No ano passado, mais precisamente na edição #255 da ROADIE CREW, você leu um artigo especial sobre o álbum de estreia do ENTOMBED, o lendário Left Hand Path, que na ocasião celebrava o seu trigésimo aniversário. Dotado de qualidades insuperáveis e clássicos eternos do gênero (como a trilogia que abre o disco, Left Hand Path, Drowned e Revel In Flesh), o disco rapidamente foi incluído entre os clássicos absolutos do death metal, lado a lado com outras obras imortais, do quilate de Altars Of Madness (MORBID ANGEL, 1989), Cause Of Death (OBITUARY, 1990) e Scream Bloody Gore (DEATH, 1987), entre outros. Porém, o ENTOMBED sempre foi uma banda que se recusou a investir em uma fórmula, e as mudanças quase que imediatamente começariam a ser sentidas.
Dentre essas mudanças, algumas foram polêmicas desde o princípio, Por exemplo, foi duro entender a razão do vocalista Lars-Göran Petrov ter sido afastado da banda após sua marcante performance no disco de estreia, algo que não fazia sentido algum nem para o mais desatento dos fãs. Sem L.G., o Entombed seguiu adiante com o álbum Clandestine já no ano seguinte, forjando ali mais um clássico, que ganharia até uma versão ao vivo recentemente (confira a entrevista com o guitarrista Alex Hellid na edição #245 da ROADIE CREW), e L.G., por sua vez, seguiu adiante com o eternamente ‘cult’ COMECON, que em 1992 lançaria seu icônico Megatrends In Brutality, um álbum que certamente deveria figurar nesta seção se vivêssemos em um mundo mais justo…
Ainda assim, muito embora ambos os lados estivessem se mantendo ativos e com boas produções, estava na cara que o Entombed precisava de Petrov, e a recíproca era verdadeira. Não tardou para que o vocalista voltasse a se unir com Ulf Cederlund (guitarra), Alex Hellid (guitarra), Nicke Andersson (bateria) e Lars Rosenberg (baixo, que já havia tocado com o ENTOMBED no álbum anterior, além de passagens por bandas clássicas como MONASTERY e CARBONIZED), e o resultado seria muito, mas muito diferente daquele que tínhamos ouvido do grupo até então.
A verdade é que o Entombed nunca gostou de repetir os seus próprios passos. Em entrevista para a ROADIE CREW, o guitarrista Alex Hellid até chegou a declarar que a mentalidade da banda deu um salto após acompanharem uma performance ao vivo do ATHEIST, foi naquele momento que eles perceberam que o jogo tinha mudado e que precisariam de um grande salto para permanecerem no mundo da música. Bem, da transformação perceptível porém discreta de Clandestine, eles pulavam imediatamente para aquele álbum que é o nosso assunto hoje, Wolverine Blues.
De cara, a sonoridade do álbum como um todo já era uma surpresa gigantesca para aqueles que haviam até então acompanhado a carreira dos suecos. Esperava-se um retorno aos tempos de Left Hand Path, ou no mínimo uma continuação de Clandestine, mas Wolverine Blues não era nenhum dos dois: era uma obra até então única, que pegava o velho death metal sueco que eles haviam ajudado a criar e o mergulhava em doses cavalares de um rock’n’roll sujo e extremo, vindo sim de bandas como o MOTÖRHEAD, mas que também vertia muito do velho punk britânico e sueco (em especial DISCHARGE e ANTI-CIMEX), além de muitos elementos de stoner, garage rock e desert rock, coisas que cada vez mais habitariam a mente e a música do ENTOMBED. Sem querer, e muitas vezes até odiando a alcunha, eles estavam criando um novo subgênero musical, o chamado death’n’roll.
Porém, antes de mergulharmos no repertório de Wolverine Blues, vale ressaltar uma coisa que ajudará a compreender as emoções presentes na banda e seus colaboradores naquela época: a animosidade entre Entombed e sua gravadora, a Earache crescia vertiginosamente. Primeiro fora o retorno de Petrov – não que a Earache desaprovasse, muito pelo contrário, ela entendia perfeitamente o ótimo ‘negócio’ que configurava o retorno do vocalista – a questão é que o selo decidiu gravar uma das apresentações do retorno de L-G (mais precisamente o show de 18 de março de 2002, em Londres, Inglaterra) para futuramente lançar como um disco ao vivo. Tal decisão veio à revelia do ENTOMBED, eles desaprovaram a forma como as coisas foram feitas, e pediram, imploraram, ameaçaram o selo para que o álbum não fosse lançado. O próprio L-G, em entrevista exclusiva para a ROADIE CREW (que permanece inédita), disse que sequer havia decorado o repertório até aquele momento, que metade ‘cantou’ e metade ‘improvisou’ no palco… O selo até fingiu ouvir, atrasou o lançamento, mas você sabe, em 1999 ele foi lançado sob o nome Monkey Puss (Live In London).
Se isso não bastasse, vinha a pior parte: Wolverine Blues se referia ao animal Wolverine, por aqui conhecido como carcaju ou glutão. Um bicho até pequeno, mas feroz e brutal, e que representava perfeitamente aquilo que a banda queria com a sua nova música: algo mais ‘pequeno’ e simples, mas ainda assim brutal e devastador. Portando, nada a ver com o personagem da Marvel, correto? Porém, o que a Earache decidiu fazer? Novamente, você já sabe a resposta: em acordo com a Marvel Comics, a gravadora lançou uma edição do disco (hoje disputada aos tapas entre os fãs mais ardorosos) justamente com o herói da Marvel estampando a capa, e o encarte com uma mini-história do X-Men. Nem preciso dizer que a banda abominou a decisão. Pois bem, estava declarada a guerra entre selo e banda, uma batalha da qual cada um pagou seu preço.
Agora, falando sobre a música, já disse que não temos aqui um Left Hand Path. Comparado a tempestade furiosa do debut, o que temos aqui é uma música mais contida, mas isso não representa necessariamente algo ruim, especialmente por estarmos diante de ótimas composições: De cara, a abertura com Eyemaster é absolutamente cativante. O riff inicial mantém o ouvinte atento, enquanto Nicke parece o tempo todo ‘puxar’ uma levada que nunca aparece até a entrada da voz de L-G, uma beleza em forma de música brutal. Rotten Soul é outra das que se tornaram clássicas, e novamente as guitarras dão à música o seu tom clássico, com aquela mistura consciente de rock, punk e death metal.
E, já que falamos de ótimas linhas de guitarra, que tal pegar a sua e acompanhar junto o riff ‘midtempo’ que dá o tom da faixa-título? Mesmo quem diz ter detestado, jamais esqueceu esse riff, e não por poucos motivos essa é uma das faixas mais conhecidas do death metal ‘noventista’… Ainda na seara dos clássicos, confira Hollowman e Out Of Hand, outras das que saíram daqui diretamente para a eternidade.
Com o retorno de L-G Petrov e o lançamento de seu terceiro disco completo, o ENTOMBED alcançou um novo clássico, e criou toda uma nova sonoridade que influenciaria dezenas de bandas até os dias de hoje. Exatamente como tinham feito três anos antes. Porém, desta vez esses não voltariam a tona com um novo Clandestine… A sonoridade de Wolverine Blues seria ainda mais polida e refinada, e a banda seguiria em frente. Ladeira abaixo, diriam as más línguas. Porém, aquilo que eles iniciaram aqui ainda estava apenas no começo…