É quase uma entrevista tirada do fundo do baú, uma vez que, apesar de não ser antiga, deveria ter ido para o YouTube. No entanto, por causa de problemas no arquivo de vídeo, o bate-papo com John Petrucci acabou engavetado. Até agora! Isso porque na conversa com o guitarrista – antes de ele, James LaBrie (vocal), John Myung (baixo), Jordan Rudess (teclados) e Mike Mangini (bateria) embarcarem para o Brasil, onde tocaram no Rock in Rio – rolou muita coisa legal: Grammy, Mike Portnoy, a relação com os fãs brasileiros…
Seria um pecado deixar essa conversa eternamente guardada, afinal, quem não gosta de pegar, por exemplo, aquela edição antiga da ROADIE CREW para dar uma revisitada em entrevistas e matérias passadas? Além disso, o timing da entrevista casa com o Ranking Crew do Dream Theater que estreou no canal… Espera aí! Como assim você não assistiu ao episódio ainda? Ok, o vídeo está incluído nesta mesma página, então você pode conferir logo depois da leitura. Divirta-se!
Além de compor, gravar e lançar três álbuns (N.R.: “Terminal Velocity”, segundo trabalho solo; “LTE3”, do Liquid Tension Experiment; e “A View from the Top of the World”, do Dream Theater), como você passou a pior parte da pandemia?
John Petrucci: Cara, esses três discos foram boa parte da pandemia! (risos) Passei boa parte do meu tempo no estúdio, criando, mas, como a maioria das pessoas, também fiquei mais tempo em casa, com a minha família. Como invariavelmente estou fora em turnê, é algo que normalmente não acontece. É óbvio que foi bizarro e assustador, mas poder passar esse tempo com a minha família foi especial, e poder finalizar alguns projetos musicais que estavam parados também foi muito bom.
Então, qual foi o sentimento de finalmente poder voltar aos palcos? Como tem sido até agora?
John: Foi ótimo! Começamos no início de fevereiro, quando tocamos nos EUA e no Canadá, e naquela época ainda havia restrições. As pessoas estavam começando a voltar aos shows. Em alguns lugares, elas usavam máscaras, em outros não usavam, e foi um pouco estranho. Tínhamos que ser bastante cuidadosos, então seguíamos diretrizes restritas. No entanto, mesmo com tudo isso, foi ótimo voltar aos palcos! Foi muito especial ver pessoas de verdade na sua frente e poder tocar músicas ao vivo! Foi muito, mas muito legal! Depois disso, fizemos a perna europeia da turnê, o que foi ainda mais complicado, porque fomos de um país para outro, só que, ainda assim, foi maravilhoso! O público foi fantástico, e nós adoramos. Todos se mantiveram saudáveis. As pessoas estão voltando aos shows, e isso é sensacional.
Uma última pergunta antes de falarmos dos shows no Brasil: tive a oportunidade de parabenizar James LaBrie logo depois do Grammy, quando o entrevistei, então agora pergunto a você como foi estar lá, ganhar o Grammy e subir no palco para fazer o discurso vencedor?
John: Pois é, cara! A banda não foi. Somente eu, acompanhado da minha esposa, Rena. A cerimônia foi em Las Vegas, e nós nos divertimos, mas estar naquele lugar e ouvi-los dizer “Dream Theater, com ‘The Alien’” foi uma sensação tão… Estranha! (risos) Eu não esperava por isso! Nunca! Foi a nossa terceira indicação (N.R.: a primeira foi em 2012, com “On the Backs of Angels”, e a segunda, em 2014, com “The Enemy Inside”), e é lógico que ganhar é ótimo, mas a verdade é que nunca esperamos levar o Grammy, então eu fiquei muito surpreso, honestamente. Corri para o palco para receber o prêmio, e eles nos avisaram, logo no início, que o discurso tem que ser curto ou então começam a tocar a música e cortam você. Assim, eu comecei a falar muito rápido, torcendo para não me esquecer de ninguém (risos). O mais estranho é que, ao deixar o palco, você não fica com a estatueta! Eles pegam de volta e mandam via correios. Aliás, somente hoje, um pouco antes de falar com você, eu recebi a minha estatueta. Finalmente ela chegou! (risos) Aquele dia foi muito surreal e emocionante, um redemoinho de emoções, e algo muito especial para o Dream Theater, porque bandas de metal progressivo como nós normalmente não conquistam um Grammy (risos).
E agora tem o Rock in Rio, que será especial para o Dream Theater…
John: Sim! É um festival muito famoso. Nós já assistimos a muitos vídeos de edições passadas, e nos parece um evento incrível. Nós tocamos no Brasil muitas vezes, mas nunca no Rock in Rio, por isso estamos bastante animados. Acredito que será fantástico!
Assim como fez em 2019, quando inverteu com o Scorpions, o Iron Maiden pediu para não ser a última banda a tocar, então o Dream Theater será a atração principal. Você já havia pensado que um dia o Iron Maiden abriria, digamos assim, para o Dream Theater?
John: (rindo bastante) Essa é realmente uma situação muito engraçada! Em primeiro lugar, é sensacional tocar no mesmo palco que o Iron Maiden. Já fizemos turnê abrindo para eles, e foi fantástico. Eles não estarão realmente abrindo para nós, mas até que podemos dizer que sim (risos). Aconteceu algo parecido conosco há alguns anos, num festival em que dividimos o palco com o KISS, que tocou antes de nós. É uma sensação estranha! (risos) Não sei como é no Rio, mas provavelmente será muito tarde, não?
Creio que por volta de 1h…
John: Sério?!
Espera um pouco que vou checar… Na verdade, às 23h.
John: Ah, sim! Bom, só espero que as pessoas ainda estejam lá para nos ver! (risos) Vai ser tão divertido, e mal posso esperar!
Já se passaram 25 anos desde que o Dream Theater veio ao Brasil pela primeira vez, e a banda desenvolveu um forte relacionamento com os fãs brasileiros. Primeiramente, como você explicaria essa conexão?
John: Há algo na nossa música que se conecta muito bem com os fãs brasileiros. Não sei dizer o que é. Não sei se é a natureza progressiva, porque com certeza o metal é, mas tem algo no progressivo que, no momento em que pisamos no Brasil, nos fez sentir imediatamente esse amor. Desde então, a cada nova ida ao país, é sempre uma grande experiência. Até mesmo quando são lançados os discos, porque nós observamos a recepção a eles em diferentes partes do mundo, e as vendas são sempre boas no Brasil. Acredito que os brasileiros se interessam pela intensidade da nossa musicalidade, se identificam com ela. E cantam muito alto junto com a banda, então há algo sobre o elemento melódico, também. Lembro-me da primeira vez que tocamos aí, porque foi tipo ‘Uau! O público brasileiro é incrível!’.
E vocês já estiveram aqui nove vezes antes dessa nova visita (N.R.: 1997, 1998, 2005, 2008, 2010, 2012, 2014, 2016 e 2019). Quais são suas melhores lembranças das turnês até agora?
John: Sempre foi especial para nós tocar no Brasil, mas devo dizer especialmente a primeira vez, quando conhecemos a cultura, as paisagens e um clima que nunca tínhamos visto antes (risos). Foi incrível! E a comida, cara! (risos) Nós tocamos em todos os lugares, então cada um tem suas particularidades, mas, como somos norte-americanos, é diferente quando vamos à América do Sul. Não se parece com nada do que temos aqui, e é por isso mesmo que é emocionante. Parece uma aventura. É muito especial estar em cidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, porque não temos nada assim onde nós moramos, então, minha principal lembrança é a de entrar no palco, porque é emocionante. Eu gostaria que todas as bandas pudessem experimentar essa sensação, porque não tem como descrever a sensação de subir ao palco e perceber a reação do público da forma como acontece no Brasil. É realmente único. Aliás, eu não acredito que até hoje não gravamos nenhum disco ao vivo no Brasil! Temos de fazer isso!
Vamos falar de uma parte dessa história. Você se reconectou com Mike Portnoy no nível de fazer música juntos novamente, mas devo perguntar como foi tê-lo assistindo a um show do Dream Theater e, depois, encontrando com todos os integrantes da banda nos bastidores?
John: Sabe, eu conheço o Mike desde os meus 18 anos, e estivemos na mesma banda por 25 anos. Sempre fomos amigos, nossas famílias são muito próximas, e nós dois temos nos encontrado esse tempo todo, só que Mike e James nunca haviam voltado a se falar, então foi muito especial aquilo ter acontecido. Fiquei muito feliz por eles. Sei que foi estranho para o Mike assistir ao Dream Theater ao vivo, e ele mesmo me disse que foi um pouco esquisito, mas tudo bem. Fiquei é com pena dele, porque os fãs é que ficaram falando sobre isso com ele na plateia (risos). Foi muito legal ter todos juntos num show tão especial, e vou lhe contar uma coisa: começamos essa entrevista falando dos últimos dois anos, da pandemia, e é em momentos assim que nos damos conta do que o que realmente importa são nossos relacionamentos, nossos amigos. Eu e Mike sempre fomos e continuamos muito amigos, mas ver James e Mike juntos e sorrindo, com boa vontade e uma energia boa, foi muito contagiante. Espero que mais contagiante do que o vírus (risos).
Há uma pergunta que fiz a James LaBrie e, também, a Jim Matheos, mas eu gostaria de saber sua opinião. Considero Queensrÿche, Fates Warning e Dream Theater a santíssima trindade do metal progressivo, mas o Dream Theater se tornou o maior expoente em longo prazo, com uma crescente e mais forte base de fãs do gênero. Como você explicaria isso?
John: Desde o início, o mais importante para nós era tocar ao vivo, então, quando começamos, fizemos muitas turnês e sempre tentávamos ir a lugares onde não havíamos ido antes. Nós começamos as turnês com o “Images and Words” (1992), e levou alguns anos para finalmente tocarmos no Brasil. Tão logo o fizemos, não paramos mais de voltar, e creio que o Iron Maiden também tem essa conexão com os fãs brasileiros. Eu era muito fã de Iron Maiden quando garoto, assistia aos vídeos da banda tocando na América do Sul, e era isso que eu queria fazer da minha vida, porque era nítida que a conexão com o público durante os shows era extremamente importante para eles. Acredito que o Dream Theater seguiu esse modelo, e é por fazermos isso desde o início que conseguimos construir uma carreira sustentável. Além disso, lançamos muitos discos, talvez até mais do que Queensrÿche e Fates Warning. Lançamos álbuns de forma consistente, a cada dois anos, então há sempre algo novo para as pessoas ouvirem (N.R.: o Dream Theater tem 15 álbuns de estúdio; o Queensrÿche, 16; e o Fates Warning, 13. No entanto, John Petrucci e companhia de fato se sobressaem devido ao generoso número de trabalhos ao vivo).
Para encerrar, John, quais seriam os cinco discos que você escolheria para mostrar a alguém que não o conhece? Claro que tem muito mais música por vir, mas aqueles trabalhos que mostram quem você é como guitarrista e compositor. Como artista…
John: Como guitarrista, indico os meus discos solo, “Terminal Velocity” (2020) e “Suspended Animation” (2005), porque neles é guitarra pura. Como banda, o Dream Theatyer tem um catálogo bem grande, e mesmo que essa possa ser uma resposta cliché, porque você deve ouvir essa mesma resposta o tempo todo de outras bandas (risos), devo dizer o nosso último disco. Isso acontece porque é o mais novo motivo de orgulho para uma banda, porque é a representação real de quem você é agora como músico, compositor e produtor, então é claro que tenho de colocar “A View from the Top of the World” (2021) na lista. O Liquid Tension Experiment é algo do qual me orgulho muito, e também por poder trabalhar com Mike, Jordan (Rudess) e Tony (Levin), por isso escolho o “LTE3” (2021). Nos quatro nos divertimos demais gravando esse disco! E como comemoramos agora os 20 anos do lançamento de “Images and Words” (1992), também o escolho.
Confesso a você que eu tinha uma ponta de curiosidade para saber se “The Astonishing” (2016) seria mencionado, porque, apesar de os fãs não o terem recebido bem, você criou todo o conceito…
John: “The Astonishing” é um disco muito diferente de tudo o que fizemos. Sim, é uma história que eu escrevi, e Jordan e eu compusemos uma trilha sonora para essa história. Temos muito material ao vivo desse disco, mas nunca lançamos, e também não filmamos nenhum dos shows, embora eu me arrependa por não termos feito isso. Eventualmente, podemos lançar em áudio, porque temos mesmo muitas gravações ao vivo. Bom, no curso da longa carreira que temos, sempre achei que, sendo eu uma pessoa criativa, é sempre bom tentar coisas novas, mas preservando a identidade da banda. É importante manter a identidade e permanecer interessante e criativo ao mesmo tempo em que se tenta coisas diferentes, e manter esse equilíbrio ajuda a sustentar uma longa carreira. Agora, é impossível imaginar se os fãs vão gostar de 100% do que fazemos, porque não há como prever isso. Está fora do nosso controle, mas enquanto um artista criativo, e eu tentei dizer isso no meu curto discurso no Grammy (risos), é importante ser genuíno no que se faz. Acreditar no que se faz e fazer com convicção, lançar e deixar acontecer. Isso é importante para a música e, também, para que você se sinta sempre orgulhoso do que faz. Se fizer sucesso ou não, o que importa é que alguém ouviu, e isso me orgulha.
Obrigado pela entrevista, John, e o espaço final é todo seu…
John: Mal podemos esperar para voltar ao Brasil! Amamos a dedicação dos fãs que nos acompanham aí, e esse retorno será incrível!