Aquela banda cover que você respeita, mas não apenas porque se trata de uma que toca apenas material da fase inicial do Black Sabbath – dos cinco primeiros discos, mais precisamente. Também porque tem um nome de respeito na liderança, alguém com status de guitar hero. E de ídolo. Exatamente por isso a noite de sexta-feira foi de casa cheia no Circo Voador para receber o Zakk Sabbath, trio que tem Zakk Wylde à frente da cozinha formada por Rob “Blasko” Nicholson (baixo, Ozzy Osbourne e ex-Rob Zombie) e Joey Castillo (bateria, ex-Queens of the Stone Age, California Breed, Eagles of Death Metal e mais um monte de gente).
Desnecessário apresentar as credenciais do guitarrista, afinal, tudo gira em torno dele. Do nome do projeto à música que rola no PA antes de o show começar. Ou você acha coincidência que tenha sido “Immigrant Song”, do Led Zeppelin, que aqueceu as turbinas? Lembre-se: o quarto filho do braço-direito do Príncipe das Trevas chama-se Sabbath Page Wielandt Wylde. Exatamente. O sobrenome da maior banda de heavy metal da história com o sobrenome do guitarrista da maior banda de rock de todos os tempos. Sim, bom gosto é o mínimo que se espera de Wylde, e o cara entregou um show para lavar alma dos fãs que fizeram bonito na lona. Foi, de fato, um massacre sonoro.
O melhor de tudo? Ao revisitar o catálogo de Ozzy, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward, o guitarrista basicamente se apropriou de algumas canções mais raras nos shows dos pais do estilo. A começar por “Supernaut”, literalmente. Depois dos barulhinhos de chuva e trovoadas de “Black Sabbath”, seu riff magistral – a bênção, Iommi! – foi cantado pelos fãs, que pularam com vontade acompanhando o ritmo e o peso infernal que o trio impôs à música. Daria para dizer que “Snowblind” era uma das mais populares do repertório, mas a verdade é que “A National Acrobat” veio a seguir e colocou todo mundo para fazer “ô ô ô ô ô” acompanhando o riff, mais uma vez. Ou seja, as letras nem sempre estiveram 100% na língua da plateia, mas as músicas e suas melodias e riffs mágicos estavam. Com louvor.
“Snowblind”, é bom registrar, mostrou os dois lados de Wylde na hora de solar: Melódico e econômico no meio da canção, ligado em 220 V no fim dela. O melhor fica a gosto do freguês, mas o fato é que, ao largar o dedo numa fritação de tirar o fôlego, teve como retorno urros, aplausos e exclamações vestidas de entusiasmados palavrões. Pré-gravada, “Embryo” anunciou o óbvio: um pula-pula lindo de ver em “Children of the Grave” – fora o coro, mais um, obviamente. Na sequência, “Lord of This World” levou Wylde a (quase) tocar no meio do público. Com várias caixas improvisando degraus no pit reservado par os fotógrafos, que sofreram por causa disso, o guitarrista desceu para solar longa e alucinadamente praticamente colado à grade.
Um dos inúmeros verbetes de doom metal forjados pelo Black Sabbath, ”Under the Sun/Every Day Comes and Goes” foi marcada por uma das cenas emblemáticas da noite: o guitarrista em cima da plataforma estrategicamente posicionada ao lado do microfone, imponente e novamente solando como se não houvesse amanhã. E se cabe alguma crítica num show tão espetacular, aqui vai uma: o excesso resultou num sentimento de déjà vu, afinal, nesses momentos parecia que Wylde fazia o mesmo solo à velocidade da luz. Mas quem se importa? Melhor lamentar que não tenham emendado com “Never Say Die”, como vez ou outra acontece.
“Wicked World” foi de arrepiar, principalmente porque o grupo não fez o que seus mestres faziam na década de 70: a transformavam numa longa jam de 20 minutos, explorando as nuances de jazz que a canção mostra sem suas primeiras notas. A versão mais enxuta deu sequência à dinâmica que “Fairies Wear Boots” e “Into the Void” mantiveram de maneira sublima – teve roda nesta última, que, perdoem meu francês, puta que pariu! Como pode um ser humano criar tantos riffs maravilhosos numa mesma música? De novo: a bênção, Iommi!
Infelizmente, a ótima “Hand of Doom” ficou perdida como pano de fundo para Wylde, falando um inglês em boa parte tempo quase ininteligível, apresentar a banda no primeiro e único momento em que realmente se comunicou com a plateia – curiosamente, o guitarrista se esforça para cantar como Ozzy, com bons resultados, e usa cola para cantar as músicas: à sua frente, vários papéis com as letras, retirados música a música. Cada um usa o Teleprompter que pode. Enfim, Castillo e Blasko (que presença de palco tem esse sujeito!) foram coadjuvantes de luxo na festa, mas como bem disse o guitarrista ao parafrasear Cyrus, personagem do clássico “Warriors – Os Selvagens da Noite’: ‘Can you dig it?’ Sim, todos os presentes – e se não assistiu ao filme, faça um favor a você mesmo. Termine esta resenha e corra imediatamente atrás.
Situação normalizada, “Behind the Wall of Sleep” foi a deixa perfeita para um encerramento apoteótico. Depois dela só poderia mesmo vir “N.I.B.” – deveria ser obrigatório –, e nem mesmo a única derrapada de Castillo (abre esse contratempo e solta o braço direito para dar mais peso!) impediria o carnaval que tomou conta do Circo Voador. E se o amigo leitor chegou até aqui, então poderá imaginar o que foi War Pigs como ‘grand finale’ – e com Wylde novamente tocando no pit e fazendo a alegria de quem estava no gargarejo. E depois de uma hora em quarenta de espetáculo, praticamente com 13 músicas sem sair de cima, foi só voltar para casa com sorriso no rosto e aquela certeza definitiva: Black Sabbath é vida.
Set list
1. Supernaut
2. Snowblind
3. A National Acrobat
4. Children of the Grave
5. Lord of This World
6. Under the Sun/Every Day Comes and Goes
7. Wicked World
8. Fairies Wear Boots
9. Into the Void
10. Hand of Doom
11. Behind the Wall of Sleep
12. N.I.B.
13. War Pigs