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GEOFF TATE – São Paulo/SP

Por Luiz Tosi

Fotos: Roberto Sant’Anna

Enquanto o Queensrÿche caminha em direção ao futuro com o lançamento do excelente Digital Noise Alliance, novo material com o vocalista Todd La Torre, seu ex-vocalista Geoff Tate continua celebrando seu passado. Primeiro, foi tocando Operation:Mindcrime (1988) na íntegra, espetáculo que passou pelo Brasil em 2017 e que, neste ano, chega a uma década em cartaz, agora em celebração ao seu 35º aniversário. Mas como nem só de Operation… vive o legado do Queensrÿche, Tate desta vez criou um show igualmente especial e juntou no mesmo set o antecessor e o sucessor de …Mindcrime, os clássicos Rage For Order (1986) e Empire (1990), ambos tocados na íntegra. A turnê “Rage+Empire” passou por São Paulo (SP) na última sexta-feira (20), no Tokio Marine Hall. O vocalista, que teve sua apresentação na véspera, no Rio de Janeiro, cancelada e substituída por um set acústico, ainda se apresentou em Limeira (SP) no sábado.

A melhor coisa que aconteceu para o Queensrÿche, que estava definitivamente em uma espiral descendente de álbuns pavorosos, foi se separar de Tate. E vice-versa. A banda segue soltando ótimos álbuns com La Torre no comando, e a opção de Tate por celebrar seus melhores álbuns de estúdio com o Queensrÿche tem sido nada menos que brilhante.

A abertura ficou por conta dos gaúchos do Marenna, banda capitaneada pelo vocalista Rod Marenna, que está promovendo seu novo álbum, Voyager, que foi lançado em 2022 pela gravadora dinamarquesa Lions Pride Music. Voyager é um álbum irretocável, que combina uma produção extremamente cuidadosa com performances brilhantes por parte de todos os membros. – Spoiler: o álbum está na minha lista de “Melhores do Ano” da Roadie Crew. A minha empolgação com Voyager obviamente gerou grande expectativa para ver o Marenna ao vivo. E eles não decepcionaram, a banda manda bem demais no palco. Marenna e seus parceiros Luks Diesel (teclados), Edu Lersch (guitarra), Bife (baixo) e Arthur Schavinski (bateria) entregam tudo, esbanjando confiança, técnica, energia e (o mais importante) alegria.

O único ponto baixo foi o desinteresse do público pelo Marenna. Quando a banda subiu ao palco, a casa estava praticamente vazia, com cerca de cem pessoas – se tanto. Mesmo com chuva, muitos preferiram ficar no boteco da esquina do que entrar para vê-los. E dos que entraram muitos ainda estavam pelos bares, fumódromo e área do merchã. Olhem com atenção para o Marenna!

Às 22h, ao som de Losfer Words (Big ’Orra), obra-prima instrumental do clássico Powerslave (1984) do Iron Maiden, quando Geoff Tate e sua banda se preparavam para entrar no palco, o público melhorou, porém seguiu fraco, chegando a pouco menos da metade da capacidade do Tokio Marine Hall.

Rage For Order não é um disco “fácil”, por assim dizer. Trata-se de uma obra densa, dramática, sombria e introspectiva. Com Rage…, o Queensrÿche virou Queensrÿche, encontrando a identidade que mudou os rumos do metal ao se transformar em uma das pedras fundamentais do prog metal, pavimentando o caminho para obra-prima do gênero: Operation: Mindcrime. A primeira metade deste álbum é muito forte, com a espetacular faixa de abertura, Walk In The Shadows, as dramáticas I Dream in Infrared e The Killing Words, enquanto Surgical Strike é uma faixa direta, assim como The Whisper e, claro, a atmosférica Gonna Get Close to You, ousado cover de Lisa Dalbello, de 1984, com direito a uma coreografia bem divertida dos membros da banda. A segunda metade do álbum é mais climática, como as espetaculares London e Screaming In Digital. A balada que fecha o álbum, I Will Remember, foi tocante. Mesmo contando com um arsenal de hinos e uma voz acima de qualquer suspeita, Geoff fez questão de se cercar de músicos de altíssimo nível e juntou um timaço, com cara de banda mesmo, e não de apenas um apanhado de ‘hired guns’. Alex Hart Kieran Robertson (guitarras), Danny Laverde (bateria), Jack Ross (baixo) e o brasileiro Bruno Sá (teclados) reproduziram à perfeição não só os sons mas também os climas dos álbuns originais. Nem mesmo o péssimo som do Tokio Marine Hall conseguiu estragar a experiência.

Tate, que passou por uma cirurgia cardíaca emergencial no meio do ano passado, pareceu leve e descontraído, demonstrando muita felicidade por estar de volta aos palcos. Sua voz continua impecável, combinando técnica e experiência ele chega a arriscar até aqueles agudos inalcansáveis de quatro décadas atrás com muito conforto e segurança.

Com algumas pausas entre músicas para se dirigir ao público, o vocalista se mostrou bastante comunicativo. Na última, observou que o Queensrÿche estava à frente de seu tempo. E estava mesmo. Rage for Order apontaria para o auge criativo do grupo.

O intervalo entre os dois sets foi bastante demorado, esfriando o público que já era pequeno. Claro que Tate e sua banda precisavam descansar, mas poderiam ter entretido os fãs com vídeos no telão, como faziam/fazem muito bem bandas como Rush e Dream Theater em suas turnês aos moldes “An Evening With”. Poderiam, por exemplo, ter passado partes do documentário Building Empires, lançado em VHS em 1992, incluindo imagens e depoimentos raros da época; isso deixaria o público no clima. No entanto, bastou a introdução de Best I Can para a empolgação voltar voando. E ficou claro que, apesar do amor e admiração por Rage For Order, a expectativa era mesmo pelo mulltiplatinado Empire, o disco que elevou o Queensrÿche a um patamar que pouquíssimas bandas de heavy metal conseguiram alcançar. A atmosfera mais “pra cima” do disco era sentida por todos, inclusive de cima do palco. Era como se “Geoff Tate Rage” tivesse aberto para “Geoff Tate Empire”.

Ouvir Rage For Order e Empire consecutivamente em um ambiente ao vivo rapidamente mostra a evolução do Queensrÿche durante esse período. Talvez sabendo que seria impossível fazer outro Operation:Mindcrime, algo que até hoje ninguém, nem mesmo o Queensrÿche, conseguiu, com Empire a banda de Seattle fez um dos maiores discos de hard/metal de todos os tempos: poderoso, acessível, complexo e cativante. Sem as restrições do conceito, eles fizeram com que cada música funcionasse individualmente e não apenas como parte de um todo. Realmente, não houve outro álbum do Queensrÿche como esse.

Foi divertido ouvir The Thin Line ao vivo. Embora a música seja um pouco lenta, ela tem ótimas melodias e ganhou um toque especial com Tate no saxofone. Então veio Jet City Woman, um dos singles do disco – nesse você podia ver a banda absorvendo a energia dos fãs. Another Rainy Night (Without You) é aquela que faz todos cantarem (mal) a plenos pulmões. A faixa-título foi umas das mais celebradas. Com mensagem forte, ninguém fica indiferente a versos como “Got an AK-47 for his best friend / Business the American way” e “Brother killing brother for the profit of another / Game point, nobody wins”. A reta final de Empire com faixas magníficas de apelo mais comercial como Silent Lucidity, Hand On Heart e a balada Anybody Listening?, caiu legal para aterrissar o público, encerrando maravilhosamente bem uma noite longa – talvez longa até demais, somando-se os dois discos e o intervalo foram quase duas horas e meia de apresentação. Ainda havia tempo para mais uma e a banda voltou para o bis com Eyes Of A Stranger, pérola com o gostinho de Operation: Mindcrime.

No fim das contas, parece que todos estão felizes, o Queensrÿche rejuvenesceu com a chegada de La Torre e Tate é simplesmente estupendo ao vivo quando revisita os álbuns mais antigos da banda. O Queensrÿche pode continuar sua caminhada em direção ao futuro tranquilamente, pois o seu legado está muito bem preservado. Agora é torcer para uma turnê com a íntegra de Queensrÿche (EP, 1983) e The Warning (1984). Dedos cruzados!

Setlist Marenna

  1. Voyager
  2. Never Surrender
  3. Pieces Of Tomorrow
  4. Breaking The Chains
  5. You Need To Believe
  6. Wait
  7. Out Of Line
  8. Too Young To Die
  9. Had Enough

Setlist Geoff Tate

Rage For Order:

  1. Walk In The Shadows
  2. I Dream In Infrared
  3. The Whisper
  4. Gonna Get Close To You
  5. The Killing Words
  6. Surgical Strike
  7. Neue Regel
  8. Chemical Youth (We Are Rebellion)
  9. London
  10. Screaming In Digital
  11. I Will Remember

Empire:

  1. Best I Can
  2. The Thin Line
  3. Jet City Woman
  4. Della Brown
  5. Another Rainy Night (Without You)
  6. Empire
  7. Resistance
  8. Silent Lucidity
  9. Hand On Heart
  10. One And Only
  11. Anybody Listening?

Encore:

  1. Eyes Of A Stranger

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