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BRUCE DICKINSON – Rio de Janeiro (RJ)

Uma noite para guardar na memória. E guardar com carinho, afinal, não é toda hora que se tem a oportunidade de ouvir clássicos de uma das maiores bandas da história do rock, o Deep Purple, na voz de um dos melhores vocalistas da história do heavy metal, Bruce Dickinson (Iron Maiden), e na companhia de uma orquestra com 40 integrantes. E se “Concerto for Group and Orchestra” (1969) – curiosamente, a estreia de Ian Gillan e Roger Glover no quinteto inglês – talvez seja o álbum do Purple menos revisitado pelos fãs, a experiência de ouvir tudo isso ao vivo ajudou a reforçar ainda mais a genialidade do saudoso Jon Lord.

A turnê Concerto for Group and Orchestra and the Music of Deep Purple trouxe ao Rio de Janeiro – felizmente, já que a cidade vem sendo gradativamente largado às traças – trouxe Dickinson ao lado de uma baita banda – Kaiter Z Doka (guitarrista que acompanhava Jon Lord), Tanya O’Callaghan (baixo, Whitesnake), John O’Hara (teclado, Jethro Tull) e Bernard Welz (bateria, Jon Lord, Don Airey) – e a orquestra regida pelo maestro Paul Mann, cujos trabalhos incluem London Symphony Orchestra e Royal Philharmonic Orchestra, entre outras.

Bruce Dickinson
Visão geral do palco do Concerto for Group and Orchestra and the Music of Deep Purple (Foto: Daniel Croce/Roadie Crew)

A orquestra formada por brasileiros “não tem nome. Nós achamos esses músicos na rua, então vamos chamá-los de ‘nameless ones’”, brincou o vocalista, antes de explicar o conceito da obra composta por Lord há mais de 40 anos. E foi assim que começou “Concerto for Group and Orchestra, First Movement: Moderato – Allegro”, em que orquestra e banda, oriundas de mundos musicais díspares, se estranham e acabam entrando numa competição por espaço de destaque. E foi lindo testemunhar, especialmente, o esmero com a obra de Lord, que estava anos-luz à frente do tempo ao juntar rock e erudito no fim dos anos 1960.

O tom melancólico e, como Dickinson fez questão ressaltar no início, triste de “Concerto for Group and Orchestra, Second Movement: Andante” marcou o momento de transição para banda e orquestra, trazendo o vocalista de volta ao palco para o único momento não instrumental da suíte – e cantando a letra que Gillan escreveu menos de 24 horas antes de o Purple se apresentar com a Royal Philharmonic Orchestra no Royal Albert Hall, em Londres, no já distante dia 24 de setembro de 1969.

Bruce Dickinson
Bernard Welz, Tanya O’Callaghan, Paul Mann, Bruce Dickinson, John O’Hara e Kaiter Z Doka (Foto: Daniel Croce/Roadie Crew)

E o vocalista mostrou que mesmo um palco tomado por uma orquestra e outros quatro instrumentistas não é suficiente para controlar sua hiperatividade: encenou, gesticulou, mexeu com a plateia e fez caras e bocas sempre que não estava com o microfone em mãos. Mas o vazio deixado por Dickinson foi bem preenchido em “Concerto for Group and Orchestra, Third Movement: Vivace – Presto”. A parte final é a simbiose entre grupo e orquestra, que se tornaram uma única entidade para encerrar um espetáculo aplaudido de pé pelos presentes. Sim, emocionante.

Depois de 15 minutos de intervalo, era hora da parte “Music of Deep Purple” da noite. Ou quase. Como o cantor não era um qualquer, houve espaço para a sua carreira solo, e com um início arrasador. A fusão de banda e orquestra em “Tears of the Dragon” foi de arrancar lágrimas. Não bastasse Dickinson ter cantado uma barbaridade, os arranjos fizeram com que a música – presente em “Balls to Picasso” (1994) e seu maior sucesso individual – se apresentasse numa versão imbatível. O Hammond comandando a parte reggae ficou incrível, por exemplo.

Bruce Dickinson
Bruce Dickinson em de seus inúmeros momentos teatrais (Foto: Daniel Croce/Roadie Crew)

O coro “Olê, olê, olê! Brucê, Brucê!” ecoou com força na casa, e Dickinson, mesmo agradecido, respondeu com um “devo dizer que há 40 membros na orquestra e quatro integrantes da banda no palco”. Justo, porque sem eles “Jerusalem”, da obra-prima “The Chemical Wedding” (1998), teria sido mais do mesmo. E graças principalmente à orquestra, diga-se, porque foi ela quem amplificou uma canção que já nasceu pronta para receber arranjos ainda mais grandiosos de cordas e afins.

Ok, agora sim era hora da música do Deep Purple, com seis atos que privilegiaram o genial, absoluto e obrigatório “Machine Head” (1972). A começar por “Pictures of Home”, introduzida pelo humor britânico de Dickinson: “Imagine que você está bêbado depois de tomar algumas cervejas do Iron Maiden produzidas pela Bodebrown… Isso significa que você tem dinheiro, porque elas são caras, mas acontece que você está bêbado no Corcovado, ou em qualquer outra montanha, e está escuro. O seu celular não tem sinal. Também está frio, porque neva no Rio de Janeiro, e você percebe que está perdido. É hora de sussurrar imagens do lar”.

Bruce Dickinson
Bruce Dickinson (Foto: Daniel Croce/Roadie Crew)

Doka e Welz já haviam ido respeitosamente um pouco além de Ritchie Blackmore e Ian Paice na primeira parte do show, e O’Hara brilhou do início ao fim, a bem da verdade, mas a partir daí a banda definitivamente deixou de lado o papel de coadjuvante. E isso ajudou Tanya em especial, uma vez que a baixista, além do bom gosto (que timbre bonito!), esbanjou empolgação e sinceridade ao mostrar que estava mesmo curtindo o que tocava. Sentimento que aflorou na lindíssima “When a Blind Man Cries”, depois de Dickinson ameaçar uma “música de cabaré do Tom Jones” e desistir por um “blues de todas as noites em Londres”.

“Hush” – canção de Joe South que o Purple tomou para si com propriedade em “Shades of Deep Purple” (1968) e, principalmente, com a versão presente em “Nobody’s Perfect” (1988) – e “Perfect Strangers” – do homônimo álbum da volta, em 1984 – colocaram mais lenha na fogueira que era a animação do público, ora cantando, ora fazendo corinho. Poderia ter acabado assim que todo mundo iria feliz para casa, mas teve o bis. E que bis.

Bruce Dickinson
O maestro Paul Mann e o tecladista John O’Hara (Foto: Daniel Croce/Roadie Crew)

Dickinson nunca escondeu que Gillan sempre foi seu vocalista favorito, mas, fã confesso do Purple, havia espaço para David Coverdale e Glenn Hughes no repertório, e “Burn” fez a casa cair. Não literalmente, claro, mas a ponto de fazer uma integrante da seção percussiva da orquestra, no fundo do palco, se acabar de tanto dançar, digamos assim, porque a faixa-título do disco de 1974 não é exatamente uma música para dançar. Ainda assim, ela acabou contagiando os colegas ao lado, que também passaram a aproveitar cada segundo da experiência de um show de rock.

O fim de fato era óbvio até para quem não havia resistido à curiosidade de pesquisar qual seria o repertório. E como uma batuta entregue por Mann, Dickinson regeu a plateia em “Smoke on the Water”, aquela música cujo riff de guitarra era o único que Jake Harper sabia tocar na série “Two and Half Men”. Isso diz muito sobre um dos maiores clássicos da música em todos os tempos. A catarse foi inevitável – nem precisava de um dos raros “Scream for me, Rio” que Dickinson soltou durante a noite, apesar de ter feito a alegria dos pentelhos que passaram o espetáculo gritando –, e os sorrisos nos rostos foram a melhor resposta do público.

Bruce Dickinson
A baixista Tanya O’Callaghan (Foto: Daniel Croce/Roadie Crew)

Setlist

1. Concerto for Group and Orchestra, First Movement: Moderato – Allegro
2. Concerto for Group and Orchestra, Second Movement: Andante
3. Concerto for Group and Orchestra, Third Movement: Vivace – Presto
Intervalo
4. Tears of the Dragon
5. Jerusalem
6. Pictures of Home
7. When a Blind Man Cries
8. Hush
9. Perfect Strangers
Bis
10. Burn
11. Smoke on the Water

O guitarrista Kaiter Z Doka (Foto: Daniel Croce/Roadie Crew)

 

Bruce Dickinson
O batera Bernard Welz (Foto: Daniel Croce/Roadie Crew)
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