Por Luiz Tosi
Fotos: Roberto Sant’Anna
‘Hey, ho! Let’s go!’ Foi com esse grito, que dá início a Blitzkrieg Bop, faixa de abertura do homônimo álbum de estreia, de 1976, que os Ramones revolucionaram o rock ‘n’ roll. Revolucionaram mesmo! A banda faz parte daquele seleto grupo que merece a expressão “existe música antes e depois de…” e que influenciou um sem-número de artistas. Para se ter uma ideia, em 2020 a revista australiana Shoot Farken listou nada menos do que 444 músicas que mencionam os Ramones em suas letras, que vão de U2 (The Miracle of Joey Ramone, de 2014) a Motörhead (R.A.M.O.N.E.S., de 1991). As mortes precoces de todos os membros fundadores (Tommy, Johnny, Joey e Dee Dee Ramone) deixaram para os três membros substitutos e ainda vivos, o baixista CJ e os bateristas Ritchie e Marky Ramone, a missão de honrar um legado de 22 anos, 14 álbuns de estúdio e uma avalanche de hits, tais como Sheena is A Punk Rocker, Rockaway Beach, I Wanna Be Sedated, Pet Sematary, Poison Heart e a mencionada Blitzkrieg Bop.
Desses músicos sobreviventes, Marky Ramone é o mais significativo, sendo o baterista que mais tempo permaneceu no grupo, tendo gravado oito discos de estúdio ao longo de quinze anos (1978-1983 e 1987-1996). Há quase vinte anos, Marky viaja o mundo com a Marky Ramone’s Blitzkrieg, banda tributo encarregada de manter o espírito dos Ramones vivo. O grupo, que já teve em suas encarnações os vocalistas Andrew WK e Michale Graves (ex-Misfits), além do guitarrista Greg Hetson (Bad Religion), conta desde sua formação (e entre idas e vindas) com o espanhol Iñaki “Pela” Urbizu (vocais) e os argentinos Marcelo Gallo (guitarra) e Martín Sauan (baixo) – os dois últimos, ex-membros da banda punk Expulsados.
A apresentação realizada em São Paulo no último domingo (15), no Carioca Club, contou com cinco bandas na programação. A casa estava lotada por uma mistura de tribos, algo inimaginável nos tempos em que os Ramones estavam na ativa. Na plateia estavam desde crianças nos ombros dos pais até “punks old school”, passando por headbangers e “gente comum”, muitos com as suas camisetas estampadas com o icônico brasão da banda, uma das marcas mais reconhecíveis do mundo até hoje e que foi desenvolvida nos anos 70 por Arturo Vega.
A tarde começou com um a apresentação dos alunos da School Of Rock, o que deu um alento para quem pensa que não existe futuro para o estilo. Em seguida veio a banda santista Apnea, fazendo um stoner rock com bastante influência do indie rock dos anos 1990 e 2000, tendo a bateria comandada por Boka, do Ratos de Porão. Em seguida veio o Electric Punk, mais uma banda a contar com um ícone do punk nacional na sua formação: Ronaldo Passos, guitarrista e fundador dos Inocentes. Com um set basicamente composto de covers, o Electric Punk apresentou sua primeira música inédita, Last Chance. Claro, Ronaldo não perdeu a oportunidade de cantar Eu Vou Ouvir Ramones, faixa dos Inocentes lançada no álbum Queima!, de 2002 – será que essa também entrou na tal lista da Shoot Farken? Anunciado como “artista convidado”, o próximo a subir no palco foi o cantor Supla e sua banda Punks de Boutique. Supla é um personagem! Conhecido por seu jeito irreverente e muitas vezes fanfarrão, a verdade é que Supla é um baita frontman e os Punks de Boutique entregam um show cheio de carisma e energia.
Era 21h30 quando Marky e Cia. subiram ao palco cumprimentando o público. Gestos de agradecimentos e aplausos de ambos os lados e um último suspiro antes do caos. A abertura foi logo com Rock ‘n’ Roll High School. Daí em diante, no melhor estilo Ramones, a banda descarregou 35 clássicos em 70 minutos! Literalmente sem intervalos e nem ao menos um “olá” ou um “boa noite”. Mal dava tempo de contar “1-2-3-4” entre uma faixa e outra e Havana Affair, Commando, Teenage Lobotomy e Beat on the Brat indicaram o que seria uma noite de mosh, suor e lágrimas. Por sinal, Havana Affair e Commando contaram com a participação de João Gordo, do Ratos de Porão, nos vocais.
A graça do Blitzkrieg é não parecer um cover onde todos os movimentos, notas e visuais tentam emular os Ramones originais, mas sim capturar a essência da banda: crua, agressiva (e ao mesmo tempo leve) e espontânea. É o “real deal”. O pulso constante do baterista levou o público por uma viagem no tempo. Parece fácil para os desavisados pensar que tocar as músicas do Ramones é algo simples, mas, como eu costumo dizer, Ramones é muito fácil de tocal mal! E essa perfeição não vem rápido, são 1700 shows com a banda e mais duas décadas de estrada com o Blitzkrieg.
O Ramones tem uma das baterias mais dançantes do rock, mesmo que tocada na velocidade da luz. E por falar em velocidade, a das execuções ficou no meio termo entre os dois álbuns ao vivo dos Ramones, It’s Alive (1977), em que as faixas são mais próximas das versões originais, e Loco Live, de 1992, onde a palavra “LOCO” define bem o ritmo de cada música executada no palco. Os excelentes músicos da banda têm um protagonismo natural: o vocalista Pela trouxe a energia de um verdadeiro frontman, saltando por todo o palco e dando tudo o que tinha para o público; Martin não perdeu uma linha no baixo, mesmo tocando e pulando em ritmo extremo; já o guitarrista Gallo era a definição do cool: totalmente frio, como se quisesse equilibrar os outros.
Embora sucessos de épocas posteriores como She’s a Sensation, The KKK Took My Baby Away, Anxiety e o hit Pet Sematary também estivessem presentes, a maior parte do set foi dedicada aos quatro primeiros da banda, Ramones, Leave Home (1977), Rocket to Russia (1977) e Road to Ruin (1978). I Wanna Be Sedated, Judy is a Punk, Surfin’ Bird (com uma performance brilhante de Pela e backings de João Gordo), Pinhead (com seu o emblemático Gabba Gabba Hey) e a sensacional Cretin Hop não deixaram ninguém parado. E o show termina com uma deliciosa homenagem a Lemmy Kilmister, numa versão matadora de R.A.M.O.N.E.S., do Motörhead. Essas faixas são tão conhecidas que parecia que qualquer um dos presentes no Carioca poderia cantar em uma banda tributo aos Ramones.
O bis começou com a doentia You’re Gonna Kill That Girl, seguida de Have You Ever Seen the Rain?, cover do Creedence Clearwater Revival. As últimas lágrimas vieram com a versão solo de Joey Ramone para What a Wonderful World (Louis Armstrong), que contou com Marky na sua gravação original. Para o final, obviamente escolheram Blitzkrieg Bop.
Essa foi uma grande e merecida celebração a uma das mais importantes bandas da história. De quebra, foi uma ótima oportunidade de ver grandes nomes do punk nacional em ação. “Não há ninguém tão bom quanto os Ramones, nunca haverá”, refletiu Joey Ramone antes de sua morte, ressaltando o orgulho e a autoconfiança que definiram a banda. Ele não estava errado, e é por isso que os Ramones sempre estarão vivos.
PS: Para mais histórias sobre os Ramones, confira o Ranking Crew da banda, em nosso canal do Youtube.
Marky Ramone’s Blitzkrieg setlist:
- Rock ‘n’ Roll High School
- Havana Affair (com João Gordo)
- Commando (com João Gordo)
- Teenage Lobotomy
- Beat On The Brat
- I Don’t Care
- Sheena Is A Punk Rocker
- Now I Wanna Sniff Some Glue
- We’re A Happy Family
- You Sound Like You’re Sick
- Rockaway Beach
- Gimme Gimme Shock Treatment
- Let’s Dance
- Surfin’ Bird (com João Gordo)
- Judy Is A Punk
- I Wanna Be Your Boyfriend
- She’s A Sensation
- The KKK Took My Baby Away
- Pet Sematary
- I Wanna Be Sedated
- Oh Oh I Love Her So
- California Sun
- I Don’t Wanna Walk Around With You
- Pinhead
- Cretin Hop
- Tomorrow She Goes Away
- I Just Want To Have Something To Do
- Chain Saw
- She’s The One
- Listen To My Heart
- Anxiety
- R.A.M.O.N.E.S.
- You’re Gonna Kill That Girl
- Wonderful World
- Blitzkrieg Bop