Por Valtemir Amler
Na Noruega dos anos 90, se uma nova banda surgia em qualquer lugar do país, você já sabe, era quase certeza de se tratar de uma nova formação de black metal. Se não fosse, a chance predominante era de ser uma banda gótica do estilo ‘beauty and beast’, bem aos moldes dos clássicos Theatre Of Tragedy, Tristania e Trail Of Tears. Obviamente não era só isso que existia na cena pesada norueguesa, e um dos melhores exemplos disso era o Gothminister. Formado em 1999, o projeto musical liderado pelo vocalista Bjørn Alexander Brem não caminhava pelas trilhas do black nem tampouco do gothic beauty and beast, mas incorporava elementos específicos de ambas em sua inteligente trama musical, trazendo trevas ao chamado gothic industrial metal. A despeito das probabilidades negativas (por conta do que explanamos no início), o sucesso veio rápido, e já com o lançamento do seu debut, Gothic Electronic Anthems (2003) a banda se tornou sensação especialmente na Alemanha, onde a mistura de música gótica, eletrônica e industrial sempre teve grande público. O álbum seguinte, Empire of Dark Salvation (2005) garantiu uma exposição internacional ainda maior, sendo lançado inclusive no Brasil, e todos já percebiam que a banda era uma realidade e uma constante no cenário. A passagem dos anos, as inevitáveis transformações na indústria musical e na maneira como consumimos música, nada disso parece ter afetado o apetite musical do Gothminister (nome adotado pelo líder, Bjørn Alexander Brem) que se mantém firme e lançando novo material em intervalos regulares. Veja o que ele tinha a nos dizer sobre isso.
Uma das coisas que sempre me marcou na música do Gothminister é a maneira como equilibram os dois lados da música industrial, de um lado os riffs gordos e repletos de groove do industrial metal, e de outro, a ambiência e atmosfera do eletrônico. Tudo isso gera uma inequívoca aura gótica na sua música. Como foi sua relação com a música gótica, na juventude?
Bjørn Alexander Brem: Bem, no início de tudo, ainda antes de eu pensar em compor minhas próprias músicas, eu era muito fã de música pesada. Você sabe, ouvia muito thrash, death e black metal, e ouvia até um pouco de power metal, ocasionalmente, embora não fosse nada do que eu realmente gostava. Existiam algumas bandas que eu seguia com mais atenção, Obituary, Kreator, Coroner, Slayer, Metallica, Iron Maiden, Manowar, você sabe os gigantes da nossa época, aquelas bandas que você simplesmente não tinha como evitar porque eram boas demais e estavam em todos os lugares. Dentre as bandas que eu também apreciava muito, estava o Paradise Lost, mas na época ainda não tinha assimilado toda essa coisa do gótico, foi algo que foi vindo aos poucos, conforme eu ia me envolvendo mais e mais com a música no papel de música, e não apenas como fã.
E quando isso efetivamente começou a ocorrer?
Bjørn: Ah, já foi há muito tempo, meu amigo! Veja, lá pelo final dos anos 80 eu e alguns amigos já tínhamos uma banda de thrash metal. Na Noruega nunca tivemos muitas bandas de thrash, o que é engraçado, pois existiam muitos fãs desse tipo de música por aqui, mas a coisa simplesmente não vingava, parece que o lance era o death e o black.
É verdade, mas ainda assim acho que o Equinox estava entre os melhores em todo o mundo.
Bjørn: Ah sim, concordo totalmente. Eles eram ótimos, muito técnicos. Acho que sempre foram os maiores do thrash por aqui, conseguiram até um contrato internacional, eu acho (N.R: Em 1990 o Equinox assinou com a poderosa RCA para o lançamento de seu segundo álbum, The Way To Go. O acordo ainda incluiu o próximo e penúltimo álbum oficial dos noruegueses, Xerox Success, de 1992). Mas as coisas realmente não aconteciam para o thrash por aqui, então nós acabamos ficando para trás. Nos anos 90, ainda na primeira metade da década, já me envolvi com uma banda industrial, o Disco Judas. Fiquei com essa banda de 1994 até 1999, que foi quando a banda se separou. Naquele mesmo ano, formei o Gothminister.
Como funcionou essa história?
Bjørn: Bem, a história por trás no nascimento do Gothminister é que um amigo me convidou para ir com ele até um clube gótico, um dos muitos que tinham na Noruega naquela época. Ele falou que deveria ir, porque era algo muito diferente e que iria expandir meus horizontes artísticos, a coisa toda que você fala quando quer convencer alguém a fazer algo (risos). Eu fui até lá, e detestei o visual, era tudo andrógeno demais para mim, muito distante de toda a experiência que tinha tido no mundo do metal até então. Eu pensava, ‘ok, não é isso que quero para mim, definitivamente não é isso que quero fazer’. Por outro lado, a música já tinha me conquistado! As melodias melancólicas misturadas com aquelas batidas dançantes, a coisa toda acabou me ganhando com a musicalidade e o ambiente. Bom, naquela mesma noite, após várias cervejas, comecei a conversar com o meu amigo, falei que aquilo me dava uma visão, que imaginava uma banda que pudesse mesclar aquilo com as guitarras pesadas de um Rammstein ou Ministry, uma banda que atuasse como uma espécie de liderança para aquele cenário, um ‘Gothminister’, por assim dizer. Disse que queria uma imagem mais masculinizada, mais assustadora, mais rígida e autoritária, para combinar com a proposta do ‘goth’ e do ‘minister’, entende? Tinha que ter a aura do ‘gótico’, mas também aquela sensação de autoridade do ‘ministro’. A ideia, o conceito nasceram basicamente pronto na minha cabeça.
Inspiração em estado bruto.
Bjørn: Sim, boas ideias nasceram daquele dia, que não esqueço por vários motivos. Primeiro, porque foi basicamente ali que nasceu o Gothminister. Segundo, porque fiquei realmente bem doente.
O que houve?
Bjørn: Basicamente, tive uma noite muito divertida, bebi muitas cervejas, tive boas ideias e de alguma maneira perdi a minha jaqueta. No final da noite, lá estava eu, voltando para casa apenas de jeans e camiseta em plenos -22ºC. Aí está uma experiência que não recomendo para ninguém, não façam uma idiotice dessas (risos).
Ah, entendi. Foi uma experiência do tipo ‘quase morri, mas me sinto bem’.
Bjørn: Pois é, literalmente isso (risos). Eu tive uma inflamação grave na garganta, achei que nunca mais poderia falar, mas isso nem foi o pior. Passei muito tempo de cama, febril, aquilo literalmente quase me matou. Tive que pausar meus estudos enquanto me recuperava, mas foram naqueles dias que escrevi as primeiras músicas do Gothminister, então acho que tudo bem, é um bom equilíbrio (risos).
Acho que é a primeira vez que ouço uma história assim como a gênese de uma banda.
Bjørn: Ah, a ideia era ser único mesmo (risos gerais). Bem, no início nem era uma banda, era um projeto só meu, um projeto eletrônico de um único homem, foi assim que a coisa originalmente foi concebida. Porém, eu sempre tive minhas raízes no metal, então não queria que ficasse daquele jeito. Eu queria uma banda, queria o som de uma bateria de verdade no palco, guitarras de verdade, música pesada, explosiva. E foi isso que fiz, busquei por instrumentistas, formamos uma banda de verdade e começamos a tocar, e o resto é história.
Pelo que me lembro, no começo foi complicado.
Bjørn: Foi sim, bem complicado. Nós tínhamos a banda, a imagem, o conceito e até as músicas, mas todos nos odiaram na Noruega! Esperávamos que fosse existir uma certa resistência no meio do metal, mas o que aconteceu foi que, no meio gótico, os caras olhavam para a gente e diziam ‘quem vocês pensam que são para chegar aqui dizendo que são os líderes de uma cena que não vivenciam e de que não sabem porra nenhuma?’. Quer dizer, era para ter sido o nosso fim, mas no fim das contas não poderia ter sido melhor (risos).
Como assim?
Bjørn: Ah, o que quero dizer é que no fim não precisamos gastar um centavo com promoção, entende? Aquela reação de verdadeiro ódio que tiveram por nós no meio gótico foi tudo o que precisávamos no início, começamos a ter muita atenção, todos estavam falando sobre nós, éramos uma piada basicamente, mas uma piada que recebia promoção gratuita o tempo todo! E esse ódio dos góticos garantiu nosso espaço entre os fãs de metal (risos).
Se tivesse sido planejado, não teria funcionado tão bem.
Bjørn: Exatamente (risos). E o engraçado é que hoje os góticos nos veem como uma liderança mesmo, vêm nos cumprimentar dizendo o quanto é bom que tenhamos dado certo como banda. Claro, essas são pessoas diferentes daquelas que nos odiaram um dia, mas ainda assim é curioso.
Isso é realmente curioso, acho que ninguém pensaria em algo assim. Quer dizer, a cena gótica era forte na Noruega, a banda Combichrist se tornou realmente grande, e o seu líder também é norueguês (Ole Anders Olsen, que atua sob o nome Andy LaPlegua). Ninguém pensaria que artistas do gênero teriam dias difíceis por aí.
Bjørn: Sim, as coisas as vezes não são tão simples de entender. Conhecemos o Andy, e ele seguiu por esse mesmo caminho, cresceu no hardcore e criou um projeto industrial, que hoje está bem mais focado no metal. A história é bem semelhante, nós fomos odiados na Noruega, e tivemos que estourar na Alemanha antes de ter algum valor por aqui. Andy criou uma banda nos EUA e estourou por lá antes. Parece que para alguém do nosso meio se dar bem por aqui, precisa primeiro se dar bem em outro lugar. Mas é importante que ainda assim todos nós decidimos fazer o que queríamos fazer, e acabamos nos dando bem com isso.