No universo da música pesada, existem milhares de maneiras de fazer qualquer coisa. Porém, podemos organizar todas as bandas desse extenso universo em duas categorias: as que arregaçam as mangas e fazem tudo às pressas, que chegam chutando o lustre e torcem para que tudo dê certo; e aquelas que definitivamente trabalham suas ideias, refinam seu conceito, e esperam o momento certo para revelar o seu trabalho da forma mais apropriada que for possível. Não existe fórmula do sucesso ou garantias, e ambos os caminhos costumam apresentar amarras e armadilhas. Ainda assim, algumas costumam conseguir melhores resultados.
O ALCHEMIA nasceu em 2018 e, desde então, vem cuidadosamente trabalhando todos os aspectos que envolvem a sua arte, partindo sempre do ideal de uma música repleta de peso e variação, e atingindo até os mais distantes recônditos do conceito e da imagem, algo que realmente fará a diferença aos que se aventurarem a ouvir Inception, álbum de estreia dos paulistanos. Corroborando essa ideia de atenção aos detalhes e cuidado com o produto final, vale ainda destacar alguns detalhes dignos de menção: sempre visando obter o melhor resultado, o álbum foi gravado em dois estúdios (Fusão e Carbonos), e contou com a produção de Piiroja (vocalista do grupo), que contou com a colaboração de Ricardo Campos (SUNSETH MIDNIGHT) na produção dos vocais. Tudo pronto, o álbum foi enviado para o célebre produtor/engenheiro de som dinamarquês Tue Madsen (AT THE GATES, DARK TRANQUILLITY, BEHEMOTH, ABORTED, VADER e muitos outros), que cuidou da mixagem e masterização, e, então, pronto, já tínhamos em mãos esta peça em dez atos intitulada Inception.
Para começar o mergulho neste tórrido universo de terror, a faixa escolhida foi Grind. De cara, o ouvinte percebe que está diante de algo um tanto mais complexo do que imaginava: longe de ser uma música intrinsecamente complexa, Grind é simples e direta, mas repleta de diferentes passagens e intersecções rítmicas que manterão o ouvinte atento durante os quase quatro minutos da canção. Para começar, é inevitável não associar os riffs repletos de groove, a bateria com bumbos duplos cadenciados e o timbre dos vocais com alguns nomes bem conhecidos dos fãs de metal industrial, já que tudo isso parece lembrar o que ROB ZOMBIE faz na sua carreira solo, e também nos tempos áureos do WHITE ZOMBIE. Porém, o vocalista Victor Hugo Piiroja ainda traria outras referências para o caldeirão, adicionando pontuais vocais altos no refrão, algo que funcionou muito bem na estrutura geral da música. Impossível não citar aqui o videoclipe oficial, que traz a banda com uma imagem interessante e condizente com a sua proposta musical e lírica, uma sonoridade supermoderna e pesada, uma espécie de FRONT LINE ASSEMBLY tocando em um cenário de pesadelo típico dos velhos filmes de Freddy Krueger.
Adicionando um bocado daquelas orquestrações típicas de bandas como o DIMMU BORGIR, Save Us vem na sequência, e rouba a cena com ótimas linhas de voz, dobradas em quase todos os momentos. Seja nela, seja na faixa-título (com linhas de teclado dignas de nota), reserve atenção especial para o trabalho nos vocais e nos teclados (este a cargo de Wally D’Alessandro), que conseguem sobressair e cativar o ouvinte, mesmo em uma música que é, basicamente, guiada pelas guitarras.
Mas, se queremos falar sobre guitarras, o groove de Haunting You é prova de que Rodrigo Maciel não dormiu em serviço, e a música só não é melhor por conta de uma escolha dos vocais, que assumem um tom moderno demais em certas frases, contrastando black metal com um metalcore bizarro, algo que funcionou tão bem quanto parece agora que descrevo. Limpando a barra, Ashes traz de volta aquela pegada de metal industrial, e novamente prestando reverência ao trabalho de gente como 3TEETH, COMBICHRIST, OOMPH! e, claro, DEATHSTARS. Porém, é necessário salientar que o ALCHEMIA sempre adiciona um algo extra às suas muitas referências, que se percebe principalmente no peso das canções, no ótimo trabalho do baixo (de Fifas) e bateria, que seguram a música firme para que guitarra, voz e teclado brilhem em contrastes repletos de garra e groove.
If Nothing Is Sacred (que traz um ótimo solo) evidencia novamente isso que falamos sobre ‘groove’ e ‘industrial’. Mesclando o peso de um SKINNY PUPPY com a melodia vocal rica de um GOTHMINISTER, a música caminha em múltiplas direções, mergulhando o ouvinte em um universo escuro, solitário, sem esperança. Na sequência, adicionando um bocado de dinâmica e variação, Sacrifice é correria, rápida e feroz. Embora trabalhe com escolhas vocais muito semelhantes com aquelas que me afastaram de Haunting You, a coisa aqui soa mais completa e bem pensada, trazendo uma aura gótica para a música, algo que muito provavelmente deriva das boas melodias que compensam/complementam o timbre de forma mais que satisfatória. E, se queremos algo ‘mais que satisfatório’, a próxima, Mind Prison é certeira. Vocais ótimos, riffs repletos de groove e teclados que roubam a cena, adicionando ambientações incríveis, que parecem situar o ouvinte em uma história, e não apenas complementar uma música. Muito interessante mesmo.
Para fechar o álbum, duas canções: Nightmares essencialmente gótica e industrial, e Secret Call, um que traz um dos riffs mais legais do álbum, além de uma pegada moderna que me fez pensar em bandas como o SEVENDUST, e sim, com isso quero dizer que é uma ótima música. Olhando o álbum em sua totalidade, é fácil perceber que o ALCHEMIA dedicou muito tempo e esforço na sua concepção. A musicalidade intensa e repleta de groove, a atmosfera soturna e macabra providenciada pelos sintetizadores (arranjados por Jon Phipps, que já trabalhou com KREATOR, MOONSPELL, DRAGONFORCE e outros) os vocais variados e as muitas variações rítmicas. Tudo mostra capricho e dedicação acima da média, algo que toda banda estreante deveria buscar se deseja se firmar em um cenário tão expandido. E é justamente isso que esperamos, já com expectativas ainda mais altas para um segundo álbum.