O álbum só será lançado no próximo dia 23 de março. Mas a ROADIE CREW já ouviu “Nine Mirrors” – primeiro trabalho do No One Spoke – e vai te contar detalhes nessa resenha. É mais uma das obras geradas durante a pandemia que assola o mundo, com consequências que jamais havíamos considerado, mesmo em nossos piores pesadelos. E só por isso a banda catarinense mereceria ganhar espaço, pois quem produz arte durante tempos sombrios, de incertezas e tanta tristeza, precisa ser ouvido e visto. Afinal, a cultura – quer seja na música, literatura, escultura ou qualquer outra forma artística – tem função acertada e balsâmica para dar alívio, conforto, inspiração e incentivo à toda sociedade, incluindo a turma negacionista que não acredita na existência e letalidade da COVID-19. Mas, melhor ainda, é que há vários outros bons motivos para escutar as oito faixas (e um cover muito especial) que Carla Domingues (voz), Iva Giracca (violino), André Medeiros (guitarra/voz), Gabriel Porto (bateria), Thiago Gonçalves (teclado) e Artur Cipriani (baixo) geraram e produziram com a ajuda do público.
A classe artística foi a primeira castigada pelo novo coronavírus. E, sem poder fazer shows, com a queda imediata na venda de merchandising, artistas do mundo todo precisaram buscar apoio em campanhas de financiamento coletivo para tirar do papel sua expertise. O No One Spoke adotou essa estratégia e alcançou a meta graças ao voto de confiança recebido de quase uma centena de apoiadores Brasil afora. Quem investiu, tenho certeza, não vai se arrepender. O metal sinfônico do sexteto vai cair imediatamente nas graças de fãs de Epica, Nightwish e Within Temptation, mas tem amplo potencial para agradar outros públicos. Mesmo que você não tenha afinidades com essa vertente metálica, acredite, “Nine Mirrors” é daquelas obras que envolve pela qualidade musical, acima dos rígidos limites estipulados pelo ainda radical público metálico, exatamente como os singles “Sigh” e “Milonga para las Reinas” já haviam revelado nas plataformas de streaming e nos vários festivais online que o grupo participou no último ano.
Gravado, mixado e masterizado entre novembro e dezembro de 2020 no estúdio The Magic Place pelo experiente Renato Pimentel, o álbum começa com “Bridge Of Sanity” onde Porto e Iva dão um show à parte. O entrosamento do baterista e da violinista conduzem virtuose na medida certa, sem excessos, para alinhar os demais integrantes de modo magistral. E já na primeira canção Carla brilha mostrando seu poderio como soprano e vocalista de rock/metal. Ela traz o conhecimento prático de quem já atuou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, além de ter interpretado em óperas como “A Flauta Mágica” e “Rainha da Noite” em montagens em vários outros palcos brasileiros, no Uruguai e no Chile. Mas há na sua performance também a experiência adquirida em suas passagens nas bandas M-26, Vetitium e Enarmonika.
“Blue Way” – que foi gravada em homestudio e disponibilizada durante a campanha de financiamento do álbum – inicia lentamente e vai ganhando ar de rock progressivo. Mas antes de você pensar que é uma peça fora de contexto, vem um solo excelente de Medeiros que traz o peso padrão do metal sinfônico. Na sequência está “Fear Of Regret” com todas as muito bem empregadas influências de Within Temptation. E ficou difícil não imaginar um dueto entre Carla e Sharon Del Aden cantando o refrão “I wanna now the end / I want to bring light to this shadow / The more i try to forget / The more i feel the pain / The more i fear regret”.
Composta por Carla e Marcelo Rosa, ex-guitarrista do No One Spoke, a já conhecida “Sigh” mescla peso e o ar sombrio do gótico dispensando apresentações. Quase doom metal, ela abre as portas para “Rise Again” que te faz pensar “quando diabos essa pandemia vai acabar para que eu possa ver o No One Spoke ao vivo?”. Destaque para a performance de Cipriani, cujos arranjos de transição para o solo dá para a faixa uma camada a mais de…metal, if you know what i mean!
Típica “balada metal”, mas sem uma temática romântica, “Trust Yourself” é minha outra aposta para o No One Spoke brilhar nos palcos. Será, sem dúvida alguma, uma celebração quando a plateia cantar junto com Carla. É uma passagem para o ato final de “Nine Mirrors”, com “Final Breath” que, na prática, serve como uma introdução para “Milonga de las Reinas”, aquela do vídeo clipe que a ROADIE CREW divulgou em primeira mão (veja). Cantada em inglês e espanhol, a faixa é uma ode à força da parte mais importante da humanidade: as mulheres, que tanto sofrem com descaso, preconceito e todos os tipos mais vis de assédio. Note o trecho em que Porto desce o braço na bateria, praticamente impondo uma batida thrash metal em uma das melhores canções do ano.
Para fechar “Nine Mirrors”, o quinteto reservou um presente a quem é fã de heavy metal. Um cover para a clássica “Rainbow In The Dark”, do primeiro e único Ronnie James Dio. Detalhe: com a participação especial do excelente baixista Rudy Sarzo, que gravou a versão original no impecável “Holy Diver” (1983). Se você ainda não ouviu nas plataformas digitais, vai lá e escute. Ficou brilhante, com um início lento, baseado na voz de Carla e no piano de Gonçalves, com Iva ao fundo discretamente abrilhantando tudo. E quando entra a potência dos arranjos, com guitarra, baixo e bateria, vem aquela sensação de orgulho por ser uma banda brasileira criando, provavelmente, a melhor versão jamais registrada para “Rainbow In The Dark”. Sarzo, além de aceitar o convite para gravar o cover, ainda declarou que Dio teria ficado orgulhoso do trabalho realizado pelo No One Spoke. Melhor elogio, impossível.
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