Por Chris Alo – Fotos: Makila Crowley
Eu adoro mashups (N.T.: quando se mistura duas coisas, em geral músicas, aparentemente inconciliáveis). Principalmente quando essa prática invade o território do heavy metal. É algo ao mesmo tempo estranho e instigante quando um DJ mistura duas músicas vindas de mundos completamente diferentes para criar algo novo. Como, por exemplo, fundir o vocal de Debbie Harry (Blondie) em Call Me com Phantom of the Opera, do Iron Maiden. Tem tudo pra dar errado, mas funciona e o resultado é bem divertido.
E é exatamente assim que me senti sobre o 70,000 Tons of Metal Cruise. É um formato europeu de festival de metal, com cerca de sessenta artistas num luxuoso cruzeiro com destino ao Caribe, com mais de três mil headbangers a bordo, vindos de 75 diferentes países. É um negócio maluco, aparentemente impossível de dar certo, mas no fim das contas é uma experiência daquelas pra levar pelo resto da vida.
Eu e minha esposa Denise já tínhamos feito três desses cruzeiros, incluindo a primeira edição do 70,000 Tons of Metal, em 2011. Hoje os navios são maiores e as bandas também, mas fora isso pouco mudou. É uma imensa festa flutuante que dura quatro dias e a programação foi bem semelhante à das edições anteriores.
O primeiro dia é dedicado principalmente ao embarque, então os shows começam mais tarde. Já o segundo dia é uma jornada de nada menos que vinte horas de música. No terceiro dia você acorda na ilha que era o destino da viagem, então não há muitas apresentações. Mas último dia volta a ter show atrás de show, mais vinte horas de música.
O navio sai de Fort Lauderdale, na Flórida, e longas filas se formam no porto. Mas tudo é tremendamente bem organizado. A ansiedade antes de ingressar no navio é quase elétrica e quando você finalmente entra no The Independence of the Seas a emoção é de tirar o fôlego. É todo grandioso lá dentro, dos lustres pendurados nos tetos abobadados incrivelmente altos até as escadarias com corrimões dourados. É realmente impressionante. E fica inevitável pensar: será que esse ambiente luxuoso é de fato o ideal para se ouvir músicas como I Cum Blood (Cannibal Corpse) ou Fucked by Satan (Goatwhore)? Tem tudo para ser uma experiência no mínimo bizarra. Mas, enfim, a palavra é mashup…
Mille, meu amigo
Como é de hábito quando você faz um cruzeiro, uma vez lá dentro a primeira providência é procurar algo para comer. Havia um enorme bufê à disposição dos passageiros e logo que me servi e me acomodei, percebi que estava ao lado de ninguém menos que Mille Petrozza, vocalista do Kreator. Meu primeiro impulso foi falar com ele e logo lembrei olhando seu prato que ele é vegano. Mas em seguida pensei melhor e resolvi deixá-lo comer em paz com seus amigos.
Tudo bem, não falei com Mille, mas isso não queria dizer que não ia encontrar com outros rockstars. Em outras idas ao restaurante ao longo da viagem, conversei com Snake (Voivod) e L. Ben Falgoust II (Goatwhore). Também perdi as contas da quantidade de vezes que cruzei com Schmier (Destruction). E fica a dúvida: se ele come tantas vezes ao dia quanto eu, como consegue permanecer tão magro?
Enfim, essa possibilidade de encontrar com vários de seus músicos favoritos é uma das grandes vantagens do 70,000 Tons of Metal. Não há bastidores, nem camarins para os músicos se aprontarem, muito menos área VIP. Os músicos são passageiros como você durante toda a viagem. Então, chega uma hora em que você até acostuma a cruzar com músicos do Korpiklaani ou com o vocalista do Dark Tranquility ao longo dos quatro dias de viagem, o que te possibilita tirar uma foto ou até dividir uma cerveja com eles.
Que venha o metal!
Sim, havia muito que comer e beber, mas não podemos esquecer nossa prioridade: a música. A primeira banda que eu vi foi o Primal Fear no palco Studio B. Começando o set com Final Embrace, os alemães se mostraram cheios de energia e a galera entrou no clima do show logo de cara. O local, em estilo de anfiteatro, tinha 760 cadeiras e espaço para mais algumas centenas em pé – e todos estavam se divertindo a valer com o Primal Fear, que pareceu a banda perfeita para dar início aos trabalhos. O vocalista Ralf Scheepers aparentemente não deixou de ir um dia sequer à academia desde a última vez em que o vi – o cara está realmente forte!
Seus conterrâneos do Destruction foram os próximos a se apresentar no Studio B e o clima não arrefeceu. Começando com Curse the Gods, o power trio mostrou que seu thrash metal continua soando fantástico. Só que eles só eram vistos quando alguém tirava uma foto com flash porque, por algum motivo, quem estava cuidando da iluminação deixou a banda o tempo todo numa penumbra avermelhada, eventualmente ligando uma luz estroboscópica. Ou seja, ficava difícil ver a banda – um completo contraste com o Primal Fear, que ficou o tempo todo sob as luzes. E isso se tornou uma espécie de padrão para todas as bandas de thrash, black ou death metal – todas foram mal iluminadas. Quem pagou pelo ingresso queria ouvir e ver a banda e espero que isso seja corrigido no futuro. Esse foi um dos pequenos problemas que não deixaram a viagem ser absolutamente perfeita.
Encerrado o show do Destruction, houve um intervalo de quinze minutos antes da apresentação do Kreator, que aconteceu no Alhambra Theatre, um espaço enorme, com três andares e assentos para mais de duas mil pessoas. Mesmo assim, tinha muito mais gente que isso – parecíamos sardinhas em lata! E o lugar veio abaixo assim que a banda começou com Phantom Antichrist e Hordes of Chaos. À medida em que Mille & Cia. desenvolviam seu set, dava para perceber a energia emanando no lugar. E não era apenas uma banda fazendo seu trabalho, já que dava pra sentir o balanço do navio sob nossos pés.
No mud!
E foi assim que passei minhas férias de inverno: correndo por um navio lotado atrás das próximas atrações. Peguei um pedaço do show do Benediction, comi algo rapidamente no bufê e desabei escada abaixo para chegar a tempo de ver o Metal Church. Só que, ao contrário de um festival open air como Wacken ou Hellfest, se quiser você pode relaxar num dos decks e tomar uma bebida à beira da piscina. O Independence of the Seas tem nada menos que trinta bares a bordo – melhor de tudo, eles nunca fecham! E eu juro: em absolutamente todas as vezes em que dei uma passada pelo Schooner Bar para pegar uma bebida antes de voar para o show seguinte, os caras do Cannibal Corpse estavam lá, conversando e bebendo com os fãs.
Como eu disse, se você quer ter a experiência de estar num verdadeiro festival de metal sem o desconforto que isso normalmente representa, esse é o lugar certo. Não vai ter que pisar em lama ou urina, comer cachorro-quente o tempo todo ou ficar fedendo suor. No fim do dia, você tem uma cabine quatro estrelas esperando você, um chuveiro quente e comida de qualidade. Isso sem mencionar as piscinas, o cassino a bordo, o serviço de quatro e muito mais.
Talvez isso ajude a deixar o clima tão amistoso e agradável a bordo. Durante todos os dias, a atmosfera foi simplesmente maravilhosa, até difícil de descrever. É um navio com milhares de pessoas de dezenas de países diferentes. Mas você não vê um clima ruim, assuntos como política ou religião ficam em terra firme e todo mundo tinha apenas uma preocupação: se divertir. Todos comungavam um mesmo intuito, que era curtir heavy metal. Pra deixar tudo melhor, os membros da tripulação se mostravam extremamente simpáticos e solícitos o tempo todo. Pode soar como um clichê, mas não era um navio com três mil estranhos, mas com três mil fãs que nunca haviam se encontrado antes. Será que era isso mesmo? Ou será que era o álcool funcionando?
Praia e mais shows
Quando chegamos ao nosso destino, você acorda se dando conta de que o navio está ancorado na ilha de Grand Turk, que é a capital das Ilhas Turcas e Caicos (N.T.: território britânico ultramarino localizado no Caribe). Há vários passeios para se fazer por lá – incluindo um encontro casual com os caras do Messhuggah na praia. Tudo bem que a ideia de mergulhar com alguns de seus ídolos pode parecer uma ideia sensacional, mas depois de três dias de muita bebida, comida e heavy metal, preferi ficar sentado naquela praia maravilhosa, admirando o mar de águas transparentes e tomando minha piña colada, enquanto observava o pessoal do Enslaved e do Witchery passeando sob o sol inclemente com suas peles absolutamente brancas.
No fim das contas, acho que meu dia favorito da viagem foi o último, quando fiquei um bom tempo aproveitando o sol perto do palco da piscina – que era o maior palco já construído dentro de um navio. Poder ver a reunião do power trio canadense Exciter com a banda tocando Pounding Metal e Long Live the Loud numa manhã ensolarada foi algo que beirou o inacreditável.
Após mais algumas cervejas, assistir o Leaves’ Eyes foi perfeito para que o sangue voltasse a correr em velocidade normal nas veias. Foi a primeira vez que vi Elina Siirala à frente da banda e deu para ver que músicas como músicas novas, a exemplo de Dragonhead e Across the Sea, mantêm a tradição do grupo.
Bateu a fome e lá fomos nós novamente ao restaurante. Mais uma vez, trombei com o pessoal do Korpiklaani – e, eu juro, parecia que eles eram uns doze e nenhum deles trocou de roupa durante os quatro dias do cruzeiro!
Devidamente alimentado, foi o momento de conferir um show repleto de energia dos suecos do Sabaton. Mais tarde, uma corrida escadas acima para assistir à última apresentação do Kreator.
O set dos alemães no último dia foi tão furioso quanto o primeiro. Na verdade, foi até melhor, já que eles incluíram alguns clássicos como Awakening of the Gods e Total Death, mas eu já estava entregando os pontos. Quatro dias de muita comida e bebida, dormindo tarde e acordando cedo e correndo pelo navio atrás dos shows acabou com minha resistência. Assim que o Kreator encerrou seu set com Pleasure to Kill, minha mente me dizia para esticar a noite na festa de heavy metal karaokê, mas meu corpo implorava para ir para a cama. O corpo ganhou.
Eu poderia falar muito sobre o quanto estava exausto, mas também sobre o quão estimulante foi essa versão do 70,000 Tons of Metal Cruise. É um evento único sob qualquer aspecto que você o analise e algo que todo mundo precisa experimentar ao menos uma vez na vida. Janeiro de 2019 nem está tão longe assim, então se sua ideia é fazer uma viagem para não esquecer pelo resto da vida (dessa vez com uma parada em Labadee, no Haiti, também no Caribe), comece a juntar seu suado dinheiro desde já.
Site oficial – https://70000tons.com/
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