Por Leandro Nogueira Coppi
Fotos: Rafael Andrade
Lá se vão dez anos da estreia do Ghost no Brasil, quando de sua apresentação no Rock in Rio – em paralelo, o grupo abriu para Iron Maiden e Slayer em São Paulo (SP) e em Curitiba (PR). Na ocasião, a banda sueca criada pelo visionário Tobias Forge divulgava seu então recém-lançado segundo álbum, Infestissumam. De lá para cá, o grupo formado em 2008 lançou mais três álbuns de estúdio e diversos outros materiais, conquistou o mercado norte-americano com o sucesso estrondoso de seu mais recente ‘full lenght’, Impera (2022), retornou ao Brasil outras três vezes e hoje é considerado um dos maiores nomes do rock. Foi um crescimento avassalador para um grupo que quando surgiu era visto como algo ‘cult’, que nem de longe aspirava um dia alcançar tamanha popularidade. Como resultado desse crescimento, em sua quarta passagem pelo Brasil, que teve apenas São Paulo (SP) no itinerário da “Re-Imperatour Latin America 2023”, o Ghost precisou de uma data extra retroativa na última quarta-feira (20), visto que os ingressos para o show de quinta-feira (21) se esgotaram rapidamente – vale ressaltar que houve problemas no processo de vendas online para essa que até então seria data única. Para a abertura nas duas noites foi escalada a Crypta, banda que recentemente foi elogiada na imprensa pelo próprio Tobias. Infelizmente, conforme explicado pela própria em suas redes, por questões de logística do próprio evento que fugiram do controle das duas bandas e de suas respectivas produções, o grupo brasileiro só teve condições de se apresentar no segundo dia.
Curiosamente, coincidiu de essa apresentação da Crypta ter acontecido justamente no dia em que divulgamos a nova edição da ROADIE CREW, #276, que traz justamente o quarteto formado por Fernanda Lira, Tainá Bergamaschi, Jéssica Di Falchi e Luana Dametto como destaque. Esse show marcava o início da promoção do segundo e novo álbum de estúdio da banda, Shades of Sorrow, que foi lançado no último mês de agosto. Antes mesmo de a banda surgir no palco, seu nome já estava sendo ovacionado. Após o clima sombrio criado com a introdução de abertura do novo disco, a instrumental The Aftermath, o quarteto foi recebido de forma calorosa pelo público que, por sinal, já preenchia em ótimo número as dependências do Espaço Unimed. O grupo correspondeu ao “abraço” mandando com precisão Lift the Blindfold, uma das mais intrincadas do novo álbum. Os elementos principais da capa de Shades of Sorrow ornando o palco davam um clima ainda mais intenso, favorecido pela iluminação que colaborava para o clima das músicas. Em termos de qualidade de som, tudo correu muito bem também.
O repertório da Crypta para esse show foi pensado de forma a priorizar o novo álbum, então a banda mandou uma rajada de death metal com outras quatro pedradas do disco, Stronghold, The Outsider, Lullaby for the Forsaken e Poisonous Apathy. Além da precisão nas execuções, o quarteto soube muito bem preencher o espaço que tinha no palco. Aliás, rolava um impacto visual bem legal quando Jéssica e Tainá se aproveitavam da grande extensão do palco e tocavam cada uma em pé em cima de uma das caixas posicionadas nas extremidades. Isso é muito legal, quando uma banda tem segurança no palco e mostra essa noção de movimentação, de ocupação de espaço e de trocas de posições, o que reflete ao público uma performance altamente profissional.
Apesar de priorizar o novo álbum, as integrantes da Crypta não deixaram de valorizar seu disco de estreia, Echoes of the Soul, de 2021, e dele começaram por Under the Black Wings. Sem muito tempo para se comunicar, a sempre carismática Fernanda Lira inflamava o público através de gestos ou de algumas falas e agradecimentos rápidos. Já caminhando para o final de sua apresentação, Fernanda, Tainá, Jéssica e Luana descarregaram dois dos carros-chefes de Shades of Sorrow, as bem recebidas The Other Side of Anger e Lord of Ruins. Para a despedida, optaram por mais uma do debut, a explosiva e visceral From the Ashes, uma das mais porradas entre os dois discos. Que bom foi ver que, apesar das duras críticas e galhofas que a banda costuma receber no “maravilhoso” mundo virtual da Internet, no ‘face to face’ a coisa é bem diferente e muito mais positiva e saudável. As musicistas da Crypta saíram aplaudidas e o nome da banda foi exaltado por muita gente que fez questão de prestigiar.
“A noite inteira com certeza foi uma das mais especiais para a banda até hoje”, disse Fernanda com exclusividade à ROADIE CREW. “Foi uma junção de um monte de fatores, primeiro porque esse foi o show que marca o começo de uma nova era da banda; foi o primeiro show da turnê nova que por si já torna tudo muito especial, principalmente por conta da recepção do disco, que tem sido muito massa”. Fernanda não escondeu a felicidade de ter tocado com uma das maiores bandas da atualidade e também com o mencionado elogio que a Crypta recebeu de Tobias Forge em entrevista para a inglesa Metal Hammer. “Eu já tinha me sentido muito feliz em ser conectada com essa banda quando saiu uma matéria gringa que o Tobias Forge falava da Crypta, que era uma banda nova que ele acha legal, e isso foi muito especial. Ser validada por um dos maiores nomes do gênero é um reconhecimento muito bacana, e saber que dividiríamos o palco tornou tudo mais especial”. Empolgada com a recepção do público, o maior para o qual a Crypta já tocou na capital, Fernanda foi só elogios e agradecimentos: “Já sabíamos que seria o maior público que a gente teria tocado em São Paulo. E foi. Apesar de a Crypta e o Ghost serem de gêneros diferentes, chegar lá e ver o nome da banda sendo chamado pelas pessoas antes mesmo de soltarem a intro foi muito especial. Sabíamos que tinha gente ali para nos ver. Tinha gente cantando e quem não sabia cantar estava apoiando. De modo geral, foram muito receptivos com a gente. Por tudo isso, foi uma das noites mais bacanas da nossa história”.
Depois da apresentação da Crypta, a euforia começou a tomar conta do local quando alguns cantos gregorianos começaram a rolar no som mecânico por longos minutos. O clima para a missa do Ghost estava pronto, faltando apenas o clero surgir no altar. Àquela altura, o calor já era insano, visto que as altas temperaturas têm sido críticas em São Paulo nas últimas semanas. Enquanto a cortina branca não caía e o show não começava, notávamos a predominância de uma nova geração ali presente. Muitos fãs atuais da banda sueca talvez nem tivessem idade para ter visto a apresentação mais recente do Ghost no país, quando de sua apresentação na segunda e última edição do Maximus Festival, realizada em 2017. Nas ambiências, percebíamos também muitos fãs maquiados como os personagens de Tobias Forge no Ghost, seja como Papa Emeritus, Papa Nihil ou o canastrão Cardinal Copia. Alguns também usavam as máscaras antigas dos “famosos secretos” Nameless Ghouls. Quando a introdução Imperium começou a rolar no som mecânico, a histeria foi geral e ensurdecedora. Assim que a cortina caiu revelando os vitrais de uma Igreja sacro/satânica com os Ghouls já posicionados executando a primeira do último álbum completo de estúdio, Imperia, a contagiante Kaisarion, o local tremeu, porém não mais do que quando Tobias, na persona de Papa Emeritus IV, surgiu correndo pelo palco.
A sequência com a radiante Rats, hit do álbum anterior, Prequelle (2018), só me confirmou que cada vez mais a sonoridade do Ghost caminha para um viés mais comercial, bebendo de elementos do hard rock e do AOR, algo observado, por exemplo, nos riffs, nas camas de teclado, no uso de três Ghouls (às vezes quatro, considerando a tecladista) ao fundo do palco acrescentando em melodias nas linhas vocais grudentas de Tobias, que acumula experiência em seus trabalhos com outras bandas como Superior, Crashdïet, Repugnant, Onkel Kankel, Magna Carta Cartel e Subvision. Prosseguindo, uma mudança no set em relação ao show da noite anterior, o Ghost trocou Faith, também de Prequelle, pela antiga From the Pinnacle to the Pit, de seu terceiro álbum, Meliora (2015). Depois dessa, um dos pontos altos aconteceu com outra do novo álbum, Spillways, que como deu para notar, já se tornou um clássico da banda.
Outro momento ímpar do show rolou na antiga Ritual, do debut Opus Eponymous, de 2010. Foi engraçado perto do final da música quando um dos Ghouls, o da guitarra branca, se “empolgou” fritando no solo final e foi “repreendido” pelo baixista. Prontamente ele mostrou ao parceiro um adesivo colado nas costas de sua guitarra com os dizeres “You suck” (em livre tradução, “você é um merda”). Aliás, os Nameless Ghous são uma atração à parte em um show do Ghost. Sempre agitam e interagem, entre eles ou com o público. Nessa nova era do Ghost, o visual dos Ghouls foi repaginado. Deixaram os trajes clericais no passado e hoje adotam uma vibe steampunk, porém declaradamente influenciada por Star Wars, parecendo intencionalmente como pilotos militares de algum exército maligno.
Depois de um pouco mais de firula instrumental dos Ghouls, Tobias retornou ao palco, agora à moda antiga como o velho Papa Emeritus. Era a vez de mais um hit de Impera: Call Me Little Sunshine. No meio rolou uma paradinha para os fãs cantarem e eles corresponderam à altura! Agora sem turbante e liberando os espíritos com incensário, beneficiado por uma iluminação infernalmente vermelha, Papa Emeritus comandou o caos com o clássico Con Clavi Con Dio. Alguns outros pontos de arrepiar vieram depois de outra das novas, Watcher in the Sky, começando pelo hino Year Zero, mais uma de Infestissuman. Depois foi a vez da bela e emocionante He Is. Próximo do final da instrumental Miasma, Papa Nihil foi ressuscitado e, usando um óculos retro-wave, a finalizou com um solo de saxofone de emocionar. Também ao final de Mary on a Cross, música do EP Seven Inches of Satanic Panic (2019), o público cantou a capella o refrão da música. Papa Emeritus, que ao longo do set ia trocando de figurinos, brincou com o público dizendo: “Não diga “Cross, diga “Mary on A”, de uma forma que soou como se tivesse dito “marijuana”.
Na sombria Mummy Dust, teve chuva de papel picado caindo e colando na pele dos fãs suados que quase derretiam com o calor descomunal instaurado no recinto. Ao final dessa, Papa Emeritus fez um longo discurso de pouco mais de quatro minutos, incluindo algumas tiradas com o público. Ele falou do calor que fazia e arrancou gargalhadas gerais ao comparar o sentimento bom que todos estavam tendo, ao sentimento que rola “pós-coito”. Também ressaltou que era melhor imaginarmos que estávamos todos nos divertindo do que pensar que a diversão já estava acabando (Sabe aquele papo de valorizar a metade cheia do copo? Então!) Tobias também agradeceu pela presença de todos e fez comentários elogiosos à Crypta, dizendo se tratar de uma ótima banda, pela qual as pessoas ali deveriam sentir orgulho por ser uma das boas bandas brasileiras. Respondendo com aplausos, os fãs do Ghost gritaram o nome da Crypta. Eles também foram bastante elogiados pelo cantor, que também lhes agradeceu por rirem de suas piadas. Disse até que isso significava muito para ele.
De fato o show estava próximo do fim, mas Tobias assegurou ao público que se eles queriam três músicas para o final, certamente teriam. Após o frotman mandar um “Muito obrigado, Brasil”, em belo e bom português, o dedilhado ouvido revelou Respite on the Spitalfields, música em que o destaque foi o batera, que executou algumas viradas cavaleres. Na volta do bis, a banda mandou uma trinca poderosa formada pela ótima Kiss the Go-Goat, a comemorada Dance Macabre e, para fechar, aquela que esse que vos escreve considera a melhor música do Ghost, a grudenta Square Hammer.
Emocionados, Tobias e seus oito Nameless Ghouls caminharam de um lado ao outro do palco por alguns minutos agradecendo aos fãs que compareceram e ajudaram a fazer dessa uma grande noite e esse um dos melhores shows que São Paulo recebeu em 2023. Se há uma coisa de negativo a dizer sobre a noite de quinta-feira (21), fica exclusivamente para o calor insuportável que vem afetando os paulistanos. No mais, foi uma noite memorável, tanto para o público, como também para a Crypta, que tocou para o maior número de pessoas em São Paulo, obtendo reconhecimento e respeito das mesmas, quanto para o Ghost, que se despediu do Brasil tendo a certeza de que aqui se encontra uma de suas bases mais fortes de fãs no mundo todo. Palmas para todos!
Ghost – set list:
- Imperium (intro)
- Kaisarion
- Rats
- From the Pinnacle to the Pit
- Spillways
- Cirice
- Absolution
- Ritual
- Call Me Little Sunshine
- Con Clavi Con Dio
- Watcher in the Sky
- Year Zero
- Spoksönat (intro)
- He Is
- Miasma
- Mary on A Cross
- Mummy Dust
- Respite on the Spitalfields
- Kiss the Go-Goat
- Dance Macabre
- Square Hammer
Crypta – set list
- The Aftermath (intro)
- Lift the Blindfold
- Stronghold
- The Outsider
- Lullaby for the Forsaken
- Poisonous Apathy
- Under the Black Wings
- The Other Side of Anger
- Lord of Ruins
- From the Ashes