Por Leandro Nogueira Coppi
Fotos: Belmilson Santos
Quatro anos após fazer a Horror Expo pulsar em São Paulo, os suecos do Deathstars voltaram ao Brasil para show único, novamente na maior metrópole da América Latina. E se na vez anterior tocar na Horror Expo suscitava o ambiente perfeito para uma banda ‘dark’ feito o Deathstars, dessa vez novamente o clima foi propício, visto que a apresentação dos escandinavos aconteceu em plena sexta-feira 13 de mês de Halloween – mesmo dia, aliás, em que o ex-baterista Ole “Bone W. Machine” Öhman completava 50 anos de idade. No Fabrique Club, local do show, a iluminação caliginosa não estava das melhores para o trabalho dos fotógrafos; já para os fãs da banda remetia a atmosfera underground de algum pub gótico londrino de início dos 80 e criava uma aura instigante de pura sinergia com a sonoridade umbrosa e carregada do Deathstars.
Nessa sua terceira passagem (a primeira aconteceu em 2010, no Carioca Club) das ‘estrelas da morte’ à cidade que por enquanto é a única que visitaram em terras brasilis, agora pela “Everything Destroys Latin America Tour 2023” em divulgação de seu quinto álbum de estúdio, Everything Destroys You, que foi lançado em maio pela Nuclear Blast (no Brasil em parceria com a Shinigami Records), o grupo teve a companhia da ressuscitada banda carioca Drama para a abertura.
Formada em 2006, a Drama era figurinha carimbada na região sudeste do Brasil durante a primeira década dos anos 2000. Em São Paulo, por exemplo, conforme recordou o vocalista, guitarrista e fundador Eddie Torres no decorrer do show, o grupo circulou por célebres picos da noite paulistana como Tribe House, Led Slay, Madame e Ego Club. Completado por Ricardo Amorim (baixo) e Jorge César (bateria), o trio iniciou a noite com a pesada Marche ou Morra. Contando com três EPs lançados, atualmente a banda divulga o recente relançamento do segundo, E Agora Eu Sou Assim, nas plataformas de streaming.
A Drama faz um som composto em português e orquestrado por guitarras pesadas, cozinha pulsante, ‘beats’ eletrônicos e ‘synths’ sampleados. À frente disso tudo está o vocal grave de Torres, que soa como um ‘blend’ entre Jyrki 69 (The 69 Eyes) e Dave Gahan (Depeche Mode) – não posso me furtar ao fato de que em muitos momentos tanto esse que vos escreve quanto alguns amigos que desfrutei da companhia concordamos que o timbre e certas linhas vocais de Torres em dados momentos remetiam ao estilo de Bruno Gouveia, do insosso grupo conterrâneo Biquini (outrora conhecido como Biquini Cavadão).
Com a Drama dispondo de apenas 40 a 45 minutos de palco, nos primeiros momentos Torres evitava perder tempo falando com o público no intervalo entre as músicas, então a banda ia descarregando uma música atrás da outra. Como destaques no set aponto a própria Marche ou Morra, Sobre Coisas Que Eu Não Consigo Ser e seu refrão grudento (“Quem pode pode / quem não pode morre”) e a hipnótica Medo de Quem Já Morreu, essa com passagens em que os arranjos sampleados traziam sutilmente à lembrança algo do álbum Antichrist Superstar de Marilyn Manson. Surpresas também fizeram parte do repertório da Drama, como o cover de Lovesong do veterano grupo inglês The Cure e trecho de Vida Louca Vida, um dos hits da carreira do também carioca Lobão.
A montagem do show da Drama dispôs de algumas imagens projetadas no telão que contribuíram positivamente para sua performance. A única ressalva, porém, foi o volume da voz de Torres, que por vezes ficou mais alto do que o necessário. Entre os raros espaços em que falou com o público, o cantor arrancou gargalhadas ao explicar sobre a volta da banda de um hiato que vinha desde 2016: “(…) então (por enquanto) nosso Instagram é uma bosta; a gente era foda no orkut, mas (isso) também não adianta de porra nenhuma mais!”. Para fechar, a banda teve uma sacada legal ao se despedir e agradecer o público tocando justamente a música que leva o título de Obrigado.
Depois de a banda do Rio de Janeiro “amaciar a carne”, o público aguardou alguns bons minutos para o aguardado reencontro com o sorumbático Deathstars. Se você, caro leitor, está aqui de curioso e ainda não é familiarizado com o tipo de som do Deathstars, a banda pratica um gothic metal industrial bem próprio, incrementado com ‘estilhaços’ espirrados de Gothminister, Rammstein, The 69 Eyes, Murderdolls, Wednesday 13, Marilyn Manson, Lord of the Lost, Megaherz, Schwarzer Engel, Oomph! e, entre outros, guardadas as devidas proporções, até mesmo alguma fagulha de Cradle of Filth.
Quando os cadavericamente maquiados Whiplasher Bernadotte (vocal), Cat Casino (guitarra), Skinny Disco (baixo) e Nitro (bateria) entraram em cena enquanto a introdução rolava no som mecânico, foram efusivamente ovacionados. Eles inflamaram ainda mais o público quando tocaram Night Electric Night, música do álbum de mesmo nome lançado em 2009. Nessa abertura foi impossível não lembrar do show do Deathstars na Horror Expo, em que foi uma das atrações principais ao lado dos compatriotas do Therion, quando justamente em Night Electric Night Bernadotte, que etilicamente havia passado um pouco do ponto antes mesmo de subir ao palco, tropeçou no monitor e despencou em cima da plateia. Ainda assim, na ocasião ele seguiu cantando tranquilamente e rindo da situação.
Sobre a qualidade de som no Fabrique Club, ela se manteve impecável do início ao fim do show dos europeus, embora no palco talvez não estivesse tão boa para Casino, que vez ou outra pedia alguns ajustes ao técnico de mesa. Para a decepção de quem não viu o Deathstars em sua primeira passagem por São Paulo em 2010 (me incluo nessa!), assim como aconteceu na Horror Expo novamente o grupo veio desfalcado de seu guitarrista, tecladista e fundador Nightmare Industries. É inevitável lembrar que Emil Nödtveidt (nome verdadeiro de Nightmare) é irmão do líder da extinta banda de death/black metal Dissection Jön Nodtveidt, que cometeu suicídio em 2006, dois anos após cumprir detenção por ter sido cúmplice do assassinato do argelino Josef ben Meddour, de 36 anos – o episódio foi descrito pela polícia local como crime de homofobia. Se a justificativa da não vinda de Nightmare em 2019 foi de que ele priorizou a gravação do então novo álbum do Deathstars, conforme dito pelo próprio Skinny Disco em entrevista à este repórter naqueles dias, dessa vez, segundo apuramos com a Nuclear Blast, o músico ficou na Europa se preparando (!) para uma turnê de sete semanas que acontecerá no Velho Continente. Além disso, nos foi informado também que Nightmare Industries não faz mais viagens de longa duração.
Dando sequência, o figuraça Whiplasher Bernadotte, o compenetrado e econômico Nitro e os empolgados Skinny Disco e Cat Casino – esse com tranças que me fizeram lembrar do Chefe Charlie Cavalo do desenho animado do Pica-Pau – apresentaram aos brasileiros a primeira música do set pertencente ao muito bem produzido novo álbum, Everything Destroys You. Falo da bem aceita Between Volumes and Voids, uma das melhores do disco. Revisitando o álbum anterior, The Perfect Cult (2014), o Deathstars mandou duas músicas mais cadenciadas e com traços da sonoridade glam/gótica dos contemporâneos Vampiros de Helsinki (FIN) do The 69 Eyes, a instigante All the Devil’s Toys e Ghost Reviver.
Depois dessas, a banda de Strömstad apresentou outra das novas, a dançante Midnight Party, que foi acompanhada nas palmas – confira o videoclipe dessa música, que é muito legal. Balbuciando algumas palavras em um tom de voz baixo que pouco dava para entender o que dizia, ainda mais fazendo-se valer de uma entonação grave e lúgubre que mais soava como uma narração de cena de filme de terror, finalmente Bernadotte falou com a plateia e anunciou Tongues, do segundo álbum da banda, Termination Bliss, de 2006.
Greatest Fight on Earth, outra de Termination Bliss, veio na sequência recheada de samples. A próxima, Dead Dies Hard, de Night Electric Night, contou com coro da plateia. Ah, e falando em plateia, assim como os integrantes do Deathstars, havia na pista fãs também maquiados. Sobre performance, Bernadotte não precisa mais do que seu vozeirão e alguns contatos diretos com os fãs no decorrer do show para contagiá-los. Por sua vez, Cat Casino também interage com as pessoas fazendo gestos, caras e bocas, mas, ao contrário do pacato Nitro – fã de Judas Priest, ele tem até uma tatuagem do álbum Screaming for Vengeance no braço -, é Skinny Disco quem mais agita, falando com o público em alguns momentos, girando seus dread locks na maioria das músicas e inserindo vocais de apoio ora agressivos, ora limpos, ou mesmo atuando em duo com Bernadotte.
Até aquele momento o Deathstars ainda não havia tocado nenhuma música de seu álbum de estreia, Synthetic Generation (2002), então mandou logo New Dead Nation para tremer o local. Um ponto falho na apresentação aconteceu no decorrer de Fire Galore, quando as imagens do telão deram lugar à uma tela de Área de Trabalho do Windows – e isso se repetiu em outros momentos à partir de então. Depois dessas, Bernadotte disse: “Trazemos toda a onda da Escandinávia para entregar à vocês a trilha sonora de nossas vidas”. Aí então veio a pesada Metal, uma das duas faixas inéditas da coletânea The Greatest Hits on Earth (2011).
Para a próxima, Bernadotte alertou que era hora de “voltar às raízes”. Novamente o local veio abaixo com a ótima faixa-título do debut Synthetic Generation, que tem um refrão que sempre me remete aos britânicos do Paradise Lost na fase do disco One Second. Uma que não era esperada no set pelos mais curiosos que antes dos shows costumam dar uma visitadela num conhecido site de setlists, foi a faixa que dá nome ao novo álbum da banda, Everything Destroys You, e ela entrou no lugar de Anti All, do mesmo disco. Em seguida, Skinny perguntou: “O que vocês acham de sangue no cabelo de loiras? O que vocês diriam sobre sangue manchar loiras?”. Essa foi a deixa para Blood Stains Blondes, música que antecedeu Chertograd, que finalizou a primeira parte do show.
Ao som de sirenes e de bombardeios, Nitro foi o primeiro a retornar ao palco. Cat Casino veio em seguida fotografando o povo da pista. Com os quatro apostos em seus devidos lugares, o Deathstars atacou de Blitzkrieg, clássico de Termination Bliss, que foi uma das mais aclamadas. Para o encerramento, o grupo atendeu aos pedidos dos fãs e disparou Cyanide, também de Termination…, que fechou a noite em grande estilo. Os músicos deixaram o palco sem esconder os sorrisos de contentamento por reencontrarem uma de suas plateias favoritas no mundo todo. Simpáticos e acessíveis como de costume, momentos após o show os integrantes do Deathstars conversaram com alguns fãs perto da área do backstage. Dois dias depois, a banda fez a Argentina sacudir, tendo Buenos Aires como epicentro.
Particularmente, saí do Fabrique Club com um misto de sentimentos. Satisfeito por um lado por ter visto o Deathstars fazer um show que considero superior ao feito na Horror Expo quatro anos antes; porém frustrado por novamente não ter matado a curiosidade de conferir a banda com duas guitarras ao vivo. Quem sabe se o Deathstars voltar ao Brasil um dia, o senhor Nightmare Industries não repense sua decisão de não fazer mais longas viagens? Fico na torcida.
Deathstars – Setlist:
- Night Electric Night
- Between Volumes and Voids
- All the Devil’s Toys
- Ghost Reviver
- Midnight Party
- Tongues
- Greatest Fight on Earth
- Dead Dies Hard
- This Is
- New Dead Nation
- Fire Galore
- Metal
- Synthetic Generation
- Everything Destroys You
- Blood Stains Blondes
- Chertograd
- Blitzkrieg
- Cyanide
Drama – Setlist:
- Marche ou Morra
- O Monstro
- Sobre Coisas Que Eu Não Consigo Ser
- Lovesong (The Cure cover)
- Boneca de Pano
- Mede de Quem Já Morreu
- Vida Louca Vida / Canção dos Derrotados
- Obrigado