Nascido no estado norte-americano do Tennessee em 2006, o Whitechapel foi um dos muitos grupos a investirem na perigosa mistura do peso do death metal com a atitude do hardcore, e não demorou muito para que o grupo se tornasse um dos nomes mais proeminentes do cenário mundial do deathcore. Ao longo dos anos, o status da banda diante dos fãs não mudou muito, eles continuaram no topo. O que mudou foi apenas o som, que foi ganhando tanto em profundidade e atmosfera que hoje é praticamente impossível classifica-los em um único gênero musical, por mais que esse seja abrangente e diversificado. Foi justamente sob essa premissa que eles chegaram em The Valley (2019), seu sétimo álbum completo, que permanece até hoje entre os mais louvados pelos fãs. A banda, formada por Gabe Crisp (baixo), Phil Bozeman (voz), Ben Savage (guitarra), Alex Wade (guitarra) e nosso entrevistado Zach Householder (guitarra) já lançou um novo álbum em 2021, Kin, mas a conversa se baseou no momento que o grupo vivia em 2019, ano do lançamento de sua obra mais louvada. Enfim, aqui você tem acesso a essa conversa, que vem diretamente dos arquivos da ROADIE CREW.
A primeira coisa que o fã percebe, já ao olhar para a capa de The Valley pela primeira vez, é a inscrição ‘baseada em uma história real’. Bem, não há como deixar de imaginar que esse álbum já começa com uma premissa muito forte para vocês.
Zach Householder: Sim, cara, totalmente. Esse álbum é algo completamente especial, ele tem uma importância muito grande para cada integrante da banda, mas principalmente para o nosso vocalista, Phil Bozeman, pois todo o aspecto lírico de The Valley é baseado nos eventos que aconteceram durante a infância dele. Em vários sentidos foi um período realmente sombrio da vida dele, então, é um disco muito, muito pessoal mesmo.
Sim, posso imaginar que não tenha sido fácil revisitar e trabalhar sobre essas memórias.
Zach: Com certeza, não é nada fácil, pois existe muita dor envolvida. Por outro lado, talvez seja algo terapêutico também, pois pode ser como expurgar algo, finalmente colocar algo para fora, eu não saberia dizer, só Phil pode julgar isso apropriadamente, e com o tempo. Mas, acho que todos percebemos o quanto essa história é complicada. Ter que assistir a sua mãe lutando contra os problemas do vício, depois tendo uma overdose e morrendo, o padrasto também tinha problemas sérios com o consumo de álcool e tornava tudo ainda muito pior. Para você ter uma ideia, chegou um ponto em que a mãe dele não estava completamente insana, mas já não tinha mais estabilidade mental, então, lidar com isso pode ser literalmente assombroso para qualquer pessoa.
De fato. Porém, a música do Whitechapel sempre teve esse tom mais sombrio e até pessoal, especialmente nos últimos anos. Para Phil foi um pesadelo à parte, mas para vocês, qual foi a grande diferença entre a abordagem em The Valley e seus antecessores?
Zach: Bem, eu diria que é a intensidade. A profundidade em que mergulhamos em tudo dessa vez é muito maior do que qualquer coisa que tenhamos feito antes, isso é algo que tenho certeza absoluta. Nós todos somos muito amigos, estamos juntos como banda há quase treze anos (N.R: em 2019, ano da conversa), há mais que isso como amigos. Simplesmente não teve como não ficarmos absolutamente envolvidos com isso quando vimos Phil revisitando esses demônios. Concordo com você que nossa música sempre teve algo de muito pessoal e sombrio, de certa maneira todos nós estávamos lidando com nossos pesadelos, mas a grande diferença está em quão profundamente mergulhamos na escuridão dessa vez.
E quando vocês começaram esse mergulho?
Zach: Bem, começamos a escrever material para The Valley em 2018, no inverno ou na primavera de 2018 (N.R: no hemisfério norte). Bem, minha memória está meio difusa, mas lembro que começamos a gravar logo antes de iniciarmos a turnê comemorativa dos dez anos de This Is Exile (N.R: 2008, segundo álbum completo, e o que firmou o nome do Whitechapel no cenário mundial), então suponho que começamos a escrever em janeiro, e em março de 2018 já tínhamos todo o material escrito.
Você sabe se Phil já tinha esse conceito em mente quando começaram a escrever as canções?
Zach: Não, infelizmente não posso afirmar isso. O que posso dizer com certeza é que ele esperou até termos uma estrutura bastante bem definida das músicas até começar a apresentar as letras, mas realmente não sei dizer se ele já vinha pensando nesse mergulho, ou se foi um ‘estalo’ ao ouvir as partes instrumentais das canções. Essa geralmente é a maneira que ele trabalha, pois não gosta muito de começar a escrever letras que forçosamente terão que mudar se as músicas mudarem, entende? Se uma música for alterada, a letra vai ter que mudar para encaixar, pois os versos cantados terão que ser readaptados, e isso é um verdadeiro pesadelo para um letrista. Imagine que você está escrevendo um livro e o seu editor a cada momento exige um número diferente de caracteres ou palavras escrito. Agora, imagine que esse livro é sobre o evento mais traumático da sua vida. Especialmente para The Valley era fundamental que ele esperasse as músicas tomarem forma, para aí dar voz aos seus demônios. Mas, de fato, não sei o quanto desse conceito ele tinha em mente de antemão.
Vocês gostam de trabalhar juntos desde o início do processo de composição?
Zach: Sim, mas não exatamente na mesma sala, sabe? Quer dizer, nós todos gostamos muito de compor, e não é exagero quando falo que compomos o tempo todo, pois de fato estamos sempre escrevendo alguns riffs, pequenas partes que um dia poderão integrar uma música, ou que nunca verão a luz do dia, mas que sempre servem como uma fonte de ideia para novas composições. Então, cada um de nós tem um pequeno estúdio, onde registramos essas ideias, e assim que elas estão registradas, compartilhamos uns com os outros. Então, acho que estamos conectados desde o início do processo, mas na primeira etapa, isso é feito à distância.
Uma vantagem que temos nos dias atuais.
Zach: Sem dúvida. Poder registrar as ideias na hora em que elas surgem e compartilhar instantaneamente com seus parceiros via internet é incrível, pois você ganha muito tempo com isso, e sinto que o processo criativo flui com mais facilidade dessa maneira, sem demoras e esperas excessivas.
Mas, estava pensando, se vocês todos compõe o tempo todo, e registram e compartilham todas ideias, vocês devem ficar atolados em material no início do processo.
Zach: É, isso é bem verdade (risos). Quando começamos a trabalhar parece um desafio encontrar aquilo em que de fato vamos investir todas as nossas forças, mas temos um método para escapar dessas armadilhas também: como todos sempre temos acesso a tudo que criamos, cada um de nós já vai para o estúdio com uma lista dos seus riffs favoritos. Bem, o próximo passo é compararmos as nossas listas, e então todos testamos as ideias selecionadas na prática, tocamos todos juntos para ver o sentimento real de uma banda tocando aquela ideia. As que nos parecerem mais fortes, ficam para o álbum.
Zach: Não totalmente, apenas naquele momento. Um riff que não pareceu tão bom hoje, que não tinha o sentimento adequado para o material que você estava trabalhando nesse momento, pode muito bem servir de base para todo um novo trabalho que você vai começar, sei lá, na semana que vem.
Faz sentido. As bandas sempre selecionam as ideias que elas julgam as melhores, mas você nunca tem como saber como os fãs receberão aquelas mesmas ideias.
Zach: É isso mesmo. Eu não acho que uma banda, qualquer banda, vá para o estúdio pensando ‘vamos lá, vamos fazer um álbum para deixar nossos fãs realmente putos’ (risos gerais). A gente sempre pensa em fazer o melhor, em entregar nossa melhor performance, nossas melhores canções, por isso as bandas sempre tentam evoluir. A questão é que a banda e os seus fãs podem ter compreensões muito diferentes das mesmas coisas. Não é incomum falar com uma banda, e perceber que o seu maior clássico, a música favorita dos fãs é justamente aquela em que eles nem botavam fé, aquela que quase não entrou no álbum.
Sim, isso é até bem comum, tanto quanto o material em que elas mais tinham fé, se torna o horror dos fãs.
Zach: Sim, com certeza. Dificilmente banda e fãs concordam nesse tipo de assunto, em geral, percebo que as bandas tem orgulho dos seus álbuns mais controversos, embora às vezes escondam isso.
Você tem orgulho de Mark Of The Blade (2016)?
Zach: É, eu dei a deixa e você aproveitou, certo (risos gerais). Sim, eu tenho orgulho daquele álbum (risos). Na verdade, eu nem acho que ele seja tão diferente quando as pessoas dizem que é (risos).
Também gosto dele, na época do lançamento resenhei ele, dei boa nota, e ainda acho que tem ótimas composições.
Zach: Ah, obrigado então (risos gerais). Mas, falando sério, também acho que ele tem material muito bom, sério, algumas das nossas melhores canções estão lá. Bem, é claro que eu diria isso, pois se acreditássemos no contrário, jamais teríamos lançado aquele disco. A verdade é que algumas pessoas ficaram bem irritadas quando lançamos, mas as músicas se saíram bem nos shows, e hoje mais pessoas defendem o disco. Às vezes tem isso também, tudo que um disco precisa é de tempo.
Bem, fico feliz em dizer que The Valley tem sido um sucesso imediato, principalmente diante de tudo que representa.
Zach: É verdade. Como disse antes, é um tema muito importante para todos nós, que abordamos com muita coragem e muita garra, então é bom ver que os fãs estão abraçando a ideia. Vamos ver o que o futuro reserva, vamos ver como serão nossos próximos passos. Mas, o que posso dizer é que estamos muito satisfeitos do que fizemos aqui. Ah, e estou muito orgulhoso deste novo também (risos gerais).