Pode a expectativa por um show ser maior por causa do novo disco do que necessariamente pela própria banda? Diga-se de passagem, não é uma banda qualquer, e seria o primeiro show completo dela no Rio de Janeiro. Sim, pode. O Moonspell havia causado boa impressão no Palco Sunset do Rock in Rio em 2015, mas o festival não é um evento carioca, então a noite no Teatro Odisseia ganhou ares especiais por causa do mais recente disco do grupo português, o excelente “1755”, que conta a história do terremoto que fez enorme estrago e em Lisboa, principalmente, tirando a vida de milhares de pessoas no dia 1º de novembro do ano que dá nome ao álbum.
E o Moonspell não decepcionou. Ao apresentar oito das dez músicas do trabalho conceitual – considerando a nova leitura de “Em Nome do Medo”, originalmente gravada em “Alpha Noir” (2012), e “Lanterna dos Afogados”, cover dos Paralamas do Sucesso –, Fernando Ribeiro (vocal), Ricardo Amorim (guitarra), Aires Pereira (baixo), Pedro Paixão (teclados) e Miguel Gaspar (bateria) fizeram um daqueles shows para ficar guardado na memória. E nem é preciso ficar imaginando como poderia ter sido melhor caso o cenário de palco pudesse ser comportado num palco maior do que o do acanhado espaço na casa de shows localizada na Lapa.
Não mesmo, porque não se deve levar em consideração o pano de fundo, os apetrechos que enfeitam o posto de Paixão ou uma iluminação de primeira e jamais vista no Teatro Odisseia, acostumado a oferecer apenas um jogo monocromático de luzes vermelhas. O novo show do Moonspell vai muito além disso, afinal, Ribeiro o transforma num belo espetáculo teatral, e o início, com quatro canções de “1755”, é simplesmente matador. Com uma lamparina na mão, o vocalista chamou para si todas as atenções na abertura com “Em Nome de Deus”, que contou com a participação ativa do público cantado cada palavra da letra. Emocionante.
A ótima faixa-título trouxe Ribeiro paramentado de médico, mas nada de sobretudo branco. A roupa escura tinha uma máscara que se destacava do chapéu e da capa, e era a máscara com bico que os profissionais da área da saúde usavam para se proteger no caso de o paciente ter alguma doença infecto-contagiosa. De fato, um trabalho do nível de “1755” merecia um tratamento visual à altura, e os fãs não ficaram atrás: deu gosto ver a plateia cantando “In Tremor Dei” (que música!) e “Desastre”. As letras em português são um facilitador, sem dúvida, mas o conteúdo, musical inclusive, tem que ser de qualidade.
“Night Eternal”, do álbum de mesmo nome, lançado dez anos atrás, contou com aquela iluminação especial mencionada parágrafos acima, e “Opium” continuou a viagem pelo material mais antigo. “Vamos fazer uma passagem de pouco mais de 200 anos no tempo”, disse Ribeiro antes de anunciar esta e “Awake!”, músicas tiradas de “Irreligious” (1996), reforçando que aquela noite de quarta-feira era destinada a uma aula de História. Se havia alguma dúvida, “Ruínas” causou novo frisson na pista, e o vocalista não se conteve: “Obrigado pela gentileza! Fantástico!” Realmente, porque a recepção ao novo material foi uma agradável surpresa numa época em que um sem-número de grupos lança discos apenas para ter uma razão para sair em turnê, na qual o passado é o principal alvo.
No caso do Moonspell, mesmo a dobradinha “Breathe (Until We Are No More)” e “Extinct”, de “Extinct” (2015), fez bonito – a canção que dá nome ao disco teve seu refrão recebido de braços abertos e sorriso no rosto pelos fãs. Olhando para frente, o quinteto português atacou com a sensacional “Evento” e em seguida conseguiu fazer ainda melhor, porque “Todos os Santos” foi o grande momento do show – o nome faz referência à data do desastre, o feriado Dia de Todos os Santos. Não bastasse ser uma das melhores músicas de “1755”, senão a melhor, contou com outra performance teatral de Ribeiro – que empunhava uma cruz com dois feixes de luz vermelha – e um lindo coro dos fãs no refrão. Foi de arrepiar.
Poderia ter acabado aí que já teria valido o ingresso, mas imagine você o que foram “Vampiria” e “Alma Mater”… Antes do primeiro clássico, Ribeiro convocou a “galera” – “Como se diz aqui no Rio de Janeiro”, lembrou – a gritar bem alto. Foi atendido. Antes do segundo clássico, ele, que já havia declarado ser o Rio “a cidade mais bonita e portuguesa do Brasil”, mostrou estar ciente dos problemas que os cariocas vêm enfrentando numa cidade que vem namorando a falência – econômica, política, social, ética e moral – e está à mercê da violência: “Diante de tudo que vocês estão enfrentando, agradeço por terem vindo nos ver.” E arrisco dizer, sem medo, que foi em respeito e gratidão a esses fãs que Ribeiro desceu ao pit e cantou “Alma Mater” com eles e para eles.
A bela versão de “Lanterna dos Afagados”, enriquecida pelo teatro de Ribeiro no palco, antecedeu o bis que começou com “Everything Invaded” e cresceu rumo a um encerramento apoteótico. “Com esse sinal nas mãos, ajudem o Moonspell a conclamar o nome de Mefisto”, pediu o frontman, referindo-se ao chifrinho – aquele imortalizado por Ronnie James Dio – e anunciando “Mephisto”. Ao fim do clássico, as palmas e os gritos vindos da plateia. “Fantástico!”, bradou o vocalista, que voltou seus elogios à “galera do Rio”: “Vocês vão no nosso coração, como um povo irmão.” E a aguardada “Full Moon Madness” encerrou um show que é forte candidato a um dos melhores do ano no Brasil.
Set list
- Em Nome do Medo
- 1755
- In Tremor Dei
- Desastre
- Night Eternal
- Opium
- Awake!
- Ruínas
- Breathe (Until We Are No More)
- Extinct
- Evento
- Todos os Santos
- Vampiria
- Alma Mater
- Lanterna dos Afogados
Bis
- Everything Invaded
- Mephisto
- Full Moon Madness