Como em qualquer convívio de longa data, nada mais natural do que haver desentendimentos entre integrantes que estão há muito tempo tocando juntos em um banda. E dependendo do nível de desgaste, um velho ditado se faz valer: ‘amigos, amigos, negócios à parte’. Foi o que aconteceu em 2004 com os co-fundadores do Megadeth, Dave Mustaine e o então ex-baixista da banda, David Ellefson.
O grupo havia anunciado o fim de suas atividades em 2002, por decorrência de danos graves que Mustaine sofreu nos nervos do braço. Na ocasião, o líder do Megadeth ouviu de seu médico que nunca mais seria capaz de voltar a tocar guitarra. No entanto, ele se recuperou e em 2004 lançou o álbum The System Has Failed. Esse deveria ser seu álbum solo, porém, por questões contratuais com a gravadora da época acabou saindo como o décimo álbum de estúdio do Megadeth. Foi um período conturbado, já que Mustaine gravou o álbum sem ninguém da formação que gravou o antecessor The World Needs a Hero (2001), nem mesmo seu velho amigo David Ellefson.
Ellefson era o braço direito de Mustaine desde o início do Megadeth em 1983, no entanto, além de não estar envolvido com o ressurgimento da banda, ainda meteu uma ação judicial para cima de seu xará. O lendário baixista do Megadeth procurou a justiça para exigir uma quantia de 18,5 milhões de dólares referentes a merchandising e royalties de publicidade. Na ocasião, Ellefson afirmou que “tentou resolver suas diferenças com Mustaine de forma amigável e se ofereceu a continuar a tocar com o Megadeth.” No entanto, suas “ofertas foram recebidas com abusos verbais, ameaças, mentiras e injúrias contínuas de Mustaine.” Ellefson também alegou que Mustaine – um veterano de pelo menos 17 períodos de reabilitação de drogas, de acordo com que contou – se ressentia dele por ser um ex-drogado que abandonou o próprio vício. O que David Ellefson quis dizer é que Mustaine se sentiu sozinho no vício, sem seu velho “parceiro no crime”. De acordo com os documentos judiciais de Ellefson, a batalha judicial entre eles se espalhou pela a Internet quando Mustaine postou no site do Megadeth que seu ex-companheiro de banda estava tentando extorqui-lo.
Em recente entrevista para o Mitch Joel’s Groove – The No Treble Podcast, Ellefson relembrou o imbróglio. “Acredito firmemente que Dave e eu acabamos nessa situação porque ele e eu não estávamos nos comunicando diretamente”, explicou. “Havia um novo manager, um novo advogado, uma nova equipe e todos estavam tentando impressionar o cliente, então eles agiam, tipo: ‘Bem, estamos apenas fazendo tudo o que o chefe nos diz para fazer’. Mas, espera um minuto, o trabalho deles é gerenciar, aconselhar e direcionar seu cliente, e, em minha opinião, evitar litígios e essas coisas. Essas pessoas não estão mais aqui – todas foram dispensadas, obrigado Deus -, e quando a maioria delas foi demitida, foi quando Dave e eu tivemos a oportunidade de nos reconciliar. E assim que Dave e eu entramos em uma sala, o papo foi: ‘Por que diabos estamos brigando? Pegue sua guitarra. Vamos tocar’. Aí se trata de música, e aí está. Então, quando mantemos a coisa nesse nível, tudo corre bem. Quando os empresários, os advogados e as pessoas chegam e tentam colocar uma lógica em torno disso, é aí que o problema começa”, afirmou.
“Eu sempre disse que o Megadeth é completamente ilógico – não há nenhuma lógica nisso”, continuou. “E não deveria haver, porque é algo do coração – não é da cabeça; é do coração. Sempre digo que a jornada mais longa é de 15 centímetros da cabeça ao coração. Memorizar é uma coisa, mas saber de cor é outra. E isso é o que fazemos como músicos – não apenas memorizamos; temos que realmente saber de cor. E é isso que um grupo é – um cenário musical se trata disso. E, claro, deve haver algum tipo de dinâmica de negócios em torno disso para fazer funcionar, eu acho – pelo menos para os contadores”.
No fim das contas, o caso no tribunal foi encerrado em 2005 e em 2010, por intermédio do baterista do Megadeth na época, Shawn Drover, que fez a ponte para que Ellefson e Mustaine se encontrassem e se reconciliassem, o baixista retornou para a banda.
“Sempre digo que estou no Megadeth porque quero estar aqui – não porque ‘tenho’ que estar, não por causa de algum contrato que me forçou”, disse Ellefson. “Se chegar a esse ponto, estou farto. Não quero tocar música porque ‘tenho’ que tocar. Essa é a pior sensação de todas. E passamos por muitos anos assim, onde os agentes faziam grandes adiantamentos, e a próxima coisa que você sabe é que eles pegaram sua comissão e estão morando em Malibu, ou em qualquer outro lugar, e enquanto isso nós quatro estamos no ‘yellow submarine’ trabalhando até o fim pelos próximos 18 meses tentando recuperar esses adiantamentos. É quando você percebe, ‘Uau, esse modelo está totalmente errado. Hipotequei meu futuro e estou tendo que pagar por isso agora. Isso é péssimo.’ Portanto, (essas são) lições que você aprende à medida que passa por isso. E você aprende algumas dessas lições no topo de sua carreira – não quando está na pior”, explicou.
Em seu primeiro livro autobiográfico, My Life with Deth – Discovering Meaning in a Life of Rock & Roll (2013), Ellefson admitiu que se tornou um funcionário assalariado quando retornou ao Megadeth. Ele disse ao Metal-Rules.com: “Passar de um co-fundador para apenas um músico ‘sideman’, inicialmente foi o motivo de eu não voltar em 2004. Não fiquei feliz com as (minhas) participações que me foram apresentadas. Recentemente, voltando, encontrei uma grande alegria em fazer música com muitas outras pessoas em outros ambientes que me ajudaram a voltar a me apaixonar por tocar. Agora posso voltar ou entrar em situações musicais e ser capaz de estar por um propósito e um nível de remuneração. Ser um ‘sideman’ isenta você de se envolver em todas as outras coisas. Nesse ponto da minha vida, prefiro deixar essas coisas de lado. Como o American Express diz, ‘Ser membro tem seus privilégios’; ser um sideman tem seus benefícios. No meu caso, também ajuda a manter uma amizade. Para ter uma amizade, tive que desistir de alguma propriedade.”
Por sua vez, em uma aparição no Fox Sports 910 da Freak Nation em setembro do ano passado, Dave Mustaine comentou sobre o episódio do processo de Ellefson. “Acho que o perdão é uma coisa super legal”, orgulhou-se. “Quando David Ellefson me processou por 18 milhões e meio de dólares, o juiz rejeitou e o fez pagar um monte de dinheiro além disso, ele levou uma “surra” em público. E eu fiquei muito, muito, muito magoado com as coisas que ele disse sobre mim. E pensei: ‘Quer saber? Se eu nunca mais o vir, acho que ficarei bem.’ E eu estava triste, mas imaginei que ele tinha ido embora. Um dia, eu estava voltando de Dallas para casa e o voo parou em Phoenix (onde Ellefson estava vivendo), e por alguma razão estúpida, liguei para ele e disse: ‘Ei, você quer jantar?’. E ele disse: ‘Sim’. Então saímos. E a primeira coisa que ele disse foi: ‘Quero te dizer, foi a coisa mais estúpida que já fiz te processar, e quero me desculpar’. E eu olhei para ele e esperei um pouco, e disse, ‘Dave, eu te perdoo. Eu te perdoo completamente. Eu te amo.’ E acabou assim. E eu acho que isso é algo realmente ótimo que as pessoas deveriam levar consigo hoje, qualquer pessoa que esteja ouvindo isso. Pode haver alguém que você precisa perdoar ou alguém a quem você precisa se desculpar, e vou te dizer uma coisa, isso faz você se sentir muito melhor ao final do dia.”
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