Karl Willets nos mostra como a morte de um amigo e o fim do Bolt Thrower motivou o nascimento do Memoriam
Quando falamos de bandas inglesas, quais são os primeiros nomes que vêm à sua mente? Black Sabbath, Iron Maiden, Judas Priest? Ou quem sabe ainda Motörhead, Venom… Provavelmente, todos estes, e ainda mais uma porção de outros que surgem em questão de segundos. Para aqueles que amam a vertente mais tradicional do death metal, a resposta ainda engloba outros dois nomes fundamentais: Bolt Thrower e Benediction. Com o nome fundado nos anos 80, e uma trajetória repleta de momentos clássicos nos anos 90, esses dois bastiões do metal extremo viveram momentos erráticos no novo milênio. Those Once Loyal, o último disco de estúdio do Bolt Thrower veio em 2005, e Killing Music, último do Benediction, veio em 2008. Embora o silêncio não fosse completo nos palcos, uma distância muito grande se formou entre estes dois gigantes e os estúdios de gravação, e poucos ainda tinham fé que ouviriam um novo disco de estúdio. Mas tudo viria a mudar, de uma forma trágica: em 14 de setembro de 2015, o guitarrista Martin “Kiddie” Kearns, do Bolt Thrower faleceu, colocando um ponto final na carreira da beligerante banda inglesa.
Das cinzas do Bolt Thrower, nascia uma nova aberração da Terra da Rainha, o Memoriam. “Isso provavelmente é muito verdadeiro”, declarou Karl Willetts, ex-vocalista do Bolt Thrower e atual Memoriam: “foi a morte de Kiddie e o futuro desconhecido do Bolt Thrower, que me estimulou a montar uma nova banda. Quando o Memoriam se formou no final de 2015, o futuro do Bolt Thrower era incerto, eles não tinham tomado a decisão de parar até esse ponto. No entanto, eu não estava realmente preparado para sentar e esperar por uma decisão, e decidi pressionar e criar algo novo”. Mas não era apenas a vontade de gravar quemotivava Willetts. Desde o princípio, havia algo mais: “quando você perde pessoas próximas a você, de forma tão dramática, isto realmente faz você reavaliar sua própria vida. Era uma decisão que eu tinha que fazer: eu poderia ter ficado sentado revivendo a miséria de toda a situação, ou me desligar e tentar criar algo positivo diante de toda a negatividade.
Eu escolhi fazer o último”, declarou Willetts. Ao seu lado na nova banda, o vocalista resolver se cercar de amigos, figuras bem conhecidas dos fãs de death metal: ao baterista Andrew Whale se unia um time que ainda contava com o baixista e o guitarrista do Benediction, Frank Healy e Scott Faixfax, respectivamente. Whale é seguramente o mais conhecido dos fãs de Willetts, já que os dois tocaram juntos por muitos anos com o Bolt Thrower: “Whale é um dos meus amigos mais antigos, ele foi a razão pela qual eu entrei na Bolt Thrower em primeiro lugar. Eu me sentia mal por voltar para a banda sem ele”. Willetts esteve fora do Bolt Thrower entre 1995 e 1996, época em que o vocalista holandês Martin Van Drunen (atual Asphyx) se uniu a banda inglesa. Quando Willetts voltou para gravar Mercenary (1998), o baterista já era Alex Thomas. “Então”, continua Willetts, “eu sempre tive esse desejo de fazer algo com ele de forma criativa em uma banda, e esta é uma das principais razões pelas
quais o Memoriam se juntou”. E quanto a Frank Healy? “Eu conheço Frank desde sempre, pelo menos 30 anos. Costumávamos ir nos pubs e clubes de Birmingham no final dos anos 80 e sempre falamos em fazer uma banda juntos, mas nunca tivemos tempo para fazê-lo. No entanto, com a perda de Kiddie, que também coincidiu com a época em que o pai de Frank morreu, as estrelas se alinharam”. Scott Fairfax, por sua vez, tornou-se a mente criativa do Memoriam: “todas as músicas que criamos originaram-se das ideias e riffs de Scott. Ele tem toda uma biblioteca de riffs em seu PC, coisas que ele escreveu e nunca usou durante vários anos”, declarou o vocalista. Com ideias de sobra, e muita gana de voltar verdadeiramente a ativa, não era de esperar que a banda começasse a soltar material rapidamente. Mas nem o mais otimista dos fãs poderia imaginar o que aconteceu: em um espaço de mais ou menos um ano, dois EP’s, um single e um disco completo foram lançados.
O vocalista não esconde o otimismo com o grande momento: “é incrível como as coisas se juntaram e funcionaram tão bem. A intenção original era apenas entrar na sala de ensaio e divertir-se. Nós alcançarmos isso e tudo mais é um grande bônus!”. Também para os fãs, já que a história de lançamentos do Bolt Thrower e do Benediction nas últimas décadas não era nada digamos ‘intensa’. “Eu definitivamente senti falta da criatividade de estar em uma banda e talvez isso tenha contribuído para as coisas com o Memoriam acontecer em um ritmo tão rápido. Pela experiência recente, vimos que a vida é curta, por isso é bom mover-se rápido, você não sabe o que pode acontecer amanhã”. Nada mais natural para a banda (e desejado pelos fãs) do que, de todo esse movimento intenso, viesse algo que remetesse ao passado dos integrantes. O som ‘old school’ das bandas de origem está intacto, assim como a temática bélica do Bolt Thrower. “A guerra é um assunto que me parece fascinante, sempre estará dentro das letras que escrevo, no entanto, há outros assuntos em que as letras do Memoriam se concentram. A banda nasceu de sentimentos de tristeza e luto pelos que partiram, então essas questões formam grande parte do conteúdo lírico das novas músicas. Além disso, eu escrevi letras com um aspecto político mais evidente com o Memoriam, e isso é algo que eu não teria feito no passado”. Além disso, muitas frases dentro das letras foram tiradas de antigas composições do Bolt Thrower. Portanto, se você é fã, talvez renda uma boa diversão caçar estas referências, que é claro, percebemos.
“É uma espécie de jogo de bêbado em festas”, diz Willetts, “vamos ver quem consegue acha-las”, diverte-se. Mas nem tudo é diversão, precisamos lembrar o motivo primário da união do Memoriam, algo que transparece até no título do primeiro disco, For The Fallen: “O álbum na sua totalidade é um tributo à vida de Martin Kiddie Kearns; As letras do álbum podem ser vistas como uma expressão catártica dos sentimentos de sofrimento e luto para Kiddie especificamente. Existe o tema da guerra que tem todas as letras, que eu sempre escrevo, mas talvez um reflexo mais pessoal dos aspectos do sofrimento seja explorado neste álbum”. Um exemplo claro disso vem com a letra de Last Words, faixa que encerra o disco: “Eu estou incrivelmente orgulhoso por Last Words. Eu chegaria mesmo a dizer que é a melhor música com que eu já me envolvi com a criação.
Liricamente, a música é sobre um soldado da Primeira Guerra Mundial prestes a alcançar o limite e encarar a morte, escrevendo uma carta para seus entes queridos. É uma música bastante emotiva”. Mas nada disso ficaria realmente completo sem uma capa condizente, e para dar uma forcinha aí, a banda optou pelo experiente Dan Seagrave, que fez história com capas de Malevolent Creation, Entombed, Morbid Angel, Suffocation, Dismember, e, é claro, Benediction, onde criou a emblemática capa do clássico Transcend the Rubicon (1993). “Em última análise, foi Scott quem queria contar com Dan Seagrave para a capa. Somos uma banda de death metal da velha escola e Dan esteve envolvido com muitas capas dos álbuns que desempenharam uma grande parte de nossas vidas. Todos nós sentamos no início do Memoriam e discutimos o que todos gostaríamos de fazer da banda. Scott afirmou que tudo o que ele realmente queria era uma capa de álbum de Dan Seagrave”.
Álbum lançado, público e crítica conquistados, resta saber o que a banda planeja para os palcos. Willetts não nos anima muito, mas também não desanima por completo: “não temos planos de sair em um longa e árdua turnê de 4 semanas, fizemos tudo isso no passado e, para ser sincero, isto não exerce nenhuma atração em nós. Fazer shows selecionados se encaixa melhor com nossas vidas, todos temos compromissos familiares e outros fora da banda. Isso também torna essas ocasiões especiais para nós e para as pessoas que nos veem”. Apesar disso, o Memoriam parece seguir com a agenda cheia, e por fim, o vocalista nos dá uma ótima notícia: “nós pretendemos voltar ao estúdio assim que pudermos para gravar o próximo álbum, estamos escrevendo músicas novas agora!”. Talvez Willetts ainda não imagine a gana que os fãs têm de vê-los ao vivo. Talvez nem imagine a importância que o Bolt Thrower e o Benediction tiveram na vida de tantos headbangers. Talvez.
Mas uma coisa é certa: ele sabe o poder e a importância que o death metal tem em sua vida, algo tão grande que o levou a superar a tristeza e homenagear um amigo da forma que sabe melhor. Que suas palavras reverberem ainda por muitos anos: “a música está no meu sangue, eu não estava preparado para desistir de algo que é tão importante para mim. É uma parte muito importante da minha identidade, de quem eu sou”. Que assim seja. Que nunca deixemos de honrar a memória daqueles que caíram!