Tudo parecia estar indo muito bem. Afinal, desde que tinha lançado Widow’s Weeds, o seu álbum de estreia, em 1998, o TRISTANIA só crescia. Com o lançamento de seu segundo álbum, Beyond The Veil (1999), eles estavam definitivamente colocados entre os gigantes do gothic metal, e a formação, com Morten Veland (vocais extremos, guitarra), Kenneth Olsson (bateria), Einar Moen (teclados), Rune Østerhus (baixo), Anders Hidle (guitarra) e Vibeke Stene (vocais femininos) estava extremamente conectada e trabalhando em completa sintonia, ao menos era o que todos imaginavam. Porém, não era bem assim que as coisas funcionavam.
Às vésperas de entrar no estúdio para registrar o seu terceiro álbum completo, veio a notícia que ninguém queria: Morten Veland, uma das forças criativas da banda estava fora, e, pelo que ouvia-se na imprensa, de forma nada amistosa. Ótimo letrista, compositor criativo e um ótimo vocalista/guitarrista, ele logo retornaria aos holofotes com o seu SIRENIA, mas cabia agora ao TRISTANIA provar que a casa estava em ordem, e isso não era algo fácil de se fazer, especialmente não quando você está se preparando para entrar no estúdio.
E havia ainda um outro agravante: com o intento de trazer novos elementos para a sua música, a banda demandava de mais tempo para compor, e assim um processo que já era intenso desde os primeiros dias se tornava um fardo ainda mais pesado, eles definitivamente não tinham tempo para perder entrevistando candidatos, testando habilidades… Eles precisavam de alguém conhecido, que já chegasse pronto para o trabalho, e foi assim que eles chegaram ao nome de Ronny Thorsen, vocalista de outra banda gótica norueguesa, o TRAIL OF TEARS. Ronny de cara eliminava um dos grandes problemas da banda, que eram os vocais extremos, antes a cargo de Veland, mas jamais assumiria o posto de vocalista do TRISTANIA. Ademais, a banda ainda contava com os vocais de Vibeke Stene, que ia se tornando cada vez mais uma peça-chave na sonoridade e imagem do grupo, e Østen Bergøy, que havia participado de todos os registros do TRISTANIA, mas que só agora viria a ser efetivado como integrante da banda.
O outro problema a ser resolvido era a composição. Anders Hidle e Einar Moen assumiram as rédeas, e se tornaram os compositores de World Of Glass. Em contrapartida, ambos declararam que todos os demais músicos contribuíram com ideais de arranjos, especialmente os vocalistas, já que muito da vibração correta dos vocais só é conseguida quando os compositores trabalham muito próximos dos vocalistas, o que faz todo o sentido. Com este esforço concentrado, o TRISTANIA de fato conseguiu alcançar um caminho até então inédito em sua jornada. Logo de cara, o álbum destaca a música The Shining Path, uma das mais pesadas que eles tinham trabalhado até então. Com ótimos corais, uma performance firme de Vibeke e riffs fortes e intensos, a música já trazia uma mostra do tal ‘novo som’ que o grupo buscava, já que elementos de metal industrial aparecem nas entrelinhas. Esses elementos continuam pouco evidentes em Wormwood, que vem logo na sequência. Marcada pelas linhas vocais – extremo e lírico assumem o caráter de complementar um ao outro, em vez do tradicional contraste – a música é uma das que mais destaca o trabalho dos corais, que iniciam entoando os versos em latim do poema medieval In Taberna Quando Sumus, que aparece também na cantata Carmina Burana, do compositor alemão Carl Orff.
Já em seguida, eles apareceriam como uma das melhores canções de todo o seu repertório. Tender Trip On Earth é simplesmente uma das melhores composições góticas deste século, e tem o seu charme principal advindo das excelentes linhas dos vocais limpos masculinos, que buscam uma linha bem próxima da sonoridade clássica de bandas como FIELDS OF THE NEPHILIM e THE SISTERS OF MERCY, além de linhas de contrabaixo (uma das coisas mais legais em todo o álbum, diga-se) que realmente chamam a atenção do ouvinte. Enquanto isso, Lost é mais uma das que seguem a linha mais pesada, mais metal, enquanto a sua sucessora, Deadlocked é provavelmente a canção mais leve de toda a jornada dos noruegueses, e não vou protestar se você disser que também é a mais bela. Belíssimas passagens de violino, o contrabaixo harmonioso trabalhando em melodias enquanto o teclado insere ambientes contemplativos, tudo isso seguido pela voz bonita e suave de Vibeke, em resumo, uma música que mereceria estar em qualquer ‘playlist’ gótica que se preze.
A segunda metade do disco segue ainda com a mesma qualidade da parte anterior. Selling Out partiu de uma antiga ideia de Hidle, um esboço que havia surgido originalmente ainda antes da banda lançar Beyond The Veil. Até por isso chama a atenção esta ser uma das canções que mais evidentemente mostra os elementos eletrônico/industriais que marcam o álbum, seriam essas ideias já evidentes na versão inicial, ou seriam novos elementos, surgidos com a revitalização da ideia original? Hatred Grows traz ótimos riffs doom, é arrastada, sorumbática. É uma das canções que melhor explora os contrastes entre vocais harmoniosos e extremos, e por conta do seu peso inerente acaba sendo uma das que mais se destaca em toda a audição. Para fechar o álbum, duas canções emblemáticas. Primeiro, a faixa-título, um belíssimo rock-gótico, com riffs bem dosados, refrão memorável e linhas instrumentais contidas, destacando apenas as breves inserções dos vocais rasgados como elemento ‘metal’. E, por fim, a longa Crushed Dreams, onde o tal ‘novo som’ realmente aparece em destaque, desde o primeiro segundo, mas sem abafar ou diminuir a intensidade musical do grupo.
Liricamente, World Of Glass também se destacava. Mesmo não sendo um álbum conceitual, a temática das fragilidades humanas (World Of Glass significa ‘mundo de vidro’) permeia todas as canções, sob diferentes óticas e abordagens. O poder das diferentes religiões, a ansiedade do mundo moderno, a paranoia, a instabilidade mental… Tudo é matéria-prima para uma banda que buscava provar que poderia seguir em frente com firmeza, apesar da enorme fissura na formação e subsequente desconfiança de grande parcela dos fãs.
No fim das contas, World Of Glass se saiu muito bem, obrigado. A banda apareceu mais do que nunca, viajou o mundo em uma turnê enorme (que incluiu o Brasil na rota pela primeira vez), e que ainda trouxe como saldo positivo a efetivação do novo vocalista extremo, Kjetil Ingebrethsen, que permaneceria ao lado do TRISTANIA até 2006. Vibeke Stene também abandonaria o barco mais ou menos na mesma época, em 2007. Mas isso já é outra história, que um dia você verá por aqui.