Por Alessandro Bonassoli
Um contato via Facebook para confirmar uma informação sobre Savant Attack, o mais novo trabalho do Savant – cuja resenha será publicada em breve na ROADIE CREW –, gerou uma conversa entre este repórter e Antônio Vargas, vocalista e guitarrista da banda carioca. E o que era um bate-papo informal acabou gerando esta entrevista, que traz alguns detalhes sobre o terceiro álbum do grupo, um dos dignos representantes do thrash metal no Brasil que tinha, até então, somente os EPs Portrait Of Reality (1999) e Evidence Elimination (2004), os full lenghts No Hope (2007) e Serial Killer´s Tales (2017) e o single Nose Dive (2020).
Você é o único remanescente da formação original do Savant. E nada mais comum, principalmente no Brasil, do que grupos que encaram múltiplas trocas de integrantes. Como isso é para o Savant?
Antônio Vargas: No nosso caso, as pessoas foram buscando outros rumos. Esse processo de recomeçar sempre foi um problema, mas a atual formação – que inclui Daniel Escobar, na guitarra Frederico Lima no baixo e Felipe Saboia na bateria – está estabilizada há um bom tempo e sobrevivemos à pandemia.
Falando nisso, o novo álbum deveria ter saído há três anos. Quais fatores mudaram a programação de vocês?
Antônio: Esse álbum era para ter sido lançado em 2020, mas aí com uma série de situações durante a pandemia, como o nosso batera ter recebido um convite para trabalhar fora do País, e como não estava rolando show nem eventos, decidimos adiar.
Isso não se tornou uma frustração?
Antônio: No período que a gente gravou o álbum já fomos aperfeiçoando o material. Aí a pandemia abriu espaço para a gente ouvir e reouvir muitas coisas. Vimos muitas bandas lançarem seus trabalhos durante a pandemia, mas não sei exatamente mensurar o quanto foi positivo ou importante para elas e qual foi a taxa de retorno. Mas a gente preferiu esperar para saber como é que ia rolar. Acabou que, no final, o destino quis que a gente lançasse esse disco juntos. E isso ajudou a solidificar muito a nossa formação. Tivemos um substituto para fazer algumas datas, mas nada supera a formação oficial.
Uma vantagem também foi ter o produtor na própria banda.
Antônio: Sim, tudo foi produzido pelo [guitarrista Daniel] Escobar, que já trabalhou com o Leather [gravação e edição], ForKill, Eros e Grave Desecrator [produção] e Affront [mixagem e masterização], Azul Limão, entre outras. Ele e os demais entraram para o Savant durante a tour do Serial Killer´s Tales. E todos participaram do processo de composição. Assim, logicamente tem muitas ideias ali que eles trouxeram. Todas as escolhas feitas, incluindo capa e encarte, tudo foi decisão coletiva.
Desde o primeiro registro, o Savant sempre foi thrash metal. E, após ouvir o novo álbum, tenho certeza de que tem tudo para ser um dos melhores do ano no Brasil dentro do estilo. Mas o que mais me chamou atenção – e isso não é uma crítica ou demérito para a banda – é que o principal destaque é Burden Visions, uma balada. Não no sentido romântico da expressão, mas, na prática, é uma balada.
Antônio: Essa música é muito emblemática para mim, pois foi a segunda que compus quando pensei em montar a banda. Ela passou por algumas modificações ao longo do tempo, como na parte final. O processo foi muito bacana, apesar de trabalhoso.
Outro fator que aumentou a relevância desta faixa é uma surpreendente participação especial de Fernanda Lyra (vocalista da Crypta).
Antônio: Inicialmente, pensamos em vários nomes para convidar para fazer essa participação. Há uma versão dessa música comigo cantando ela toda. No entanto, Daniel, sentiu a necessidade de constrate comigo pois a música pedia isso. Daí pensamos nela, como acabou sendo. E a interpretação da Fernanda é de alto nível, totalmente diferente do que faz na Crypta, e do que fez quando integrou a Nervosa. A temática dessa música é muito pessoal para mim, trata de problemas que acontecem com homens e mulheres, por isso a gente tinha que ter uma voz feminina. Falo ali sobre o quê a gente faz no mundo, por qual motivo veio para o mundo. É algo intimista. Sempre tive uma forma de ver a vida, sempre fui muito racional. E por causa da minha formação profissional, sou psicólogo e atuo há 25 anos, fiquei muitas vezes avesso às minhas intuições. E toda vez que eu não ouvi minhas intuições, acabei meio que me ferrando. Hoje, eu sigo minhas intuições.
A presença de Fernanda também não é por acaso, certo?
Antônio: A Savant é uma banda de vanguarda que sempre teve mulheres. A formação original tinha uma integrante mulher, que é a Monika Reeve, guitarrista, que participou de Portrait Of Reality e Evidence Elimination. Depois a gente trabalhou com outra guitarrista, a Mili Redberyl, que gravou alguns solos em Serial Killer´s Tales, onde ambas fizeram trabalhos sensacionais. E agora nós temos a participação da Fernanda, que topou um pouco antes de sair para a atual turnê da Crypta. E sempre tivemos o histórico de participações especiais. No álbum No Hope contamos com o Alex Di Lalo, do Andralls. Depois, no Serial Killer´s Tales, tivemos Frank Blackfire [Sodom, ex-Kreator, ex-Assassin], que gravou o solo na música The Gray Man. Ou seja, não estamos fazendo nada diferente do que sempre fizemos ao longo da carreira. Não é uma fórmula, mas são elementos enriquecedores para as composições.
Ainda sobre letras, é fácil notar que você faz vários questionamentos também em outras músicas.
Antônio: Sim! Cyberscript é sobre inteligência artificial. Falo também sobre trajetória de vida em Before And After. A gente não fez um disco somente para impressionar musicalmente. Sempre tivemos muito cuidado, e eu sempre fui muito chato com a questão das letras. Se não for uma coisa que eu acredito que “bata”, não apenas com o que eu penso, mas com o quê está realmente acontecendo no momento, com a realidade, a letra não passa mesmo.
Outro exemplo é Dark Fate?
Antônio: Esta é quase que uma homenagem ao filme Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final [dirigido por James Cameron, lançado em 30 de agosto de 1991 e estrelado pelo ator Arnold Schwarzenegger]. A paranóia da Sarah Connor [personagem interpretada pela atriz Linda Hamilton], que era chamada de esquizofrenia, na verdade era uma visão do que estava 30 anos na frente. E nós estamos meio que vivendo isso com algoritmos, inteligência artificial e coisas do tipo. O mundo está encantado com isso, mas eu acho que estamos indo para um caminho muito complexo. O que vai ser de nós daqui algum tempo?
Por suas palavras e pelas demais faixas que ouvi em Savant Attack a impressão é que a banda não fica no padrão geral adotado pela grande maioria dos grupos existentes. É isso mesmo?
Antônio: O álbum tem questionamentos a serem pensados. Não fizemos um disco do tipo “leve”. A gente conseguiu fazer a interpretação das músicas de uma maneira para tratar de assuntos delicados, tanto intimistas quanto genéricos, ou mais coletivos, de uma maneira realmente pesada para as pessoas poderem pensar. O álbum não é só as músicas, a arte da capa e do encarte. Eu peço que as pessoas leiam as letras. Se você ver o clipe da Nosedive, e acompanhar a lyric, você já verá que a gente está meio que falando sobre a questão das pessoas estarem meio que dependentes do “like”. E eu gosto muito de fazer analogias com o cinema, que traz umas mensagens para a gente que são interessantes. Nosedive, por exemplo, foi inspirada no primeiro episódio da terceira temporada da série Black Mirror. A White Hell, que a gente gravou em 2007 [no álbum No Hope], foi inspirada no filme As Invasões Bárbaras [coprodução franco-canadense, dirigido por Denys Arcand, em 2003], que fala o sistema de saúde.
A parte lírica, então, tem grande importância para o Savant?
Antônio: Sim. Não escrevemos uma letra por escrever. A gente escreve para as pessoas pensarem, mas nem todo mundo tem essa preocupação de fazer a leitura. Mas aqueles que fizerem, eu acho que vão gostar.
Para fechar a conversa, qual é a próxima meta do Savant?
Antônio: Pouco antes de sabermos que o batera ia para fora do País, a gente tinha sobras de músicas que selecionamos para trabalhar depois destas que estão em Savant Attack. Então, na verdade, já temos engatilhados 70% de um próximo álbum. Eu mesmo já comecei a mexer em alguns arranjos. Tem umas quatro que parecem ter nascido prontas. A máquina não pode parar.