Por Alessandro Bonassoli
O ponto positivo inicial após a primeira audição de Love | Hate | Hope | Despair, segundo álbum do duo Fenrir´s Scar, é a sensação de que certos dogmas da música pesada podem, sim, ser ignorados. Eu diria até que, em muitos casos, devem ser deixados de lado. E no sucessor do autointitulado trabalho de estreia lançado em 2017, Andre Baida (voz, baixo e guitarra) e a vocalista e letrista Desireé Rezende provam que NÃO é necessário usar a estratégia dos vocais beauty and the beast nem ter uma soprano para tocar gothic metal. Os vocais limpos de ambos guiam muito bem as 13 faixas desta nova fase da dupla de Campinas (SP).
Mas antes de ampliar os detalhes sobre Love | Hate | Hope | Despair é necessário citar que, na prática, o álbum não estava originalmente planejado. Um ano após o lançamento de Fenrir´s Scar, o duo disponibilizou nas plataformas digitais uma versão acústica para uma das canções daquele álbum, From Porcelain To Ivory, e uma brilhante versão para Saturnine, clássica faixa que o The Gathering imortalizou em if_then_else, durante o já distante ano 2000.
Em 2019 saíram mais dois singles: Diggin´ My Grave e Falling Curtains (onde, avalio, iniciou a inserção de mais peso). É a partir daqui que a história do novo álbum começa. No final daquele ano ganhamos Heal You, faixa que fala sobre uma situação que todos, mais cedo ou mais tarde, enfrentamos: a agonia de não poder curar um ente querido que está em estado de doença profunda ou às portas da morte. Cantada em inglês e português, a letra mexe fundo com os sentimentos causados por quem passa por isso:
“Quisera eu curar sua dor
Quisera eu calar a agonia
Além dos olhos, músculos e ossos
Além dos cortes e cicatrizes
Até a alma e o coração ferido
(…)
I´ll always be here for you
The only thing i can do is to hear you
How I wish i could heal you
How i wish i could ease your pain
How i wanted to feel you
If i could i would be there in your place”
Mas a repercussão positiva da faixa causou uma alteração nos planos e um álbum foi programado para o ano seguinte. Estava tudo certo, planejamento pronto, mas veio a “pandemônia” e a coisa se complicou. Foram necessários tempo e paciência em meio à lockdowns e tudo o mais que configurou aquele sombrio período que o mundo todo enfrentou. Foi algo que gerou a compreensível demora para que o convidado Ícaro Ravelo (Arkana Fen, Ruins Of Elysium) gravasse sua participação na bateria e Andre registrasse baixo e guitarra no estúdio do veterano Fabiano Negri que também tem sua contribuição especial com as partes de piano e os solos de guitarra. Se isso não fosse pouco, o trabalho que Andre e Desireé fazem na área de tecnologia da informação aumentou consideravelmente no período, ampliando o compasso de espera.
Como naquele momento não se tinha certeza alguma sobre o futuro, pois a “pandemônia” persistia, a saída foi lançar novas canções isoladas. Assim, Curse Of Mankind, The Enemy Inside e Break The Wheel, surgiram em 2020. O resultado se mostrou eficiente e mais algumas vieram na sequência: Blinded, em 2021, All Your Tears, em 2022, e The Queen Of The Seas, Ruins Of My Sanity e Age Of Arrogance, em 2023.
Encerrada esta fase de angústia, recomeço e redenção, finalmente o álbum está pronto. A pesada Ruins Of My Sanity, composta pelo duo, Negri e Ravelo (que além da batera também gravou o piano), abre o play. Riffs de respeito conduzem o ritmo que, durante o refrão, dá a impressão de que é Gothemburg Sound o estilo do Fenrir´s Scar. Logo em seguida, Age Of Arrogance também traz elementos que indicam uma discreta experimentação que André e Desireé iniciaram sem descaracterizar as origens do gothic metal de ambos. Na letra, outra tônica do álbum, a crítica. Aqui é para àqueles que tentam se impor pela arrogância, mentiras e outros esquemas de baixo nível.
“Malignant lies corrupting you
You think you’re climbing high
But the fall will catch up with you
As no you see through your hubris mirror
Welcome to the age of arrogance
Ignorance dissembled by innocence
We’ve reached the decadence
How great is your malevolence
The higher you climb, the greater your fall
Are you trying to fool us all?”
Outros destaques pela pegada pesada são Blinded e Break The Wheel, que não pouca quem abusa da fé alheia:
“Theocrats hypocrites
Disguising brainwashing with Faith
Deceivers, false prophets
Gaining power
Judging and sentencing fake sins”
Composta pelo Duo e Negri. Final Requiem provoca uma certa estranheza, talvez pela presença de alguns elementos do chamado “metal moderno”. Algo que se repete na bacana The Enemy Inside. Mas isso não é nada que possa afastar mesmo os fãs mais radicais. Ao contrário, só aumenta a certeza de que alguns artistas têm a capacidade de ampliar seus horizontes musicais do modo correto, com uma dose controlada, sem exagerar, mas seguindo suas origens. E neste caso específico, as influências de Lacuna Coil e Entwine são permanentes no DNA do Fenrir´s Scar
Uma das minhas favoritas, Curse Of Mankind fala sobre como o ser humano está destruindo o planeta:
“And it feels like i´m fighting to stay alive
To walk across the Earth
The place who gave me birth
And now it´s claiming it´s rights
Oceans are beeing tatooed with oil
Mother nature is being raped
By your greed, your oh so pure greed”
Como ousadia pouca é bobagem, o Fenrir´s Scar surpreende ainda em The Queen Of The Seas, canção que fala sobre Iemanjá. Posso estar enganado mas ouso dizer que, certamente, é a primeira banda de gothic metal nacional a incluir elementos de música tipicamente brasileira e sem se afastar da sua expertise sonora. Note que uma versão acústica desta faixa aparece como bônus ao fim do trabalho.
Para concluir não posso deixar de falar da arte da capa de Love | Hate | Hope | Despair. É mais um impressionante trabalho de Rômulo Dias, que já fez maravilhas em álbuns do Medjay, Ashes, Pagan Throne e Stormwatch, entre outros, e cuja criatividade e talento aparentam não ter fim.