Por Antonio Carlos Monteiro
Um dos episódios mais chocantes e tristes da história do metal brasileiro aconteceu no dia 8 de junho de 2019, data em que faleceu um dos maiores músicos que este país já conheceu, Andre Matos.
Vários eventos foram realizados para marcar a riquíssima trajetória de Andre, sendo que o principal acabaria sendo o documentário “André Matos – O Maestro do Rock”. Idealizado pelo cineasta Anderson Bellini, com pré-produção do jornalista Thiago Rahal Mauro e fotografia de Renato Viliegas, o filme vai ser composto por quatro episódios e está sendo viabilizado através de financiamento coletivo de fãs de Andre. A primeira parte estreou em sessão de gala no Teatro Municipal de São Paulo no dia em que Andre completaria 50 anos, 14 de setembro de 2021. Já o segundo episódio teve sua estreia em abril de 2023, durante o Summer Breeze Brasil, e no dia 10 de outubro será exibido simultaneamente em dez salas da rede Cinemark de cinema.
O documentário teve início com uma longa entrevista concedida por Andre a Anderson e Thiago. Posteriormente ao falecimento do músico, sua família cedeu a Bellini um vasto material e a isso se somaram entrevistas com cerca de cem pessoas que de algum modo tiveram envolvimento na carreira de Andre, o que viabilizou o projeto no formato em que está sendo realizado.
A primeira parte focou principalmente na infância e juventude de Andre, o despertar de seu gosto pela música e a formação de sua primeira banda, Viper, trazendo depoimentos de familiares como sua mãe, Sônia Coelho, seu irmão, Daniel Matos, e seu primo Eco Moliterno.
Já o segundo episódio detalha sua saída do Viper para se dedicar ao estudo de música erudita, com depoimentos de seus então parceiros de banda Pit e Yves Passarel, Felipe Machado e Cassio Audi, e o embrião do que viria a se tornar o Angra, que começou na faculdade de música que Andre cursava – afastando as especulações de que seria uma “banda armada”.
O filme ainda mostra Matos falando sobre o impacto que o Judas Priest causou nele com sua performance no Rock in Rio de 1991, com direito a depoimento de Rob Halford a respeito – ele é de uma elegância enorme, como sempre.
Toda a trajetória do Angra é contada com riqueza de detalhes, com participações de todos os integrantes, à exceção de Luiz Mariutti e Ricardo Confessori que, conforme consta nos créditos finais do filme, gravaram entrevistas mas depois pediram para que suas partes fossem retiradas.
A gravação do primeiro disco, Angels Cry (1993), também é um momento revelador, já que as dificuldades foram imensas: “Ali a gente se deu conta do quanto era amador”, confessa Andre.
Os problemas de relacionamento também são parte importante do documentário, em especial entre Andre e Rafael.
E também tem espaço o famoso concurso em que supostamente seria escolhido o sucessor de Bruce Dickinson no Iron Maiden. Enquanto Andre é extremamente sincero ao declarar que “nunca tive esperança ou sonhei que faria parte do Iron Maiden”, Blaze Bayley, vocalista que ficou com o posto, dá um surpreendente depoimento sobre o brasileiro.
A gravação de Holy Land (1996), mesmo com a banda bem mais experiente, não foi menos atribulada, já que Andre enfrentou problemas com a voz. “Saber cantar é saber preservar a voz”, define ele.
A polêmica do uso de brasilidade nos discos do Angra e Roots, do Sepultura, lançados quase simultaneamente, também é destaque, assim como a consagração da banda na Europa.
Boa parte do filme mostra a crise que começou a se instalar dentro do Angra, que culminaria na saída de Andre, Luiz e Ricardo após o lançamento de Fireworks (1998). Aos boatos de que a banda pretendia demitir o cantor, Rafael Bittencourt foi claro e direto: “Só se a gente fosse muito burro.”
As questões relativas ao empresariamento e que levaram ao racha na banda são tratadas de forma direta mas sem sensacionalismo – ponto para os produtores do filme. O empresário da banda à época, Antonio Pirani, não quis gravar sua participação no documentário, o que acabou deixando algumas perguntas sem resposta, mas mesmo assim o tema foi bastante aprofundado.
Em resumo (e fazendo um grande esforço para não dar spoilers), o fato é que “André Matos – O Maestro do Rock Episódio 2”, apesar de ser um pouco pesado para quem conheceu Andre de forma mais próxima, como este que vos fala, merece ser assistido por todos, desde aqueles que conhecem profundamente sua história até aqueles que desejam travar contato com a trajetória desse grande artista. A qualidade de filmagem, fotografia e edição não deixam a desejar para nenhum daqueles documentários bacanas que você costuma assistir na TV e a forma como os fatos são apresentados prendem você de uma forma diante da tela que as mais de duas horas passam num piscar de olhos.
Que venha logo o terceiro episódio.