mundo. Para o White Stones, assim como para diversas outras bandas que lançaram disco nesse período, a música serviu como uma forma de expressar as sensações diante destes tempos incertos.
Em consequência, “Dancing Into Oblivion” está envolto em uma atmosfera angustiante, o que pode ser ouvido tanto nas faixas mais pesadas (“Iron Titans” e “Freedom In Captivity”), quanto nos interlúdios mais tranquilos (“Woven Dreams” e “Acacia”, por exemplo).
A sensação de desconforto é sentida logo no início do disco, com a curta e inquietante “La Menace”, que logo desemboca em “New Age of Dark”. Nela, Eloi Boucherie aproveita seu vocal rasgado/gutural para destilar seu pessimismo em uma passagem cujo conteúdo é autoexplicativo: “Black future awaits” (“o futuro negro aguarda”). Outros momentos com esse teor mais negativo são igualmente encontrados em faixas como “Chains of Command” e a fantasiosa “Iron Titans”. Ou seja, o clima geral do álbum é pesado.
Vale lembrar que “New Age of Dark” sintetiza as características básicas do grupo. Isso porque os pedais duplos e o blast beat na bateria de Joan Carles Marí Tur (que agora substitui Jordi Farré), e a guitarra cheia de groove de Martin foram pontos muito explorados em “Kuarahy”. Acrescente aí vocais furiosos de Eloi e solos inspirados de João Sassetti e você logo chega à conclusão que a faixa se encaixaria bem no álbum anterior.
O novo direcionamento musical do White Stones tomou forma com “Chains of Command”, o primeiro single lançado. Com um início calmo lembrando a sonoridade desenvolvida pelo Opeth em “Heritage”, a música logo mostra uma técnica mais apurada em relação ao álbum de estreia da banda. O refrão explosivo deixa claro o talento de Eloi Boucherie, que alterna bem técnicas de black e death metal para intensificar a atmosfera de opressão, especialmente quando ele canta: “like sewer rats/sighing for a place in hell” (como ratos de esgoto/suspirando por um lugar no inferno). Sem dúvidas, essa é a melhor faixa do álbum.
“To Lie or To Die” e “Iron Titans” também confirmam a aposta do grupo em passagens mais técnicas e progressivas com as várias mudanças de ritmo. Por sua vez, os arranjos mais complexos também são intensificados com os interessantes blast beats, especialmente ao final de “Freedom In Captivity”, momento em que a guitarra não acompanha a velocidade da bateria. Você não ouvirá isso em qualquer banda de death metal.
O lado criativo fica evidente com a inusitada abertura de jazz em “Iron Titans”, inclusive, foi inspirada na letra desta faixa que o grupo retirou o nome do álbum. A passagem é ótima (mais uma vez, Mendez arrasa no baixo), só que a sensação de calmaria dura pouco. Logo o jazz se transforma em um ritmo energizante próximo ao black metal, e as letras parecem se inspirar na ficção científica. Acredite, nesta faixa, Eloi Boucherie entrega sua melhor performance enquanto vocalista do White Stones.
Que fique claro que “Dancing Into Oblivion” não é apenas técnica, groove e brutalidade. Em meio à atmosfera sombria, que, inclusive é reforçada pelo minimalismo da arte gráfica, a banda encaixou duas faixas instrumentais muito calmas, intimistas e suaves, trazendo ao ouvinte uma sensação de quase paz em meio ao caos da pandemia. “Quase”, pois o clima ainda continua angustiante. Assim, “Woven Dreams” e “Acacia” são curtos momentos para recuperar o fôlego e, por incrível que pareça, se encaixam com facilidade no contexto do trabalho.
Um pequeno ponto “negativo” é que o álbum dura 35min e 50s e contém apenas cinco faixas cantadas. O trabalho é muito bom, então a tendência é que ao finalizar a última canção você fique ansioso por mais inéditas do White Stones.
Após ouvir o álbum inteiro, é seguro dizer que a banda amadureceu muito em relação ao anterior. Fica evidente a faceta mais técnica na qual o grupo mistura com elegância momentos de fúria e outros de calmaria. Além disso, os integrantes apostaram na versatilidade para explorar novos estilos, dentre eles o progressivo, o jazz e alguns toques de black metal, tudo sempre conduzido pelo death metal idealizado por Martin Mendez.
Em resumo, “Dancing Into Oblivion” é ótimo, supera “Kuarahy” e merece atenção por parte dos ouvintes e da crítica especializada. Mendez criou uma sonoridade muito própria e aos poucos vai mostrando que sua criatividade musical não se esgota na sua banda de origem. Quanto mais originalidade, melhor: os fãs, do Opeth e da música extrema, agradecem!