A música pesada encontrou território fértil, e se propagava como fogo pela Suécia no início dos anos 80. Embora o número de novas bandas ainda não fosse elevado, a quantidade de novos fãs crescia a cada dia, e mais e mais pessoas descobriam no metal e no punk a expressão musical que combinava com as suas vidas. Porém, mesmo diante desse cenário tão favorável ainda não existia uma banda do país que guiasse o cenário, não havia um líder da matilha, uma banda em quem os demais garotos pudessem se espelhar, e então os grandes exemplos continuavam surgindo do mercado externo, com britânicos, norte-americanos e alemães puxando a fila como os grandes ‘ídolos a serem copiados’. Foi neste cenário de crescente interesse e busca por uma identificação nacional do estilo que, em 1983 o guitarrista de 17 anos Thomas Börje Forsberg fundou o BATHORY.
Como é comum para a época em questão, muitos dos dados referentes aos primeiros dias do grupo são conflitantes, e hoje praticamente impossíveis de uma verificação plena. Porém, algumas coisas são bem claras, entre elas o fato de que a banda – eternamente celebrada como uma ‘one-man-band’ – na verdade iniciou sua jornada como um trio, onde o guitarrista e vocalista Thomas (que primeiramente assumiu a alcunha ‘Black Spade’) dividia as honras com o baixista Frederick Melander e o baterista Jonas Åkerlund (este último que viria a se tornar um notável diretor de cinema e videoclipes, trabalhando ao lado de artistas pop de renome como Madonna, U2 e Roxette, e os ‘pesos pesado’ SATYRICON, RAMMSTEIN e METALLICA, entre outros). As versões conflitantes começam já quando tentamos investigar a origem do nome da banda. Sabemos que ela atuou sem nome por uma época, e que só foi realmente batizada quando de fato foi obrigada, para participar da coletânea Scandinavian Metal Attack, de 1984 (que reunia as bandas OZ, TRASH, SPITFIRE, ZERO NINE e BATHORY). É sabido também que o nome deriva da condessa húngara Elizabeth Báthory, considerada em sua época como a matrona de todos os vampiros, e uma das grandes assassinas da História da humanidade. Porém, enquanto Thomas atribuía a escolha do nome a uma visita ao London Dungeon (atração turística em Londres que recria eventos bizarros e macabros da História em um tom irreverente), Jonas costuma afirmar que a escolha veio em uma espécie de homenagem a canção Countess Bathory, da banda inglesa pioneira do black metal, VENOM.
A verdade é que o resultado alcançado com Sacrifice e The Return Of The Darkness And Evil – as duas músicas do BATHORY incluídas na coletânea Scandinavian Metal Attack – foi muito maior do que Thomas, Jonas e Frederick poderiam imaginar. A banda foi instantaneamente abraçada por uma comunidade metálica cada vez mais interessada em música extrema e que desafiava os limites, e já era hora de ensaiar passos maiores. O trio, com Thomas já devidamente rebatizado como Quorthon, seguiu adiante sem seus dois parceiros, e com contrato assinado com a Tyfon Grammofon partiu para a gravação do primeiro disco do grupo, o icônico álbum autointitulado de 1984, uma das joias mais caras da coroa do black metal. Ao seu lado então estavam o baixista Rickard Bergman e o baterista Stefan Larsson. No ano seguinte, o BATHORY participou do segundo capítulo da Scandinavian Metal Attack, e já apareceu com a sua segunda oferta de estúdio, o também clássico The Return……
Para Quorthon, era chegada a hora de dar o próximo passo, era a hora de evoluir. O nome BATHORY já era reverenciado nos quatro cantos do mundo, era presença obrigatória na estante de qualquer colecionador de música extrema, e seria mantendo o foco no metal extremo e especificamente no black metal que ele daria o próximo passo. Trabalhando ao lado do selo Under One Flag, Quorthon se uniu ao baterista Paul Lundburg e ao baixista Christer Sandström no Heavenshore Studio de Estocolmo durante o mês de setembro de 1986 para gravar o terceiro álbum completo da banda sueca, intitulado Under The Sign Of The Black Mark.
Musicalmente muito mais evoluído do que os anteriores, o disco ainda traz todos os elementos de crueza dos seus antecessores, traz ainda o tom macabro e satânico que caracterizava o grupo sueco, mas acrescentava toda uma nova aura soturna que o tornaria referência máxima para o black metal que seria produzido desde então. Para conseguir tudo isso, tudo foi pensado em nome do alcance máximo, partindo desde a concepção da capa. Quorthon queria algo épico e sinistro, e encontrou na tradicional Ópera Real Sueca (Kungliga Operan), mais especificamente na pausa entre movimentos durante a encenação de uma peça baseada na obra do compositor alemão Richard Wagner, por isso o cenário tão caprichado. A foto, tão macabra quanto cômica (registrada pelo fotógrafo Gunnar Silins), mostrava o fisiculturista sueco Leif Ehrnborg trajando apenas um ‘fraldão’ e uma cabeça de bode, enquanto erguia um enorme osso diante de uma estarrecida plateia que aguardava o retorno da ópera. Bem, presenciar um momento como esse certamente não tem preço…
Conta-se também que Quorthon teve problemas ao viajar para a Grã-Bretanha, onde registraria fotos específicas para uma grande entrevista. O próprio vocalista contou que, sabendo das fotos, conseguiu enormes ossos de boi que levou na mala para a Inglaterra, onde obviamente foi parado na alfândega, que impedia a entrada dos ‘artefatos’ no país. Segundo o vocalista, o problema nem foi a estranheza dos ossos, mas o fato de que ainda haviam alguns nacos de carne presos neles. Como era proibida a entrada no país de ‘comidas estranhas’ em voos internacionais, Quorthon teve de optar entre voltar para casa com os ossos, ou deixá-los para trás… Pois é, nada supera a bizarrice das histórias dos primeiros dias do black metal.
Porém, mesmo com tantas histórias e atrativos além, é na música que Under The Sign Of The Black Mark se prova mais forte. O início soturno com Nocternal Obeisance apenas prepara o terreno para a devastação de Massacre, uma das canções mais brutais e selvagens de sua época. A sequência não poderia ser mais épica: Woman Of Dark Desires, música que Quorthon compôs em honra de sua ‘musa inspiradora’, a citada condessa Elizabeth Báthory. O álbum segue irrepreensível com Call From The Grave, uma incrível ode black metal, onde o satanismo não provém de blasfêmias infantilmente gritadas ao vento, mas dos clamores de alguém que se vê sem socorro diante do fim certeiro, tudo com melodia e pungência poética até então inalcançadas no gênero. E claro, Equimanthorn, talvez a minha canção black metal favorita de todos os tempos. Ainda hoje não consigo conter a empolgação quando estouram os versos do refrão, quando Quorthon entoa aos deuses inferiores os versos “I let the bodies lie in shame / I let mighty earth drink their blood / I turn my face to eternal sky / And praise my elders’ god / Equimanthorn hear my hail”. Não tenho como não pensar “prestem atenção, seguidores das trevas musicais, é assim que se faz um breakdown realmente brutal no black metal…”
Das mais celebradas, 13 Candles é ainda referência obrigatória no catálogo da banda sueca, que alcançou aqui o seu melhor resultado na sua chamada ‘era black metal’, de onde partiria logo em seguida para ser o precursor do viking metal. Mas não serei mais eu a louvar a grandiosidade dessa obra, deixemos que o guitarrista Greg Mackintosh, do PARADISE LOST nos dê o seu parecer: “Under The Sign Of The Black Mark estava e ainda está no meu top dez de álbuns de todos os tempos. A primeira vez que ouvi, me surpreendeu como soava maléfico. Músicas como Massacre, Woman Of Dark Desires e, claro, Equimanthorn eram tão boas em soar más que começaram um gênero inteiro. Eu sei que alguns dizem que o VENOM começou o black metal por causa do título de seu segundo álbum, mas se você ouvir qualquer banda das subsequentes segunda e terceira ondas do black metal, todas parecem versões do trabalho do BATHORY. Under The Sign Of The Black Mark é um álbum inovador e definidor de gênero. Gosto dos primeiros quatro álbuns do BATHORY, mas Under The Sign Of The Black Mark é o momento decisivo para mim.”