Por Ricardo Batalha
Fotos: Roberto Sant’Anna
Vindos da bem-sucedida “Stadium Tour 2022”, que contou com Mötley Crüe, Def Leppard, Poison e Joan Jett & The Blackhearts, Mötley e Leppard seguem na “The World Tour 2023”, que antes de pousar no Brasil a bordo do jato Airbus A340-300 nomeado Def Crüe passou pelo México, Colômbia, Peru e Chile. Não pelos esforços da produtora Live Nation, mas o estádio da Sociedade Esportiva Palmeiras, Allianz Parque, ficou grande demais para o público que foi conferir as bandas, e o convidado especial Edu Falaschi, na terça-feira (07).
Quem abriu os trabalhos às 18h15 foi a banda de Edu Falaschi, que também vem de uma bem-sucedida turnê, a de Vera Cruz (2021), encerrada com um show suntuoso no Tokio Marine Hall (SP) em 21 de janeiro, ao lado da Orquestra Sinfônica Jovem de Artur Nogueira e de convidados especiais. Com Roberto Barros e Diogo Mafra nas guitarras, Rafael Dafras no baixo, Jean Gardinalli na bateria, Fabio Laguna nos teclados, além dos vocais de apoio de Raíssa Ramos e Fabio Caldeira (Maestrick), Falaschi iniciou o set com Acid Rain, seguida por Heroes of Sand, ambas de sua fase no Angra. De início, o som estava alto demais, especialmente os graves.
A escolha do vocalista em incluir músicas menos speed/power metal na velocidade da luz foi acertada e o set seguiu com a única de Vera Cruz do set, Fire with Fire. Embora não pratique o estilo em sua banda e nem em outras prévias de sua carreira, mais voltada ao power metal, prog e metal tradicional, o vocalista demonstrava sua felicidade de estar ali. Explicou exatamente isso e disse ser fã declarado de hard rock, não escondendo a emoção de dividir o palco com duas lendas do estilo. “Me lembro perfeitamente do momento que ouvi na rádio músicas do álbum Pyromania, do Def Leppard, uma das minhas bandas preferidas. Eu tinha gravado em fita K7, com o locutor falando no meio da música ‘Globo FM’. Daí fui comprar o disco e me tornei um fã incondicional”, recordou. “E aí, do nada, surgiu o convite para abrir o show da banda, justamente 40 anos depois do lançamento de Pyromania! E, de quebra, ainda tem o Vivian Campbell, um dos maiores ídolos na guitarra e é ex-Dio, que amo e faz parte da minha formação favorita nos álbuns do Dio. E o combo ainda contando com o Mötley Crüe… Foi difícil processar tudo isso”, acrescentou.
O set, que foi reduzido em 15 minutos do que inicialmente estava previsto por Falaschi, seguiu com a balada Bleeding Heart e foi encerrada com a única tipicamente power metal, Nova Era, de Rebirth (2001). O público reagiu bem ao show – muitos cantaram várias músicas – e aplaudiu a banda.
Pausa para a troca de palco e, às 19h30, Requiem in D minor, K. 626, de Mozart, começou nos PAs e então veio uma introdução muito interessante e bem editada rolando nos telões, como se fosse um noticiário de TV de Los Angeles (Mötley Crüe News Network) apresentado por Tom Franks. Ela trouxe a chamada “Não podemos apagar o passado, mas… O futuro é nosso! Deixando-nos esta única noite e apenas uma noite”, e o que se viu a seguir foi o Mötley Crüe chegando com tudo. O grupo americano, que só havia se apresentado em São Paulo em 17 de maio de 2011, iniciou o seu set com a mesma música que apresentaram naquele show no Credicard Hall (hoje Vibra São Paulo): Wild Side, de Girls Girls Girls (1987). Sob gritos histéricos e com o som ainda sendo ajustado, o público agitou bastante. Muitos, por sinal, comemoraram a decisão da banda de retomar as atividades, já que no mesmo ano em que foi uma das atrações do Rock in Rio de 2015, havia feito o seu “último show” no Staples Center, de Los Angeles, em 31 de dezembro, rendendo o CD/DVD e Blu-ray The End: Live in Los Angeles (2016).
Ao lado de Vince Neil (vocal), Nikki Sixx (baixo) e Tommy Lee (bateria) – e das cantoras e dançarinas Hannah Sutton e Ariana Rosado, as “Nasty Habits” – estava o experiente guitarrista John 5. No dia anterior ao show ele passeou pela cidade com outros músicos, andando pelo bairro de Vila Madalena, passando no Beco do Batman e visitando lojas de discos, incluindo a Mafer Records, a London Calling e até a Galeria do Rock, acompanhado pelo fotógrafo Ross Halfin. John 5 se juntou ao Crüe em outubro do ano passado no posto ocupado desde a fundação do Mötley por Mick Mars, que vem lutando contra a doença degenerativa espondilite anquilosante. Com passagens por David Lee Roth, Marilyn Manson, Rob Zombie e 2wo (de Rob Halford), o guitarrista já havia colaborado na trilha do filme The Dirt (2019), sendo coautor das faixas Ride with the Devil, Crash and Burn e The Dirt (Est. 1981).
Emendada veio Shout At The Devil, que se iniciou com o baixo de Sixx e a batera sempre precisa de Tommy Lee marcando o tempo até o couro comer em uma versão mais próxima à de Shout at the Devil ’97. Vince, com suas possibilidades vocais reduzidas há anos, saudou a plateia, perguntou como todos estavam e se curtiam coisas antigas. Assim, voltando ainda mais ao passado, foi a vez da faixa-título do debut, Too Fast For Love (1981). Interessante os pedestais suspensos para os microfones de backing vocals, que vinham do alto e traziam cruzes invertidas que ascendiam e mudavam de cores conforme a música.
O vocalista então pegou um violão para mandar Don’t Go Away Mad (Just Go Away), de Dr. Feelgood (1989). Sem pausa, veio Saints of Los Angeles, faixa-título do último de estúdio, lançado em 2008, que sempre funciona bem ao vivo. Depois, Vince novamente falou sobre músicas antigas e deu a deixa de que as duas seguintes seriam dos dois primeiros álbuns, começando pela energética e rápida Live Wire, de Too Fast For Love, seguida por Looks That Kill, do agora quarentão Shout At The Devil. Os telões e as “Nasty Habits” foram um show à parte, já que a execução dos músicos e a timbragem dos instrumentos estavam muito boas. Por sinal, ver Lee em ação é sempre uma aula de como fazer um som com muito groove e punch tendo uma performance com suas firulas habituais e marcantes.
The Dirt (Est. 1981), que na versão original trouxe Machine Gun Kelly, veio com muitos samplers, vocais pré-gravados e funcionou ao vivo. Depois, Vince apresentou formalmente Nikki Sixx como seu “irmão, baixista e um cara durão”. Sixx, sempre com uma performance de destaque, então veio com uma bandeira do Brasil e levou os fãs à loucura, recrutando uma garota para subir ao palco para festejar com o baixista e tirar uma selfie – audaciosa, ela aproveitou o momento e pediu a Sixx o seu baixo de presente. Se a pista do estádio foi reduzida, o ponto positivo foi a presença de muitos jovens na plateia e de celebridades do cenário brasileiro e internacional – Jeff Scott Soto estava lá. Sobre a juventude, Sixx até comentou ao falar que não se importava em que ano os fãs conheceram o Mötley, mas que o importante era que ele e seus parças estavam ali para todos. O baixista então apresentou “o bruxo” John 5, que realmente demonstrava estar contente e se divertindo, para o solo individual – com direito a uma pequena lembrança de Eruption, do Van Halen.
Então foi a vez de um medley de covers, que agitou com Rock and Roll Part 2 (Gary Glitter), Smokin’ in the Boys Room (Brownsville Station), Helter Skelter (Beatles), Anarchy in the U.K. (Sex Pistols) e Blitzkrieg Bop (Ramones). Após o “Hey Ho! Let’s Go”, para acalmar os ânimos foi a vez de uma das power ballads de maior sucesso da década de 80, Home Sweet Home. Ela foi introduzida por Tommy Lee, que saudou o público e, ainda como se estivesse vivendo na Sunset Strip nos anos 80, pediu para que os homens levantassem suas garotas nos ombros e aí falou para que elas mostrassem suas “titas” (“tetas”). A nostalgia ficou ainda maior quando Lee iniciou os primeiros acordes no piano, seguido por John 5, Vince e Sixx. Veio a pausa dramática para Lee correr para a bateria e então seguirem até o crescendo, com os fãs cantando até desembocar nas memoráveis linhas de guitarra e no solo com a assinatura de Mick Mars, bem interpretado por John 5. Ainda assim, bate aquela tristeza em não ver mais Mars em ação – bem que poderiam ter falado alguma coisa sobre ele em algum momento.
Emendando da balada ao punch máximo, todos agitaram e cantaram em Dr. Feelgood, faixa-título do álbum de 1989, que também trouxe mais um de seus sucessos na sequência, Same Ol’ Situation (S.O.S.), com outra boa presença das “Nasty Habits”. Já o cenário de palco, que teve os telões com imagens muito bem editadas, uma iluminação desenhada pelo experiente Michael Cooper e comandada por Michael Willingham, então teve o reforço de dois infláveis gigantescos de mulheres-robô, uma em cada canto, no estilo de Hajime Sorayama. O ilustrador japonês ficou conhecido no hard rock por imagens das capas do Autograph (That’s the Stuff) e Aerosmith (Just Push Play) e as mulheres-robô eram bem similares a esta linha criada por Sorayama. Assim, a coisa pegou fogo de vez com Girls, Girls, Girls, com as “Nasty Habits” também brilhando nas coreografias e vocais de apoio. Em tempos de MC Pipokinha, em que o funk-ousadia é o máximo do politicamente incorreto, uma letra sacana como a de Girls, Girls, Girls nem seria vista com ares de polêmica. Hoje é oito ou oitenta; o perigo, a sacanagem e a devassidão estão do lado de lá, no funk carioca. Sinal dos tempos…
Voltando ao show, para manter a adrenalina no limite máximo veio Primal Scream e o encerramento em alta com Kickstart My Heart. Foram as escolhas certas! Ao final, Neil, Sixx, Lee, John 5, todos aparentando estarem muito felizes, saudaram o público, assim como as “Nasty Habits”. Lee jogou as baquetas (uma chutando e falando “GOL!”) e os músicos continuaram agradecendo até deixarem o palco, com os telões destacando um “Thank you, São Paulo”.
Mais um intervalo para a troca de palco e, por volta das 21h30, surgiu o Def Leppard, que atualmente promove o álbum Diamond Star Halos (2022). Esta foi a segunda vez da banda inglesa no Allianz Parque, onde tinha tocado em setembro de 2017 no SP Trip ao lado do Aerosmith. Joe Elliott (vocal), Phil Collen e Vivian Campbell (guitarras), Rick Savage (baixo) e Rick Allen (bateria) entraram em cena com Take What You Want, faixa de abertura do mais recente trabalho de estúdio. Elliott vai até a frente da rampa de extensão do palco para cumprimentar a plateia e, então, perguntar: “Do ya wanna get rocked?”… Claro, era a deixa para Let’s Get Rocked, hit de Adrenalize (1992), com o telão frenético mostrando imagens no estilo HQ. Animal, clássico de Hysteria, veio na sequência e empolgou ainda mais, com os telões mostrando cenas de um parque de diversões – o clipe original foi gravado em um circo.
Como não faltaram clássicos, desta vez a banda reparou a falha de 2017 e não esqueceu de Foolin’, de Pyromania, lançado há 40 anos e que tinha seus videoclipes exibidos nos programas de TV da época no Brasil. Após Elliott agradecer o público e apresentar Vivian Campbell, que estava ao seu lado na rampa de extensão do palco, veio Armageddon It, outro hit de Hysteria e que também empolgou. Elliott chegou a comentar que no período de pandemia a banda trabalhou em novas composições e aí foi a vez de Kick, outra de Diamond Star Halos, que até funcionou bem ao vivo, mas os fãs não vibraram tanto.
Os noveleiros de plantão iluminaram o estádio e cantaram a power ballad Love Bites – “Amar assim, jamais dizer adeus…”. Elliott, que precisou ser internado no dia 24 de fevereiro antes do show que faria no dia seguinte em Bogotá (COL), estava bem, deu o seu melhor e foi compensado pelos grandes backing vocals, algumas vozes pré-gravadas e a potência sonora da banda, com instrumentos sempre bem timbrados. Os músicos desempenham bem suas funções, se movimentam e sabem como preencher bem um palco extenso há tempos. Promises, hit do não tão lembrado Euphoria (1999), também agradou os fãs que acompanham a banda mais atentamente.
Elliott então pegou um violão, apresentou Rick Allen, Rick Savage, Vivian Campbell e Phil Collen, e no momento acústico veio uma versão diferente de This Guitar, seguindo a calmaria com When Love and Hate Collide. Depois, com a banda animando um pouco, veio Rocket, que pessoalmente dispensaria e trocaria por outra – Run Riot, apenas para se manter em Hysteria. Seja como for, a calmaria ainda se manteve, mas foi crescendo em emoção com Bringin’ On the Heartbreak, seguida pela instrumental Switch 625 e um solo do ‘miracle man’ Rick Allen.
Com tantos clássicos à sua disposição, o Leppard escolheu quatro dos mais representativos para a parte final do show, começando pela melódica Hysteria. Depois, o “momento pole dance” com Pour Some Sugar on Me, cantada por todos. No final, duas de Pyromania que eternamente resistirão ao teste do tempo: Rock of Ages e o hino Photograph. E dá-lhe lembranças do passado, quando víamos estas e outras no Som Pop e outros programas de clipes na televisão brasileira na era pré-MTV. Os músicos então foram à frente da rampa, saudaram os fãs e saíram sob aplausos.
Ao final, após as costumeiras conversas com amigos, fãs e outros colegas de imprensa, fiquei pensando comigo: “ah, como teria sido ainda mais legal se tivesse o Poison no pacote”… Mas aí foi só o lado fã falando mais alto. Seja como for, o hard rock vive, diverte, anima, surpreende e entretém. Quem paga caro por um ingresso quer justamente isso em um espetáculo, ainda que tenha sido com campo reduzido no Allianz Parque. Mas, convenhamos, o Crüe não encheu nem o antigo Credicard Hall e o Def, em 1997, teve que cancelar uma das duas datas no extinto Olympia. São gigantescos nos EUA, não no Brasil. Vale ressaltar a camaradagem entre as bandas dentro e fora dos palcos, incluindo para passeios nas ruas, outra coisa que remete aos tempos mágicos da década de 80.
Por fim, como a Live Nation havia divulgado o cancelamento dos shows em Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS), programados para os dias 9 e 11, o Def Crüe decolou ao meio-dia da quarta-feira (08) com destino a Buenos Aires (ARG), onde os Santos de Los Angeles e os rockers de Sheffield tocam na quinta-feira (09) no Parque Sarmiento.
Setlist – Edu Falaschi:
Acid Rain
Heroes of Sand
Fire with Fire
Bleeding Heart
In Excelsis/Nova Era
Setlist – Mötley Crüe:
Wild Side
Shout at the Devil
Too Fast for Love
Don’t Go Away Mad (Just Go Away)
Saints of Los Angeles
Live Wire
Looks That Kill
The Dirt (Est. 1981)
Guitar Solo
Rock and Roll, Part 2 / Smokin’ in the Boys Room / Helter Skelter / Anarchy in the U.K. / Blitzkrieg Bop
Home Sweet Home
Dr. Feelgood
Same Ol’ Situation (S.O.S.)
Girls, Girls, Girls
Primal Scream
Kickstart My Heart
Setlist – Def Leppard:
Take What You Want
Let’s Get Rocked
Animal
Foolin’
Armageddon It
Kick
Love Bites
Promises
This Guitar
When Love and Hate Collide
Rocket
Bringin’ On the Heartbreak
Switch 625
Hysteria
Pour Some Sugar on Me
Rock of Ages
Photograph