Por Samuel Souza (@slanderer666)
Fotos: Murilo Ribeiro (@muriloribeiro_foto)
Em pleno fervor da festa mais popular do país, vários eventos alusivos à data foram realizados por todo o Brasil valorizando a música pesada. Em Curitiba, no Paraná, não foi diferente, pois, apostando numa vertente mais brutal, a primeira edição do festival Extreme Metal Carnival atraiu um bom público local, de cidades vizinhas e até mesmo de outros estados, nos dias 18 e 19 de fevereiro. A ROADIE CREW acompanhou os dois dias in loco e constatou que a iniciativa tem tudo para repetir a dose no próximo ano e firmar no calendário anual curitibano.
O espaço escolhido foi o bar Basement Cultural, que também integra a organização do evento em coletivo com o Lado B Bar e headbangers da própria cidade. O acesso no subsolo é atrativo, mas não sei se há acessibilidade por outro meio, de qualquer forma, de portas fechadas, quase nada se ouvia do lado externo (que contou com disposição das mesas de merchans, bebidas e alimentação), ou seja, toda atenção era necessária para não perder os ataques iniciais das bandas. Boa acústica e estrutura apropriada ao ambiente garantiu um som audível e pesado, mas que dependia também do nível de cada artista. O que percebemos da correria, entre alguns contratempos ou na “troca de palco”, o compromisso e destreza da equipe de roadies que estava ali mostrando aquele profissionalismo que todo evento underground deve priorizar. E antes de falar dos shows, a cerveja é claro, também é pauta! O chope IPA vendido no bar tinha um ótimo teor, já a pilsen, nem tanto… E, infelizmente, ocorreram reclamações por parte do público que queria consumir long-neck e, sem nenhuma explicação convincente, era comercializada ao sabor do humor (pra não usar outro termo) dos caixas –ponto negativo e até feio de constatar.
Sábado (18/02):
Sem muito atraso, às 17h e alguns minutinhos, a primeira banda, Humanal, de Curitiba, subiu ao palco com uma pegada thrash metal cheio de groove e instrumental eficaz que remete às linhas prog, que por vez lembrou Arch Enemy fase Angela Gossow, certamente uma influência para a vocalista Tati Klingel. Por sinal, um destaque por seus vocais guturais e limpos, forte presença, ainda mais com a incursão de um tambor tribal em trecho na música Blindness.

Mudança rápida de bandas, a one-man-band local capitaneado pelo vocalista e guitarrista Victor Camilo, Matadör, apresentou seu speed black metal com muita energia e tirou boa resposta do público. Contando com o suporte de outros músicos, suas músicas soam como um esmeril cortante aos mais desavisados. Apresentação rápida e uma entrega oitentista com direito a coreografia à la Judas Priest, com ênfase calorosa para Aeternus Lupus, Satanic Tyrant e Funeral Desecrator, essa última, único single disponível nas redes. Os caras devem lançar algo completo ainda este ano. Fique atento!

De Joinville (SC), os veteranos do Luciferiano fizeram um show intenso e mortal, com toda a carga envelhecida e tétrica de fazer black metal. Revisitaram dos seus álbuns músicas como Voluptuosa Rainha dos Meus Sonhos, O Guerreiro de Mim e A Glória de Gabriel, antes, porém, tocaram A Face do Cão, título do primeiro full. São músicas longas e ásperas, todavia, há momentos mais doom e até mesmo passagens mais heavy. As letras em português recebem gosto de sangue podre tamanha a forma infame e angústia na interpretação do vocalista Lord Satã, que entrou ano passado na horda, assim como também o baterista Dian Carlo, estreando com eles nesta celebração maldita.

O trio formado por uma mescla de errantes do interior paulista, Podridão, seguramente roubou a noite com uma apresentação destruidora que pegou muitos de surpresa. Com a equalização do equipo na mão, despejaram um set redondo, carregado e bruto, extraindo muita bateção de cabeça e boas cotoveladas uns nos outros. Foram dez canções imundas no melhor dos piores Death Metal da velha escola, mesclando no set músicas dos dois álbuns de estúdio, evidenciando as matadoras Drowned Numbs, Fucking Your Corpse e Orgy With Corpses. O trio também apresentou faixas do próximo álbum a ser lançado pela Kill Again Records, capitaneada pelo traquejado Antonio Rolldão, que estava presente nos dias do evento. Dos sons novos, destaque para a faixa-título Cadaveric Impregnation, que firmou de vez o nome do Podridão em solo curitibano.

A sequência carregada dos shows continuou com o Cülpado, projeto levado à cabo pelo multi-instrumentista Jeff Verdani, que toca em centenas de bandas locais. Aqui, executando vocal e baixo, é acompanhado por outros músicos, fazendo uma apresentação imoderada e com ótima recepção dos bangers. Os problemas iniciais no cabo da guitar não tiraram a vibração deles e sons como Pipoca, Sangue e Pólvora, uma espécie de “hit” do projeto, foi imediatamente reconhecida pelos presentes. Os mais atentos e/ou os mais iniciados notaram uma leve passagem entre um som e outro com trecho de Screeches from the Silence do Sarcófago, que pegou este redator de surpresa. Ponto pra eles!

Em constante progressão, outro projeto de um homem só, o Cemitério de São Paulo, dirigido por Hugo Golon e asseclas, apostou agora em um formato mais reduzido, como trio, que funcionou muito bem e com a velha empolgação de sempre. É incrível que só há um álbum cheio lançado juntamente com um single e split, mas parece soar como algo absurdamente clássico e atestado visceralmente pelo público. Euforia lá em cima e um entrosamento violento, A Vingança de Cropsy, Natal Sangrento e Holocausto Canibal, foram o ápice da apresentação. Para assinalar mais uma surpresa da noite, fizeram uma espécie de versão em português para Infernal Death da banda Morte, ops, do Death. É interessante ver como bandas como o Cemitério e o Podridão, cada uma ao seu estilo, trouxeram uma experiência diferente ao público local.

Para fechar a noite e o primeiro dia do Extreme Metal Carnival, a resistência firme e genuína do Rebaelliun ratificou que o tempo e a experiência são as melhores escolas. Único remanescente, o baterista Sandro Moreira reencontrou forças para manter a essência emblemática dos falecidos Fabiano Penna e Lohy Silveira nas personas do guitarrista Evandro Passos e do baixista e vocalista Bruno Añaña, ambos agora mais seguros e à vontade para executarem o que há de mais poderoso em termos de brutal death metal. Para quem acompanhou alguns shows de transição, digamos assim, pôde conferir como eles estão resolutos além de qualquer coisa. Tecnicamente perfeitos, levaram o local abaixo e a massa sonora dos clássicos At War e Annihilation celebraram este momento tão tênue de restauração, incluindo as entregas de The Messiah e All Hail the Regicide, duas canções novas que honram toda a história e nome da banda. Para o espanto de muitos, Marcello Marzari, primeiro vocal e baixista do Rebaelliun subiu ao palco, participando também da sempre presente Day of Suffering do Morbid Angel e da inusitada versão de Witches’ Sabbath dos mestres do Vulcano. Público devidamente satisfeito por essa avalanche triunfal do trio gaúcho, era chegada hora de fazer a saideira na confra informal entre vários integrantes de bandas, fãs e recarregar as energias para o dia seguinte.


Domingo (19/02)
O clima agradável em Curitiba estava mais do que convidativo para o segundo dia do Extreme Metal Carnival, apesar da chuva indo e vindo, um bom público compareceu cedo para prestigiar as primeiras bandas. E chegando ao local, fomos informados que os paulistanos do Hammurabi não iriam mais se apresentar. Não houve nenhuma explicação com clareza sobre isso. Uma pena! O soco no estômago inicial foi dado pelos pelotenses do Postmortem Inc, que seguem divulgando o poderoso álbum The Conqueror Worm, sendo o set a maioria das suas músicas. Fizeram um show correto, mesmo desfalcados do baixista. As duas guitars acabaram soando bem mais alto e na cara. Bruno Añaña, que no Rebaelliun na noite anterior mandou muito, hoje estava ainda mais à vontade com sua própria banda, que aliás, pela receptividade dos presentes, provaram que não estavam ali a reboque.

Mudança rápida de palco e um dos shows que confesso estava curioso para ver: Divulsor, composta apenas pelo músico Bruno Schmidt, levando um projeto audacioso com parte do instrumental (baixo e bateria) pré-gravados, executando guitarras e vocais sozinho no stage. A proposta funciona ao vivo e teve alta aceitação, tendo em vista que muitos ficaram meio que anestesiados tamanha a técnica e precisão que partia daquela única figura à meia-luz. Há certamente influências da escola mais violenta do brutal death metal, desde os contemporâneos do Cerebral Bore à coisa de Cattle Decapitation e Dying Fetus, por exemplo. Vale destacar que o EP do Divulsor saiu lá na gringa pelo selo norte-americano Sevared Records.

Cheiro de enxofre e clima gélido deram o clima ao Hokmoth, uma banda de black metal relativamente nova, apresentando um som bem estruturado e que chamou bastante atenção pela recente adição da vocalista Larissa Meurer no lugar de Tatiane Klingel, que se apresentou no dia anterior com o Humanal. Meurer tem uma presença hermética, fria e seus vocais ásperos deram mais perversidade ao som da banda. Apesar da pouca idade, essa menina, permanecendo no caminho da mão esquerda, certamente ecoará forte no cenário. Músicas como Qliphothic Meditation, Ad Cultus Hokmoth e Sekthor, foram cruciais para atestar isso, culminando na versão maldita para Freezing Moon.

Mais black metal no palco, o cabalístico Abadon apresentou um visual carregado por mantos negros, capuz, pregos e corpse-paint, correspondendo ao conceito da banda. Apesar do nome utilizado não ser dos mais originais, eles estão despejando veneno vil e insultos à toda moral cristã com letras em português. Visceral e medonho, sons como Seja Feita a Guerra, Páginas da Mentira e Mensagem do Mal deram ao ar do ambiente aquela sensação necrópole do fim dos tempos.

Sequer dava para uma leve respirada e a sequência curitibana da noite seria encerrada com o death metal da velha guarda com link ao que se produz em termos de técnica apurada e ferocidade crua atualmente. Estamos falando do quinteto Ethel Hunter, que reúne veteranos da cena local, entre eles o guitarrista Gerson Watanabe e o baixista Hernan Oliveira, ambos integraram o saudoso Fornication. Concisão à flor da pele, envolveram o público com músicas do até então único álbum Consciousness Awakening, entre elas as matadoras Nomade, Ignoble Redemption e By Nightfall, com destaque para Larissa Pires, mais uma presença feminina nos vocais que roubou a cena.

Muito bom ver que o festival integrou vários gêneros, não apenas musicalmente extremos. E por falar em extremo, os mentores do estilo estavam lá para coroar a noite com uma verdadeira aula de obstinação barulhenta. Alguns minutos para troca de backline, tempo suficiente para bater algumas ideias com a turma e molhar as palavras, o Krisiun já tinha a casa cheia e público disputando os primeiros lugares à frente do palco. Foi só iniciar os primeiros acordes de Kings of Killing, que o apocalipse sonoro se fez presente. Se há algo que o trio faz questão de oferecer aos seus fãs, é o compromisso de uma performance honesta e profissional, seja qual for o tamanho do espaço. Pequeno, médio ou grande, para quem acompanha esses caras, sabem que vão conferir um set para dizimar todo mundo. Deram uma passada em várias épocas e imagino o quanto deve ser difícil fechar um set com uma trajetória com tantos sons que você gostaria de ouvi-los ao vivo, mas Scourge of the Enthroned, Bloodcraft, Combustion Inferno, Apocalyptic Victory e as mais novas, Necronomical e Serpent Messiah, satisfizeram os que se acotovelavam e quebraram pescoços nesta memorável noite de domingo.

Para uma primeira edição, o Extreme Metal Carnival teve inúmeros acertos e um claro objetivo de viabilizar um evento legítimo aos verdadeiros fãs do metal extremo e, obviamente, as bandas participantes. O melhor de tudo, o clima de confraternização imperou nos dois dias. Por essas e outras que o underground brasileiro é sinônimo de resistência e de vanguarda. Esperamos conferir mais uma edição no próximo ano!

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