Ao menos em teoria, todos nós sabemos o que é um ‘Plano B’: Temos um objetivo principal ‘X’, mas se tudo der errado, a escapatória será trilhar o caminho “Y”. Basicamente é isso. Não queremos dizer que era essa exatamente a situação que as integrantes da Crypta enfrentavam em 2019, mas acompanhando o desenrolar da história em 2020, convenhamos, parece muito com isso. Afinal, Fernanda Lira (baixo e voz) e Luana Dametto (bateria) estavam em um ótimo momento na banda thrash NERVOSA, que crescia mais e mais no cenário global a cada novo lançamento. O mesmo também acontecia com a guitarrista Sonia Anubis, que a cada ano mostrava o seu talento para um número maior de fãs com a BURNING WITCHES. Porém, aquilo que o trio imaginava apenas como um ‘projeto paralelo’ acabou virando ‘banda principal’ no primeiro semestre do ano passado em uma história que você já conhece todos os detalhes. Não vamos recontar todos os passos, apenas reafirmar que com isso, tudo acabou ganhando um patamar muito mais elevado.
Com a maior parte das composições já trabalhadas desde os tempos de NERVOSA e um núcleo de formação já definido, Fernanda e Luana não precisaram perder tempo pensando em seu próximo passo, e não demorou para que Tainá Bergamaschi (ex-HAGBARD) fosse confirmada na formação, fechando assim o quarteto que atende sob o nome CRYPTA. O anúncio de um primeiro álbum de estúdio foi feito ainda no ano passado, as garotas já tinham um contrato assinado com a Napalm Records, e existia muita ansiedade no ar, já que todos estávamos curiosos a respeito de como essa banda iria soar. E digo ansiosos mesmo, já que as primeiras declarações davam a entender que este seria o retorno de Luana ao death metal, quase mil anos após a saída do APOPHIZYS (pois é, pelo menos foi isso que pareceu).
Demorou, mas o primeiro sinal de fumaça chegou mais cedo em 2021, com o lançamento do ótimo vídeo para o single From The Ashes (isso, aquele da mina chutando o caixão). Bem, se a promessa foi um disco de death metal, aqui estava o death metal. Em cada porrada na bateria, cada palhetada do riff, cada urro ‘desgracento’ dos vocais, o death metal estava ali, presente, violento e supremo. Porém, a música também nos deixou com algumas dicas a mais sobre a sonoridade do grupo: primeiro, a técnica refinada das instrumentistas criou um ambiente muito mais amplo para o tradicional ‘old school death metal’, e a mistura do som da velha escola com elementos melódicos e rítmicos mais ajustados aos novos dias gerou uma sonoridade única, mostrando que a CRYPTA já nasce com um caráter musical definido. Outra coisa é que a experiência realmente jogou a favor do time. A boa sonoridade, os arranjos, a qualidade do vídeo, nada aqui diz ‘banda estreante’, apesar de ser esse o caso. Esforço de um time muito maior do que as quatro integrantes, From The Ashes apareceu para o mundo mostrando uma banda já classificada para a Champions League (certo, referência futebolística desnecessária, mas você pegou a ideia).
Depois, foi a vez de mais um single aparecer para reforçar (e até mesmo renovar) a imagem que tínhamos da nova banda: Starvation apareceu muito mais brutal e direta do que a sua antecessora, uma aniquilação death/thrash que certamente deixaria nosso caro Peter Wiwczarek (VADER) orgulhoso do som que ajudou a perpetrar. Além da brutalidade absurda da música, observe com atenção a letra (o ‘lyric video’ vai ajudar muito), não se deixe guiar apenas pela primeira impressão. O que Fernanda alcançou aqui realmente é digno de nota, então, mergulhe um pouco mais fundo para uma experiência ainda mais impactante, garanto que valerá a pena..
E então, depois de muita espera e de ótimas primeiras impressões, finalmente chegou o momento de conferirmos Echoes Of The Soul por inteiro. Com a pequena intro Awakening sendo prontamente sucedida por Starvation, é apenas na terceira faixa que temos uma real nova experiência, com a faixa Possessed. Brutal e com ótimas linhas de guitarra, ela mantém aquela vibração que observamos nos primeiros singles, e é um ótimo contraste para a sua sucessora, Death Arcana, uma das minhas favoritas no álbum. Com aquele andamento pesado e contido, a música imediatamente me remeteu aos tempos de Domination (1995) do MORBID ANGEL, mas a referência acaba sendo muito mais emocional do que musical e rítmica, já que aqui as constantes mudanças de andamento dão a tônica e criam algo completamente único.
Depois de Shadow Within, a próxima é Under The Black Wings, outro grande destaque do álbum. O começo sinistro, o andamento arrastado e aqueles riffs que gritam ‘old school’, tudo está aqui para agradar os fãs do estilo, que vão cada vez percebendo um valor maior na obra do quarteto. O disco segue adiante com Kali, e então Blood Stained Heritage, que além de ótima musicalmente, é outra daquelas em que Fernanda mostra toda a sua habilidade como letrista, trazendo uma visão mais firme a visceral sob aspectos da sociedade brasileira – confira mais detalhes a esse respeito na próxima edição da ROADIE CREW.
Dando capítulos finais ao álbum, a minha favorita, Dark Night Of The Soul. Incrivelmente variada, com ótimas linhas melódicas e riffs baseados na música oriental, a canção é um destaque a parte, mostrando a plenitude do talento de cada uma das garotas. Por fim, encerrando a jornada (exceto para aqueles que adquirirem a versão com a bônus I Resign), a muito bem conhecida From The Ashes, que foi nosso tema lá no início dessa resenha. Além da ótima música, você também terá em mãos um disco com arte de capa assinada por ninguém menos que Wes Benscoter, nome imortalizado ao lado de bandas como SINISTER, AUTOPSY, CATTLE DECAPITATION, SLAYER, VADER e muitos outros. Com tudo extremamente pensado e trabalhado em nome da máxima qualidade, a CRYPTA triunfou em sua estreia, e reafirmou a força do nosso death metal no cenário mundial.
