Nos anos 70, a Inglaterra, país berço do Rock, já sediava dois festivais de Rock de grande porte, “Reading” e “Glastonbury”, mas em 1980, com certeza tentando explorar o bom momento do Hard Rock, e pegando a onda do NWOBHM, foi realizada a primeira edição do “Monsters Of Rock”. Em vez de espalhar dezenas de bandas de diversos gêneros em vários palcos durante dois ou três dias de evento, o novo festival manteve as coisas simples: um dia, um palco, um gênero. O festival aconteceu todo ano, no meio de agosto, no circuito de Donington Park (que chegou a abrigar uma prova de Fórmula 1 em 1993), e atraiu grande público, ganhando fama, entre músicos e fãs, de maior e melhor festival de Heavy Metal do mundo.
Esse formato serviu bem durante muitos anos, com destaque para 1984 (ano em que se apresentaram AC/DC, Van Halen, Ozzy Osborne, Gary Moore, Y&T, Accept e uma banda nova, quase desconhecida, chamado Mötley Crüe) e 1988 (que contou com Iron Maiden como headliner, Kiss, David Lee Roth, Megadeth, Guns N’Roses e Helloween). Porém, com o tempo e as mudanças no mundo da música, foi ficando mais difícil de manter o antigo sucesso do “Monsters Of Rock”, e sua última edição foi em 1996.
A ausência do MOR foi simbólica naqueles anos de vacas magras para o mundo do Metal, principalmente na Inglaterra, onde o Britpop ganhou muito espaço na segunda metade dos anos 90, mas o festival deixou muitas saudades para muita gente. Enfim, o Metal não havia perdido seus fãs e o gênero começou a ganhar nova força no final dos anos 90 através de uma nova geração de aficionados, inspirando promotores a ressuscitar a ideia de um festival para as legiões de fãs.
Em 2003, nasceu o “Download Festival”, que seria realizado no seu lar espiritual, o circuito de Donington. Algumas mudanças vieram com o novo formato: o evento seria inicialmente dois dias (passando a três a partir de 2005); não seria mais um festival de apenas um palco (já houve até seis espalhadas pela arena); por fim, não seria mais um festival apenas de bandas de Hard Rock e Heavy Metal, já que aos poucos foram introduzidos grupos de Punk, Hardcore, Indie Rock e até de Rap e Música Eletrônica. Ao longo dos anos, o “Download” conseguiu conquistar os rockers e conta hoje com um público enorme.
Em 2011, “Download” apresentou System Of A Down, Linkin Park e Def Leppard como atrações principais, mas ‘perdeu’ financeira e moralmente para seu novo rival, o “Sonisphere”, que colocou nos palcos o Big 4 e Slipknot. A Inglaterra é um país relativamente pequeno, com 55 milhões habitantes, e é afastado da Europa continental, o que dificulta a chegada de fãs de outros países – e não suporta dois festivais de metal de grande porte. Porém, a concorrência acirrada entre “Download” e “Sonisphere” acabou sendo considerado algo bem positivo para o público.
Em 2012, o promotor do “Download” queria que seu festival voltasse a ser o principal evento do gênero. Assim, em outubro de 2011 o primeiro nome a ser revelado foi Metallica, que tocaria o “Black Album” na integra. Mas foi no dia 11/11/11 as 11h11 que o “Download 2012” se garantiu mesmo com a notícia de que a formação original do Black Sabbath iria voltar e tocar junto no festival. O “Sonisphere” tentou reagir, mas, não ia conseguir competir com Sabbath e acabou cancelando sua edição deste ano. Começava uma espera ansiosa de sete meses…
Onde fica?
Castle Donington fica mais ou menos no meio do país, a 200 quilômetros de Londres. É um lugar verde e bem pitoresco no interior da Inglaterra. Hoje o “Download Festival” não é mais realizado dentro do circuito de automobilismo, mas sim ao seu lado, nos campos ondulantes de uma fazenda. Mesmo assim, é possível divisar e até mesmo caminhar por trechos da pista. O local é longe das estações de trem e a estrutura deixa um pouco a desejar, já que a sinalização, por exemplo, nem sempre é eficiente – motorista do ônibus que nos levou ao local resmungou a certa altura, depois de rodar por quase uma hora procurando o lugar correto para desembarcar seus passageiros: “Nunca vi tanta gente orientando o trânsito sem ter a menor idéia do que está fazendo…”
Download 2012
O “Download” oferece muitas opções de ingresso: o cliente pode adquirir bilhete para apenas um dia por 80 libras (mais ou menos R$ 275) ou para os três dias (165 libras, cerca de R$ 565). Nesse último caso, por mais 35 libras (R$ 120) era possível garantir lugar em um dos campings oficiais do festival, ficando a cargo do público levar seu trailer ou barraca para passar três ou cinco noites num lugar mais ou menos próximo à arena onde os shows eram realizados.
O camping principal é bem básico mesmo, mas tem como apoio The Village, uma área composta por dezenas de trailers e tendas que comercializam comida (há até um minimercado dentro de um tenda) e itens necessários para acampar. Tudo isso seria bastante confortável para os inquilinos, não fosse a chuva…
Nos dias anteriores ao festival não faz sol nenhum dia, mas a chuva marcou presença. Isso não é estranho para Inglaterra, famoso pelo tempo ruim quase o ano inteiro, mas a primavera é notável pelo alto índice de chuva. E neste ano não foi diferente. A maioria dos fãs chega ao camping na quinta-feira para se instalarem antes dos shows começarem, o que acontece no dia seguinte, e esses foram justamente os dois dias que mais choveu, transformando os campings e as áreas de apoio em um mar de lama de 10 a 15 centímetros de profundidade. Por risco de deslizamento, um camping inteiro teve que ser evacuado na noite de quinta.
Para assistir os shows, a maioria dos nativos, já acostumados com a inclemência do tempo inglês, já vão prevenidos com botas. E quem não leva um par na bagagem tem que correr aos vendedores, que tinham estoques enormes de botas de borracha.
A arena onde os shows seriam realizados tinha previsão de abertura para o meio-dia da sexta-feira, mas, para tentar tornar as entradas mais seguras, os organizadores resolvem adiar por duas horas – um horror para os criadores da pontualidade britânica. Essa preocupação com a segurança pode ter sido por causa das mortes de dois fãs durante o “Monsters Of Rock” em 1988, quando a lama foi um fator na tragédia que aconteceu durante a apresentação do Guns N’Roses. As duas horas de atraso serviram para os organizadores espalhar palha pelo lugar, tentando diminuir o transtorno causado pela lama, e para desmontar algumas placas de informação que poderiam cair devido aos fortes ventos que também marcavam presença.
Embora muitas pessoas patinassem, escorregassem e até caíssem na lama, não houve registro de incidentes graves, e os shows começam a rolar cerca das 14h30 com Fear Factory no palco principal (chamado Jim Marshall Stage em homenagem ao recém-falecido criador dos lendários amplificadores). Até as 15h o verde do gramado tinha sumido quase que totalmente e a arena já se assemelhava a um campo de batalha da I Guerra Mundial.
Estrutura
No “Download” 2012 havia três palcos pequenos dentro de tendas, espalhadas pela periferia da arena, que ofereciam apresentações de bandas de médio a pequeno porte, e além de dois palcos maiores nos quais as atrações principais apresentavam shows de duração média de uma hora. A distância entre os dois palcos é de cerca de 800 metros, mas a lama dificultava – e muito – o vaivém dos fãs que gostariam de assistir um pouquinho de cada show. Era mais sensato escolher uma banda e ficar quieto em um só lugar.
E o som que chegava na plateia? Nos velhos tempos do “Monsters Of Rock”, o PA era controlado pelos técnicos do headliner e se tornaram lendárias as sabotagens que isso proporcionava. Como hoje quem comanda o som é a própria organização do evento, isso não ocorre mais. Mesmo assim, alguns problemas graves foram verificados, como o baixo volume com que o som chegava no fundo da arena do palco principal e até o vazamento de som entre os dois palcos, dependendo do local que você escolhesse para ficar.
Sexta-feira, 8 de junho
O primeiro dia do “Download” é normalmente o mais variado em termos de line-up e nos meses anteriores gerou muita controvérsia em fóruns de fãs na internet. Da mesma forma que “Rock In Rio”, no “Download” os promotores misturaram atrações de Rock com diversos outros gêneros, causando muita irritação dos fãs de Metal e Hard Rock. Será que os “cartolas” não acham que há rockeiros suficientes para vender todos os ingressos e estufar satisfatoriamente os seus bolsos?
O headliner no palco principal no primeiro dia foi o Prodigy, banda de Dance Music/Eletrônica, enquanto o ‘subheadliner’ foi o Chase And Status (Drum’n’Bass, Música Eletrônica). À tarde no mesmo palco teve NOFX, que apresenta uma mistura de Punk, reggae e piadas de mau gosto muito divertidas, o que fez a plateia esquecer um pouco a chuva e as condições abaixo dos seus pés.
Mais tarde teve mais Punk com Billy Talent. Obviamente, a política do festival foi usar o palco principal neste dia para bandas alternativas, mas por algum motivo impossível de entender, entre o Punk e a Música Eletrônica escalaram o Machine Head no mesmo espaço no finalzinho da tarde. A banda tem muitos fãs na Inglaterra – houve até um movimento na internet que promovia a ideia de o Machine Head ser um dos headliners do festival – e os fãs tomam todo o espaço em frente o enorme palco para assistir a banda.
Para a galera do Rock e do Metal, o cardápio do segundo palco (Zippo Stage) nesse dia acabou sendo, de forma geral, bem mais interessante, principalmente para a galera mais velha que curte o Rock dos anos 80 e 90. O Quireboys havia se apresentado no “Monsters Of Rock” de 1990, quando estava na sua fase de mais sucesso, e tocaram um set bem parecido com o daquele dia. Parece que estão usando as mesmas roupas, também – o cantor Spike, como sempre, com uma bandana na cabeça. Mesmo trocando de integrantes mais vezes do que a maioria das bandas troca cordas, o Quireboys sempre tocou um Rock’n’Roll Clássico e bem executado, mas o que torna o seu som especial é o vocal rouco de Spike. Cantando para fãs só de um lado do palco, pois o outro lado estava interditado por parecer mais um pântano, a banda animou o público, principalmente quando a chuva deu pausa durante sua apresentação.
Havia uma galera grande querendo para ver o Europe, mas, com quase todo o equipamento já montado no palco, surgiu o aviso de que a banda atrasou no aeroporto e não chegaria a tempo para fazer o show. Os organizadores aproveitaram o intervalo imprevisto para espalhar mais palha na lama e logo em seguida a área interditada foi reaberta para dar mais espaço aos fãs. A lama ainda predominava e atrapalhava bastante, principalmente se fosse preciso caminhar por ali, e as áreas mais próximas aos banheiros estavam simplesmente horrorosas. Deu saudades daquela área grande de asfalto que tinha no “SWU”, em Paulínia, ou do luxo daquele gramado sintético (e dos vasos sanitários tipo ‘igual lá em casa’) do “Rock In Rio” 2011.
O Little Angels, que separou em 1994, foi reformado justamente para tocar no festival e matar saudades dos fãs que lembram dos seis anos de sucesso da banda entre 1988 e 1994, quando surfava na mesma onda que Skid Row. O vocalista Toby Jepson, que em 1996 foi sondado para entrar no Van Halen, canta muito, levantando o astral da plateia que está na chuva novamente. Além dos instrumentos tradicionalmente associados com o Rock, Little Angels ainda conta com a participação interessante de um trompetista e de um saxofonista, o que dá um sabor bem diferente ao som. A banda dedicou uma música Michael Lee, seu antigo baterista falecido em 2008, e prometeu novo álbum novo e nova turnê.
O Opeth que veio a seguir, não conseguiu segurar o clima de alegria e diversão gerado pelo Little Angels. Suas canções longas e estruturalmente sofisticadas levaram os fãs de carteirinha ao delírio, mas entediaram boa parte do público. Porém, como em quase todos os shows do festival, a galera assiste de boa, sem jogar garrafas, o que na época do “Monsters Of Rock” foi a forma mais comum de “mandar o recado”. “Eis uma música que eu escrevi nos anos 80 e o Guns N’Roses roubou” brincou o vocalista do Opeth, Mike Akerfeldt, antes de tocar um trecho de Welcome To The Jungle. É o momento mais memorável em uma apresentação durante a qual muita gente ficou olhando o relógio, buscou mais cerveja no bar ou passeou pelas tendas ao redor da arena em que se vendiam não apenas os produtos oficiais do festival como também milhares de chapéus, roupas, acessórios etc. Mesmo assim, chamava a atenção o fraco merchandising das bandas que se apresentariam no festival – do Black Sabbath, por exemplo, estavam disponíveis quatro modelos de camisetas (bem fraquinhas, por sinal), um moletom e nada mais.
O Nightwish era a próxima atração a subir no segundo palco e foi bem melhor, tanto musica como visualmente, e não só pela presença da sueca Annette Olzon. A banda montou um palco impressionante – o teclado de Tuomas Holopainen parecia ter saído de um filme de Tim Burton – e havia tanta pirotecnia (como lança-chamas, por exemplo) que até o diabo ia se sentir em casa…A banda é formada por excelentes músicos e as canções bem compostas e impecavelmente executadas animaram a plateia – até os temais mais novos, num estilo mais Folk Metal, receberam uma reação mais que favorável. Dedicar uma música a um recém-falecido foi um dos temas do dia e o Nightwish toca seu “cover-hit” Over The Hills And Far Away para o autor da música, Gary Moore, britânico e ídolo dos rockers locais. Sucesso garantido.
Em seguida, a movimentação continuou intensa nos arredores do segundo palco para ver Slash com Myles Kennedy, show poderia muito bem ter sido realizado no palco principal. A notícia boa foi que, agora que Slash está tocando para públicos maiores com seu novo grupo, a ficha vai finalmente caindo para os antigos fãs do Guns N’Roses, já que enquanto Axl leva na bagagem hoje apenas o nome da banda, Slash carrega a alma das músicas. Em Miley Kennedy, Slash achou um cantor fantástico cuja voz flutua por cima dos riffs e solos do guitarrista. Ao contrário do Axl, Myles é muito mais cantor do que ‘frontman’, e isso cai bem no show, pois é Slash quem ganha a atenção dos ensopados em frente ao palco. É necessário também mencionar os demais integrantes da banda, que são músicos excelentes e cujo som complementa Slash e Myles com perfeição. Músicas do novo disco, Apocalyptic Love, foram apresentadas e aprovadas. Fora isso, o set list foi bem parecido com o CD/DVD Made In Stoke, e isso agrada, principalmente os clássicos do Guns Night Train, Rocket Queen, Sweet Child O’Mine, Mr. Brownstone e Paradise City, que com essa formação ganharam nova vida. O Guns N’Roses foi uma banda sensacional, mas muitas vezes as apresentações ao vivo, mesmo no auge de 87 a 93, deixavam a desejar musicalmente falando. No último “Rock In Rio”, por exemplo, a plateia esperou horas na chuva por causa da arrogância do Axl, que atrasou como sempre, saiu do palco um monte de vezes (deixando seus músicos fazendo solos medíocres) e ainda cantou a segunda metade com voz de Mickey Mouse. No “Download”, os fãs também esperaram muito tempo na chuva para ver Slash e a sua banda, mas foram presenteados com um show que começou na hora e foi simplesmente espetacular pelo brilho dos artistas, a franqueza do seu Rock’n’Roll e a riqueza do repertório.
Sábado, 9 de junho
Havia pouco movimento no camping sábado de manhã – a maioria certamente estava curando a ressaca e se recuperando fisicamente – mas os que estavam de pé comemoravam o fato de a chuva ter parado.
Melhor que isso, logo depois do café da manhã os shows começavam já as 11h da manhã. Quem foi ao “Rock In Rio” ou ao “SWU” de 2011 vai lembrar que as apresentações tinham início bem mais tarde. Ver bandas de Heavy Metal ao vivo já antes do almoço é uma experiência única no “Download”. E para começar o dia com o pé direito, tinha As I Lay Dying no palco principal com sua mistura de riffs e melodias bem sacadas. O set, de apenas meia hora, foi curto, mas a banda liderado por Tim Lambesis deixou uma boa impressão e poderia ter tido mais impacto se tivesse tocado mais tarde.
“Muito legal ver tantas pessoas aqui já na hora do almoço” diz Biff Byford, vocalista do Saxon. E tinha uma galera mesmo, na maioria pessoas de 40 a 50 e poucos anos que curtem a banda desde o seu início no NWOBHM. Na bagagem, um set list de verdadeiros hinos do Heavy Metal: Denim And Leather, Wheels Of Steel, Princess Of The Night e 747, com Biff cantando os versos e a plateia gritando os refrãos. O Saxon não oferece nada novo, mas tem a receita perfeita para um festival desse tipo, dando força ao argumento que bandas deveriam limitar a promoção de álbuns novos para suas próprias turnês, optando por tocar apenas os clássicos nos festivais.
Quem decidiu escalar o Black Veil Brides logo depois do Saxon no palco principal estava de brincadeira. Até que o som da banda não é ruim, mas para quem acordou para ver Saxon e ia ficar no lugar até o Metallica terminar seu set onze horas mais tarde, o Black Veil Brides não agradou muito e, pela primeira vez no festival, algumas garrafas foram lançadas em direção às “caras-pintadas” no palco. “Eu sei que vocês que estão jogando merda porque acham que somos gays”, disse o vocalista e baixista Andy Biersack. “Mas Rock’n’Roll não é isso, é se divertir, e nós gostamos de fazer isso. Se vocês não gostam, podem virar as costas.” Algumas garrafadas mais tarde, ele acabou mostrando a bunda para a plateia. Foi uma pena ver isso, mas a culpa maior é dos organizadores.
O que o povo realmente queria, pelo jeito, era o Trivium, e os mosh pits começaram a acontecer ativados já na primeira música. Embora seja uma banda americana, o Trivium é um espécie de ‘prata da casa’ do “Download”, já que foi lançado para o sucesso após tocar na edição de 2005. “Este foi o primeiro país a reconhecer Trivium como uma banda legitima, e por isso sempre amaremos este festival”, disse o vocalista e guitarrista Matt Heafy. Pela reação do público, a banda poderia voltar todo ano.
No meio da tarde, mesmo faltando umas cinco horas para os pesos-pesados do dia, o Metallica, entrarem em cena, a arena começa a lotar a área em volta do palco principal. Assim, parece que a segunda banda na preferência do público é o Steel Panther. Para quem não sabe, o grupo é uma paródia musical e visual das bandas do Glam/Hair Metal do final dos anos 80. Formada por músicos altamente competentes e contando com o excelente frontman Michael Starr (cruza de David Lee Roth com Vince Neil), a banda brinca, conta piadas, incentiva a mulherada na plateia a mostrar os peitos e também toca faixas dos seus dois álbuns, Balls Out (2001) e o excelente Feel The Steel (2009). Há riffs pesados, letras irreverentes e engraçadas, e um clima de pura diversão. Em Death To All But Metal Corey Taylor (Slipknot, Stone Sour) subiu ao palco para dividir os vocais com Starr. Nesse dia, foram doze horas de música no “Download” e o show memorável do Steel Panther foi a forma perfeita de dividir o dia em duas metades.
Gostou da comédia? Pois tinha mais! Meia hora depois, no mesmo palco, foi a vez do Tenacious D, o projeto musical egocêntrico do ator Jack Black. Tudo bem, o filme que deu origem à ‘banda’ foi legal e muita gente curtiu “Rock School”. Além disso, Jack Black é um ator legal e engraçado e tal. Mas o show, que abusa de canções fúteis no violão, flutuou entre o insuportável e o patético. Foi mais ou menos a dupla Black Jack e seu amigo careca, Kyle Gass, reapresentando o longa metragem ao vivo. Jack deveria ficar no cinema e deixar os shows de Rock para músicos que vivem a música e para os fãs que vivem por causa da música.
Se o show do Tenacious D foi chato, Biffy Clyro foi simplesmente um tédio. A essa hora o festival precisava de uma banda para levantar o público enquanto esperava para ver os donos da festa, mas não foi o que ocorreu. Se houve ponto positivo de se ter essa banda escocesa no festival, é que deu tempo para ir ao banheiro, comprar algo para comer e beber e até tirar um cochilo.
O sábado foi o primeiro dia a ter todos os ingressos esgotados e a grande maioria dos cem mil espectadores estava ali para ver o Metallica tocar o “Black Album” na íntegra. Ainda estava claro quando, às 21h, a banda apareceu no palco: todos de preto e Hetfield vestindo um colete com ‘patches’ dos grupos que influenciaram o Metallica. A abertura foi de forma fulminante com Hit The Lights, seguida por um Master Of Puppets poderoso. Mas o foco do show era o lendário disco de 1991, que é antecedido com uma apresentação no telão mostrando imagens da época. Como os maiores hits estão no início do álbum, ele é apresentado de trás para frente e faz a plateia viajar no tempo. Os destaques são Nothing Else Matters, que contou com milhares de backing vocals e comoveu, Wherever I May Roam, que sacudiu o lugar, e também The Unforgiven, Sad But True e Enter Sandman. É fato sabido e reconhecido que o Metallica não faz shows ruins, mas esse foi histórico por ser no ‘lar do Metal’, “Donington”, onde a banda estava tocando pela sétima vez desde 1985.
O problema de se tocar um disco na íntegra é que muitos clássicos acabam sendo deixados de lado – e já imaginou um show da banda sem Creeping Death? Pois é… Isso acontece nesse show e a música faz falta. Mas nem todos os clássicos foram esquecidos: ainda rolaram For Whom The Bell Tolls, Battery, One e o encerramento habitual com Seek And Destroy, fazendo cem mil pessoas pirarem.
Domingo, 10 de junho
Finalmente, o sol resolveu participar do “Download Festival” e o domingo amanheceu totalmente sem chances de chuva. Isso fez com que as condições sob nossos pés ficassem bem melhores. Era um dia para os headbangers se animarem mais ainda e, para facilitar, o DevilDriver entrou no palco principal antes do meio dia para tocar para um público já bastante numeroso. A banda tem um estilo bem definido e não foge muito dele – quem ainda está de ressaca não curte, já que o set foi curto e brutal. Destaque para Clouds Over California, durante qual abriu uma imensa roda no meio do público.
Em seguida, era a vez do Kyuss Lives (o Kyuss parcialmente reformado), que toca um Rock mais convencional e menos agressivo, mas que não ganha a atenção de muitos.
O Anthrax apareceu no Jim Marshall Stage um pouco antes das 14h e o movimento se intensificou. Fazia 25 desde que a banda se apresentara pela primeira vez no festival, e ela foi recebida com muito carinho. A apresentação do grupo foi criminosamente curto – tocaram apenas sete músicas – mas o fizeram com muito entusiasmo e sua empolgação tomou conta da plateia. Com certeza, um horário mais apropriado e com um set de pelo menos uma hora em vez dos quarenta minutos que lhes foram destinados, teria sido bem justo. Mas, de todo modo, foi tempo suficiente para delirar durante o show inteiro, principalmente no início, com Caught In A Mosh, e no final, com Madhouse e Indians, durante a qual o vocalista Joey Belladonna usou um cocar de índio norte-americano que tomou emprestado de um fã. Para fechar o set, I Am The Law.
A próxima atração foi, ao menos, coerente com aquela que veio antes: Black Label Society, que mostrou que tamanho, sim, é documento e chegou com um backline gigantesco de amplificadores Marshall. Podia ser um tributo ao recém-falecido criador, Jim Marshall, ou talvez fosse mesmo fazer o máximo de barulho possível, pois, de certa forma, BLS é bem mais barulho do que música. O excesso de guitarras distorcidas faz que todas as músicas soam bem parecidas e Zakk, como sempre, exagera nos solos, coisa que ele não precisa fazer; todos já sabem das credenciais dele.
Enquanto isso, no segundo palco, era hora de o Sebastian Bach entrar em cena. O cantor, que esteve recentemente no Brasil, está vivendo o melhor momento da sua carreira desde os tempos do auge do Skid Row e a sua felicidade é óbvia. A voz pode não ser mais tudo aquilo que foi nos anos 80 e 90, mas continua com muita potência e na hora daquelas notas mais agudas ele conta com o backing sempre providencial do guitarrista Nick Sterling, que, como os demais integrantes da banda, criam uma plataforma sólida para ‘Tião’ soltar os gritos dos velhos sucessos, como Monkey Business, 18 And Life, I Remember You e Youth Gone Wild.
No segundo palco era a vez do Ugly Kid Joe dar seu recado. Sua presença no line-up do festival teve cheiro de ‘encheção de linguiça’ e seu set foi basicamente uma regurgitação cansada de canções esquecíveis, com a possível exceção dos ‘pop hits’ que abriram espaço para a banda nas rádios e na MTV.
A maioria dos fãs já sabiam que o Ugly Kid Joe ia ser algo dispensável e se juntaram novamente em frente ao palco principal para assistir a um show de primeira linha do Lamb Of God. Sutileza não com eles, definitivamente, e com Walk With Me In Hell a banda começou uma autêntica surra musical de uma hora. Foi intenso. Depois do Lamb Of God o Megadeth é quase um Metal ‘leve’, mas eles, e principalmente Dave Mustaine, são reverenciado onde vão e é claro que em Donington não seria diferente. Tocando um set list bem parecido com o apresentado no “SWU” do ano passado, a banda sai do palco ovacionada e volta para tocar a trinca A Tout Le Monde, Angry Again e Holy Wars. As músicas velhas e novas mesclam-se muito bem e o show do Megadeth parece melhor cada vez que se vê a banda.
Só que ainda tinha Black Sabbath por vir e muitos fãs ansiosos para conseguir um lugar perto do palco principal já se espremiam na frente do placo mesmo faltando ainda duas horas e meia e uma banda para tocar antes: o Soundgarden. Trata-se de uma banda muito boa e que fez um show excelente, mas a política do “Download” de colocar grupos de estilos diferentes no mesmo palco e no mesmo dia é, no mínimo, questionável. Com certeza tem a ver com arrecadação de dinheiro – incentivando fãs a comprar o ingresso de três dias em vez de apenas um. Se isso garante o resultado financeiro do festival e significa que ele vai continuar por mais dez ou vinte anos, tudo bem. Mas, neste caso, a grande maioria dos cem mil presentes ao último dia do “Download” 2012 havia comprado o ingresso para ver os bisavôs do Heavy Metal. Seja como for, Chris Cornell & Cia. deram o recado com classe e competência, provando que o Soundgarden é disparado a melhor banda surgida daquele movimento que se convencionou chamar de Grunge.
Porém, o frenesi se instalou quando, precedido por um vídeo, o Black Sabbathentrou em cena e começou os trabalhos com Black Sabbath, a canção que deu à luz um novo gênero de música (e depois vários subgêneros também). Aqueles três acordes, virtualmente hipnotizando as cem mil pessoas presentes, fizeram com que, por um momento, todos esquecessem da novela “toca-não-toca” envolvendo Bill Ward. Afinal, ter em cena três das quatro lendas não é de todo mal e, embora não seja “peça original da fábrica”, Tony Clufetos é um substituto mais do que capaz na bateria.
Ozzy, como sempre, comanda o show, mas é Tony Iommi (‘o verdadeiro Iron Man’ como disse Ozzy antes de dar um beijo no rosto do guitarrista) quem recebe enorme carinho por parte do público. Sorridente e mostrando estar muito bem tanto física como musicalmente, o guitarrista foi literalmente reverenciado nas três vezes em que Ozzy apresentou-o. Já o vocalista provou que não consegue mesmo fazer um show longo. Foi bem até a terceira música, a partir de então a voz começou a falhar e a afinação disse ‘adeus’. Quando fez a introdução de The Wizard na gaita era evidente que estava completamente sem fôlego, parecendo que precisava dar uma sentadinha para se recuperar… Como um dos maiores frontmen da história do Rock, Ozzy tira isso de letra e compensa com uma movimentação de palco muito mais intensa do que costuma fazer. Enquanto isso, os demais músicos mostram verdadeira perfeição em seus instrumentos.
O show seguiu com Behind The Wall Of Sleep e, após rápido solo de contrabaixo, Geezer dedilha as primeiras notas de NIB, levando a arena inteira a uma espécie de êxtase coletivo. Into The Void e Under The Sun são as seguintes e ficava óbvio que esta apresentação era a melhor dentre os quase 150 shows acontecidos nos três dias de festival. E era assim mesmo que tinha que ser, pois sem Black Sabbath não existiria o Metal, nem as bandas que se apresentaram antes dos mestres.
Snowblind, War Pigs, Sweet Leaf, Symptom Of The Universe, Iron Man (com direito a mais uma ovação a Iommi), Fairies Wear Boots, Tomorrow’s Dream e Dirty Women são recebidas como se fossem joias preciosas. É impressionante o carinho que os fãs, de todas as idades, têm para esses três músicos, já idosos e fisicamente desgastados pelos mais que 60 anos de vida e 40 e tantos de carreira. Porém, mesmo que os protagonistas envelheçam, a música que eles criaram é eterna, tanto por parte deles como das milhares de bandas que tiraram sua inspiração do Black Sabbath.
O quarteto ainda voltou para um bis: a introdução de Sabbath Bloody Sabbath vai direto para mais um hino – talvez o maior de todos –, Paranoid. E logo o show acaba. O “Download Festival” se despedia com a tradicional queima de fogos artificiais e, ainda no palco, os integrantes do Black Sabbath se abraçaram e se agradeceram a imensa plateia – só que era a plateia que deveria se curvar para eles.
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