Por Guilherme Spiazzi
Apoiados por uma visão muito bem definida, a banda catarinense As the Palaces Burn embarcou na missão de encarar o mercado da música adotando uma postura profissional como um dos seus principais valores. Com o plano de crescer na cena, o grupo soube trabalhar, analisar as críticas e agir a fim de levar a banda para onde querem. Atualmente formada por Alyson Garcia (vocal), Diego Bittencourt (guitarra e vocal), André Schneider (baixo) e Gilson Naspolini (bateria) a ATPB comemora o lançamento do seu segundo disco de estúdio – Drowning into Shadows. Conversamos com Garcia e Naspolini sobre os desafios dessa jornada até aqui.
Estou aqui com o seu novo disco em mãos e imaginando o que vocês aprenderam com End’evour (2019). O que vocês mantiveram e o que abandonaram na hora de criar Drowning into Shadows?
Gilson Naspolini: Nós mantivemos a maneira de trabalhar, com Bittencourt trazendo as ideias iniciais, e mudamos a produção. Dessa vez optamos por não produzir o disco porque achamos válido ter um elemento externo à banda. Esse foi o principal diferencial.
Alyson Garcia: Além disso, diferente do disco de estreia, dessa vez tínhamos um prazo estabelecido. Então, no meu caso, foram meses de preparo porque eu sabia que tinha que dar o meu melhor.
Ouça o álbum Drowning into Shadows clicando aqui
Faz cerca de três meses que a banda assinou com a gravadora Rockshots. Porém, isso veio muito depois de vocês já terem esse segundo álbum pronto. O que os motivou a continuar investindo e trabalhando de forma independente até encontrarem essa gravadora?
Gilson: Nós entendemos que era uma questão de continuar trabalhando para que o resultado viesse. Arcanum entrou numa boa playlist de Spotify e o videoclipe foi muito bem recebido. Mas o que mais nos motivou e abriu portas foi o EP All the Evil (2020). Além disso, temos todas as ferramentas – todos sabem tirar bom proveito do seu conhecimento técnico. Tenho o meu estúdio (IMGN Studio)… É uma questão de foco.
Alyson: Também tem a questão do propósito. Sabemos aonde queremos chegar; e que isso demanda tempo. Não é só com um trabalho que se consegue. É claro que a pandemia atrapalhou, pois quando estava começando a ficar bom, parou tudo. Então, para manter a máquina funcionando, resolvemos voltar para o estúdio. Fizemos All the Evil e o promovemos por um ano. Com o resultado desse EP, vimos que poderíamos fazer um disco muito melhor (que End’evour).
Antes de Drowning into Shadows vocês também lançaram Offer to the Gods (2022), um EP de covers. Qual a razão de ele existir?
Gilson: Estávamos com Drowning into Shadows pronto, mas pensamos que com ele seria uma boa oportunidade de buscar por um selo e seguramos o (lançamento do) disco. Seguramos porque não queríamos queimar outro álbum de forma independente. Sem o que lançar em 2022, pensei num EP tributo, que foi complementado por Bittencourt, que deu a excelente ideia de fazer isso homenageando três artistas nacionais. Essa inversão de lançamentos foi engraçada porque foi uma coisa meio Beatles com Abbey Road (1969) e Let It Be (1970).
Foi mencionado que vocês sabem aonde querem chegar. Quem lugar é esse?
Alyson: Quando Bittencourt me convidou (para a banda) eu perguntei se seria um projeto ou uma banda de verdade. Sendo uma banda, eu perguntei aonde ele queria chegar com essa banda. A sua resposta foi: “quero tocar nos grandes festivais, quero lançar um álbum de forma que venha a estourar a banda lá fora, que a gente seja notado – algo pra valer”. Sabemos que qualquer empresa, qualquer negócio leva no mínimo cinco anos para conseguir se estabelecer e ter resultados.
Em paralelo a produção do disco e videoclipes a banda buscava por contato com empresários e gravadoras. No caminho, foram muitas negativas de pessoas que sequer tiveram o profissionalismo de ouvir a proposta de vocês? Alguma reação os instigou a seguir trabalhando duro?
Alyson: Nós sempre trabalhamos de forma independente e eu sempre achei importante levar o nosso som para uma gravadora do exterior. É importante porque não temos os canais de distribuição e os contatos de promoção lá fora. O mercado brasileiro é complicado e não queremos que a nossa música fique só aqui. Nada na vida se consegue sem objetivo e persistência, né? Encontrar um selo estava nos meus planos para esse ano e eu só ia parar quando conseguisse uma boa oportunidade para nós. Foram cerca de seis meses mandando e-mails. Algumas vezes diziam que a música era excelente, mas que não cabia no catálogo deles. Isso foi indo até encontrarmos a Rockshots Records.
Para a produção vocês trouxeram o conterrâneo Adair Daufembach (Project 46, Kiko Loureiro), hoje radicado em Los Angeles (EUA). De que forma ele agregou na produção de Drowning into Shadows?
Gilson: O nosso primeiro trabalho juntos foi a mixagem de All the Evil. Esse EP foi gravado da mesma forma que End’evour, e logo enxergamos um diferencial – uma evolução do debut para ele. Por coincidência, Daufembach estava de passagem pela cidade em janeiro de 2021 e eu agendei a gravação de For the Weak com ele. Essa composição era a que a gente não apostava nada… Foi uma escolha deliberada para ver o que Daufembach faria dela. O resultado surpreendeu a todos – a música foi para um caminho ousado e moderno. Nos empolgamos e vimos ele poderia agregar muito num futuro trabalho. Isso nos levou a imediatamente agendar a produção das outras faixas. Ficamos bem satisfeitos com a evolução que ele proporcionou.
Quanto a performance de vocês dois em estúdio com o produtor, ela foi desafiada?
Gilson: Para mim o desafio foi compor as linhas in loco. No início, mesmo não apostando em For the Weak, tínhamos feito uma demo dela e eu pratiquei bem ela antes de chegar na sessão de gravação com Daufembach. Só que ele descontruiu toda a música… Eu saía de uma parte pensando que eu ia para o refrão e não era. Diante disso, qual foi a minha abordagem? As demos e guias das outras composições não têm bateria ou o que tem é apenas um midi simples. Eu praticamente construí as linhas de bateria na hora da gravação, junto com ele. É prazeroso fazer dessa forma, mas como tem muito improviso ao longo do disco, da mais trabalho para aprender as músicas depois.
Alyson: Fomos levados a outro patamar com ele. No meu caso, Daufembach trouxe elementos diferentes que me fizeram cantar fora do meu habitual. Dá para ver que é um trabalho muito mais maduro que End’evour.
Gilson: Considerando o vocal, Daufembach foi trabalhando as linhas, testando efeitos, gravando e finalizando no caminho. Era possível ver a direção que a música tomaria durante a gravação. Outra coisa importante foi que eu, enquanto coprodutor, e Daufembach queríamos que Garcia parasse com aquela voz tradicional do heavy metal. Aqueles vibratos, a coisa Rob Halford o tempo todo. Tentamos trazer um vocal mais americanizado e isso foi um grande gol nesse disco.
Vocês investiram muito no videoclipe de Into Emotions, que surpreende pela produção. Contem sobre o desenvolvimento dele.
Gilson: Um fato curioso é que foi a equipe de produção do videoclipe que escolheu essa faixa. Achamos que seria interessante escolher com eles e mostramos o disco todo. Inicialmente, a nossa vontade era usar Obbey porque ela é mais objetiva e energética. Além disso, eu já havia feito um clipe de bateria de Into Emotions, que ainda será lançado. Só que eles acharam a faixa muito boa e nós ficamos impactados com a resposta deles à música. Isso sem contar que o roteiro planejado pelo diretor se casava perfeitamente como uma releitura da letra. Com isso, juntamos uma ideia cinematográfica espetacular com uma música que impactava a primeira ouvida.
Alyson: A produção dele foi complexa. Foram quatro meses montando cenário, ensaiando e quatro dias intensos de gravação com uma equipe de 15 pessoas. Sem contar a corrida atrás de apoio para manter tudo isso, afinal ele é muito importante para o que estamos fazendo.
Em Drowning into Shadows, as letras parecem abordar um tema relevante e atual…
Gilson: De maneira geral, Bittencourt tratou de abordar a dualidade do ser humano abordam o conflito entre a imagem que a pessoa passa e aquilo que ela realmente é. A capa do disco reflete esse conceito. A pessoa exibe uma vida perfeita, quando na verdade – do outro lado da tela – ela é refém das próprias mentiras e está podre por dentro.
Fechando o álbum e mantendo a tradição de covers, temos o medley Some of Them Died, um tributo às bandas com integrantes já falecidos que vai de Children of Bodom a Depeche Mode.
Gilson: Inicialmente, listamos várias ideias e num dado momento percebemos que havia várias músicas de bandas com pelo menos um integrante já falecido. Ali vimos que esse poderia ser um caminho para unir elas e foi aí que me veio o título do medley. Só que tem um porém, quando decidimos incluir o Depeche Mode, todos os integrantes ainda estavam vivos… Mas ok, mesmo assim seguimos com o plano e eis que durante a mixagem do álbum, Andy Fletcher – tecladista do grupo – faleceu. Sentimos pela família dele, mas sem querer concluímos com chave de ouro.
Depois de tanta coisa, o que esperam que aconteça a partir do lançamento de Drowning into Shadows?
Alyson: Eu sou um pouco mais sonhador e eles até pegam um pouco no meu pé por causa disso. Eu me dediquei muito e consegui concretizar muita coisa que eu visualizei. Isso tem que continuar – esse sonho e essa vontade têm que permanecer. Mais de uma vez já me perguntaram se eu não tenho medo de me frustrar com os meus sonhos… Temos que fazer ao máximo aquilo que precisa ser feito. Não dá para viver no “e se…”. Eu prevejo algo muito maior a partir desse disco. Quero reconhecimento. Quero estar numa capa da Roadie Crew, quero as ouvir as nossa música nas rádios Kiss Fm e 89FM, quero ser entrevistado no Amplifica. (Gilson: temos que estar prontos para isso, né?) Exato! Isso vale para o exterior também. Tocar no Wacken Open Air (ALE) ou no Hell Fest (FRA), por exemplo… Os caras são mais pé no chão, mas eu tenho uma expectativa. Eu não sei se acontecerá, mas tenho que manter essa chama acesa e trabalhar para que essa visão se realize.
Gilson: Drowning into Shadows vem para coroar alguns anos de trabalho. Fomos construindo até conseguir uma gravadora, o que por si só já é uma vitória porque lá em 2019 já visualizávamos esse caminho. Temos os pés no chão e vemos que as coisas estão acontecendo. Concordo com Garcia – acredito que colheremos muito ainda. Esse não é o nosso último disco – o próximo será ainda melhor.
Alyson: Eu tenho contato com um pessoal cujas banda tem gravadora lá fora e essas pessoas nos ajudaram. Eu conversei com muita gente… Fábio Caldeira (vocal, Maestrick) nos ajudou passando alguns contatos no Japão. Ricardo Brigas (baixo, Blackning) nos incentivou e deu alguns caminhos. Nós enxergamos que o mercado é difícil e que mesmo as bandas grandes brasileiras lutam para se manter. Ninguém vive apenas da banda. É saber como manter o negócio e trabalhar para gente conseguir os resultados.
Gilson: O que a gente tem buscado agora é não se expor da maneira errada. Isso significa não aceitar tocar sob qualquer condição. Significa ter uma boa estrutura de som, luz e imagem para que o show reflita a qualidade do material que o pessoal tem em mãos. Esse é o nosso cuidado.
Antes de encerrarmos, eu gostaria de saber de vocês dois, o que um mais gostou do outro em Drowning into Shadows?
Gilson: O que mais me agradou foram as novas vozes que ele descobriu durante a gravação. Quando se trata de resistência e paciência, Garcia é impressionante gravando. Se precisar, ele ficará 12h cantando e se entregando por inteiro.
Alyson: Falando desde o início da banda, Naspolini é um cara que eu admiro porque ele é um músico completo que sabe produzir. Além disso, ele toca praticamente qualquer ritmo, né! Pra mim, ele é o cara da banda.
Agradecemos a conversa. O espaço é de você para deixarem um recado para que os acompanha.
Alyson: Eu não poderia deixar de agradecer a você, que consideramos parte da família ATPB. Independente de qualquer coisa, você sempre trouxe um olhar crítico e esteve presente trazendo um direcionamento. Algumas coisas não foram acatadas, mas é isso mesmo. O seu objetivo era ajudar trazendo a visão de fora de um cara muito experiente. Você é uma das pessoas que temos que agradecer bastante até aqui.
Gilson: Para nós foi muito importante porque você sabe separar as coisas. Sabemos que se a gente não estivesse trabalhando de maneira séria, você não estaria aqui.
Alyson: Também agradeço ao Dácio Alexandrino, Eduardo Köenig e todos os envolvidos que apostaram na gente fazendo o clipe de Into Emotions. Os nossos patrocinadores e apoiadores que nos ajudaram a conquistar tudo aquilo que conquistamos até aqui; e a todos que nos apoiam, mesmo que muitas vezes nem sendo fãs de metal, mas sendo fãs da gente e do nosso trabalho.