Mesmo em meio a caótica crise de combustível que vem assolando todo o Brasil nos últimos dias, o lendário Overdose, um dos grupos pioneiros e mais emblemáticos do mundialmente cultuado e influente metal de Belo Horizonte (MG), desembarcou em São Paulo para matar a saudade dos headbangers paulistanos. A espera durou exatos dez anos, desde que a banda tocou por aqui em uma das edições anuais da tradicional Virada Cultural – no meu caso, foram 22, já que o último show que assisti dos mineiros aconteceu em 1996, num festival realizado no extinto Aeroanta, em que dividiram palco com seus conterrâneos contemporâneos do Witchhammer e Sextrash, e também com a paulistana Retturn. Dessa vez, o Overdose trouxe na bagagem 35 anos de carreira, sendo que um pouco de sua trajetória musical foi mostrada no último sábado, 26, no palco da comedoria do Sesc Belenzinho, através de um setlist formado por músicas da maioria de seus álbuns. Levando-se em conta a redução da frota no transporte público devido à não funcionalidade de vários postos de gasolina, dá pra dizer que o número de pessoas que compareceu ao Sesc foi razoável, diria até superior ao esperado, considerando que a expectativa não era das mais animadoras.
A sonoridade do Overdose sempre foi marcada por diversidade e evolução musical. Do início no heavy/speed, passando por um metal mais melódico e progressivo no decorrer e culminando no thrash metal – em princípio tradicional e depois tribal e grooveado -, a banda sempre se renovou. E foi dessa última e contestada fase, que é amada por uns (me incluo) e odiada pelos mais radicais que não aceitaram a mistura de elementos, que a maior parte do repertório foi preparada. Pontualmente às 21h30, a introdução “The Front”, do último álbum “Scars”, lançado no longínquo ano de 1995, começou a rolar no som mecânico, dando o clima exato para que o Overdose tomasse o palco de assalto. A pancadaria comandada pelos membros fundadores Bozó (vocal) e Claudio David (guitarra), pelo também veterano Sergio Cichovicz (guitarra) e pelos estreantes Bernardo Gosaric (baixo) e Heitor Silva (bateria) começou pelas frenéticas “Rio, Samba e Porrada no Morro” e “Street Law”, ambas do impactante “Progress of Decadence” (1993), álbum que foi determinante na história do Overdose, pois foi a partir dele que os ritmos brasileiros, de samba aos ‘beats’ tribais, foram introduzidos em seu thrash metal, especificamente no que diz respeito a parte percussiva da banda, uma exclusividade não só do ex-baterista André Márcio, como também do próprio Bozó. Aliás, confesso que senti falta de ver o frontman sentando o braço em seu antigo pad eletrônico, que era o que proporcionava os sons de percussão e bateria de escola de samba nas músicas. Fica a dica para que a ideia seja retomada, pois a ideia maluca funcionava muito bem para essa proposta.
Dando sequência, sob uma iluminação que estava simplesmente impecável, a banda intercalou as primeiras duas de “Scars”, “My Rage e “Manipulated Reality”, com a ótima “The Zombie Factory”, uma das mais comemoradas pelo público, e que faz parte do álbum “Circus of Death” (1992), que foi o primeiro em que a banda se atirou de cabeça no thrash metal, só que seguindo numa linha mais tradicional do estilo. Do primeiro ‘full lenght’, “…Conscience…” (1987), veio “Children of War”, porém tocada na versão repaginada e mais pesada, que foi gravada como bônus do mencionado “Circus of Death”. Essa levantou ainda mais os fãs, que corresponderam o tempo todo a energia que a banda mostrava no palco. Nos intervalos entre uma música e outra, o carismático e comunicativo Bozó tirava sarro fazendo caretas hilárias e se comunicando com seu caricato e proposital “mineirês”. Mas o vocalista também falou sério nas vezes em que se mostrou grato às pessoas que estavam curtindo o show e comparecem, mesmo com todas as adversidades, as quais ele depositou a culpa – com toda a razão, diga-se – nos políticos de nosso país. Dando sequência, para a próxima do set Bozó disse que “era chegada a hora de aprendermos a rezar”, e então ele direcionou o microfone na pista para esse que vos escreve. Sacando a qual ele se referia, não perdi tempo e anunciei urrando “How to Pray”, uma das melhores de “Scars”. Depois dessa, veio uma trinca de “Progress of Decadence”, com destaque para a música que dá nome à esse álbum, principalmente por seus riffs hipnóticos. Falando em riffs, impressionou ver a forma como a ótima dupla Cichovicz e David fazem a divisão dos mesmos, como na insana “Favela”, por exemplo.
O show se encaminhava para o final, mas como muita gente durante todo o set pedia por músicas clássicas dos primeiros trabalhos, a banda não poderia decepcioná-las. Assim sendo, elas foram atendidas com um dobradinha especial. Primeiro veio a longa “Anjos do Apocalipse”, do histórico “Século XX”, que foi lançado em 1985 no famoso split divido com o Sepultura, que por sua vez divulgava “Bestial Devastation”. Por fim, a despedida foi feita com a aclamada “Última Estrela”, de “…Conscience…”. Vale ressaltar que tanto “Século XX” quanto “…Conscience” foram relançados em CD, em versões digipack contendo DVDs de bônus, com shows completos de suas respectivas épocas. Foi uma apresentação memorável do Overdose, que saiu ovacionado. Pena que, pelo tempo de palco no Sesc ser curto, não deu tempo de a banda explorar outras músicas dos álbuns revisitados, que bem poderiam ser “Capitalist Way”, “Straight to the Point”, “Aluquisarrerá”, “School”, “Postcard from Hell”, “Violence”, “Beyond My Bad Dreams” e/ou “Messenger of Death” – descartei músicas dos álbuns “You’re Really Big!” (1989) e “Addicted to Reality” (1990), pois por eles terem uma sonoridade mais, digamos, ‘clean’, não combinariam muito com o pesado repertório. Ao final, banda e público confraternizaram juntos. Os experientes Bozó, Claudio e Sergio, e os competentes Bernardo e Heitor atenderam os fãs para selfies e autógrafos.
Depois do show, Sergio Cichovicz e Claudio David nos atenderam pra falar sobre a retomada do grupo. Claudio começou falando sobre o que os motivou a voltar: “O Fernando (Pazzini) que convocou a banda. Ele disse: ‘vamos voltar, enquanto a gente ainda consegue, porque estamos velhos!’”, brincou. “Ele propôs que fizéssemos um ensaio pra ver como ficava. Soou bem e todos nos animamos”. Infelizmente, o baixista original sofreu um infarto e não seguiu com a banda. Chateado, Claudio comentou: “É… Isso até nos incentivou. Estamos perdendo tantos amigos novos e quando ele nos chamou, falei pros demais: ‘Pô, o Fernando quase empacotou. Vamos nos juntar e confraternizar nossa amizade’. Foi mais por isso que voltamos. Ele ficou grilado porque as músicas do Overdose são muito puxadas e ele ficou receoso”. Claudio também falou sobre os mencionados relançamentos do catálogo do Overdose: “Armamos com a Cogumelo e coincidentemente estava acontecendo a volta da banda”. Além de “Século XX” e “…Conscience…”, os demais álbuns também serão relançados. Bom pra quem esperava, principalmente, por “Scars”, que nunca saiu no Brasil. “Agora comprei um (CD) australiano, um inglês, um americano…”, comemorou Cláudio. “Falando sério, eu acho um absurdo um disco do nível do “Scars” não ter sido lançado no Brasil”, esbravejou. “A gravadora lá de fora também não fez força pra lançar no Brasil, assim como ninguém daqui”, contou. Empolgado, Cichovicz complementou: “Acho que o que vai ser legal, é que depois de 35 anos de banda, o nosso último disco, que não saiu na época, agora vai sair”, vibrou. “E “Scars” vai ser mesmo o próximo. Estamos revisando tudo, capa, etc, e vai sair igual o original, mas com algumas surpresas a mais”, antecipou. Resta-nos aguardar pelos próximos relançamentos do Overdose. E tomara que a banda não demore mais tanto tempo pra voltar à São Paulo. E que esse retorno aos palcos resulte em um novo álbum, de preferência!
OVERDOSE – Setlist:
Intro – The Front
Rio, Samba e Porrada no Morro
Street Law
My Rage
The Zombie Factory
Manipulated Reality
Children of War
How to Pray
Faithful Death
Favela
Progress of Decadence
Anjos do Apocalipse
Última Estrela