Por Guilherme Spiazzi
Percorrendo as estradas paralelas do mundo da música, a banda californiana de hardcore Lionheart vem desde 2004 pagando o preço que o underground cobra para construir uma carreira. O som agressivo dos seus discos e a intensidade dos shows renderam uma sólida base de fãs que se identifica com as letras falando sobre condição humana – os desafios e as injustiças enfrentados por todos. Em “Welcome to the West Coast III” (2022), Rob Watson (vocal), Walle Etzel (guitarra, Fallbrawl), Nik Warner (guitarra), Richard Mathews (baixo) e Jay Scott (bateria) mostram-se mais maduros e ambiciosos, fechando a trilogia iniciada no estrondoso EP “Welcome to the West Coast” (2014), e acimentando o seu nome na cena.
De onde partiu a ideia um tanto incomum para bandas de hardcore de fazer uma trilogia?
Walle Etzel: Nós somos todos influenciados por diferentes gêneros de música como rap, pop, R&B e até reggae. Gostarmos de diferentes tipos de música em que é comum o lançamento de material em diferentes partes… Então tivemos a ideia de fazer algo assim. Depois de ‘Welcome to the West Coast II’, nós sempre brincávamos sobre lançar uma terceira parte e formar uma trilogia. Tivemos muito tempo durante a pandemia, quase dois anos para trabalhar no disco. Num dado momento, Watson deu a ideia e nós decidimos seguir com o projeto de trilogia.
Ainda que a banda seja rotulada como hardcore, a cada disco o Lionheart traz mais peso e groove. Você enxerga a banda extrapolando o estilo?
Walle: Concordo completamente. Eu sempre busco descrever o nosso estilo como rock porque é difícil de definir o nosso som. É hardcore? É metal? Não é metalcore… Para nós é rock (risos).
Da produção aos convidados, “Welcome to the West Coast III” envolveu nomes de peso. Qual é a sensação de contar com essas pessoas num trabalho de uma banda trabalhou muito para chegar nesse ponto?
Walle: Ter Jamey Jasta (Hatebreed) produzindo o disco foi algo tão insano quanto ter as participações de Ice-T (Body Count), de Anthony (Martini, E.Town Concrete), de Alex (Taylor, Malevolence) e de Los (Desmadre). É uma honra especial para nós. Esse disco traz as melhores músicas que essa banda já compôs.
Falando em composição, as circunstâncias o impediram de ir para o EUA trabalhar ao lado da banda. Você se sentiu bem trabalhando remotamente?
Walle: Eu meio que gosto de compor sozinho. Tenho um amigo que tem um estúdio em Colônia (ALE), então uma vez por semana eu buscava estar lá para trabalhar as ideias. Não importa se são ideias para o Lionheart, Fallbrawl ou diferentes projetos. Eu gosto de exercitar a criatividade e quando surge uma ideia eu vejo onde ela se encaixa melhor. Se for para o Lionheart, eu envio a ideia para Watson, que me devolve dando a sua opinião e assim seguimos trabalhando. Eu gosto dessa dinâmica para ser sincero.
Há muitos anos o Lionheart vem construindo o seu nome no underground – saindo da Califórnia (EUA) para turnês na Europa sob as mais variadas condições. Quando foi o seu primeiro contato com a banda?
Walle: Ele aconteceu há uns quase 15 anos quando o Lionheart ainda era uma banda pequena tocando na Europa para dez pessoas, mas trabalhando duro para conquistar a atenção das pessoas. Lembro deles dividindo o palco com a minha banda, o Fallbrawl quando vinham para a minha região e tal. Nos dias de folga eles ficavam na casa de amigos e assim fomos nos conhecendo. Por volta de 2015 ou 2016 Watson perguntou se eu poderia assumir a guitarra umas duas semanas antes deles começarem uma sequência de apresentações por festivais europeus. Depois disso eu fui chamada mais algumas vezes até que eu de alguma forma fui efetivado e pude gravar ‘Welcome to the West Coast II’ (2017).
Isso aconteceu na mesma época em que o Lionheart fez uma turnê de despedida, não foi?
Walle: Exato. O lance é que Watson havia acabado de se graduar e consegui uma oferta de trabalho. Meio que fazia sentido encontrar dois substitutos, curtir uma última turnê e então parar a banda para começar uma vida normal. Porém, depois de uns quatro meses nesse novo trabalho, Watson me ligou dizendo que havia pedido demissão. Conversamos sobre como aquela nossa experiência havia sido divertida e decidimos retomar o grupo. No final das contas, o Lionheart teve quase um ano de descanso. Veja, antes de tudo somos amigos. Eu sempre busquei ajudá-los quando eles vinham para a Europa e eles sempre me davam uma força quando eu ia para os EUA. É um privilégio e uma honra para mim estar com os meus amigos, fazer música e viajar o mundo.
Você comentou sobre ver a banda tocando para dez pessoas e a julgar pela base de fãs que vocês têm hoje, esses anos abrindo caminho pela Europa valeram à pena.
Walle: De fato temos um nome forte na Europa, mas desde que eu entrei, nós também tocamos nos EUA e Japão algumas vezes. Nós tentamos tocar ao redor do mundo, mas como todos têm família e trabalho, fica complicado. Às vezes é difícil entrar em novos mercados, construir uma base de fãs e pagar todos os custos que envolvem isso. Fazemos as coisas dentro do possível e considerando que muitas vezes recusamos turnês e festivais porque temos outros compromissos.
Apesar desses entraves, como você encara o crescimento da banda?
Walle: Para ser honesto eu realmente tive muita sorte de entrar para a banda quando ela começou a ter muitas oportunidades. De qualquer maneira, eu acho que essa é a luta de toda banda – não importa se você é dos EUA ou da Europa. Se você começar uma banda, você sempre precisa erguer ela e isso significa viajar numa van ruim cheia de gente, dormir no chão de algum lugar e tocar para dez pessoas. No final de 2022 nós fizemos uma turnê europeia com o Terror, Get the Shot e Dying Wish e quase todos os shows foram esgotados. Eram casas de 1000 a 1500 pessoas todas as noites. Aquilo foi uma loucura para nós. Eu sinceramente ainda não acredito que conseguimos fazer aquela turnê, pois sabe… Especialmente depois da pandemia e de quase dois anos com tudo praticamente fechado. Sair disso para a nossa maior turnê até aquele momento foi meio inacreditável.
Dito isso, o que você espera do “Welcome to the West Coast III”?
Walle: Para ser honesto, eu não espero nada. Já é um tanto irreal o que aconteceu com o Lionheart desde quando eu entrei até agora. Em 2019 nós tocamos no festival Wacken Open Air… Cara, o músico jovem alemão sonha em crescer, ter uma banda e toca no Wacken… Eu realizei esse sonho, entende? Então, se a banda parar amanhã, é como se eu tivesse feito tudo que eu poderia sonhar. Tudo depois disso é um extra.
Esse é um depoimento interessante, pois muitas vezes se tem a ideia de que estar na Alemanha, um país de grande tradição no metal, uma boa condição econômica e toda uma estrutura de negócios faz com que seja fácil conseguir se estabelecer na cena.
Walle: Eu acho que há muitas bandas boas, muitos músicos bons. Se você olhar o Spotify, toda sexta-feira temos milhares de músicas lançadas. Eu acho que é por isso que é difícil ser um músico atualmente. Mesmo na Europa. Não é sobre qualidade – uma boa música não significa que você vai ser grande aqui. É mais uma questão de estar no lugar certo e na hora certa. É a tendência do momento etc. É por isso que músicos muitos bons não conseguem viver da música.
Às vezes parece que ter um clipe de 15 segundos no TikTok é o suficiente para que a mágica aconteça…
Walle: (risos) Eu concordo.
Saindo da ilusão da rede social e voltando para o mundo real, um dos pontos fortes da sua música são as letras de Watson. Você acha que as pessoas de diferentes partes do mundo conseguem se identificar com a realidade da vida cantada por ele?
Walle: Com certeza. Não importa se você vive nos EUA, Brasil ou Alemanha… Há pessoas que acham que temos uma vida fácil só porque vivemos na Alemanha, mas isso não é verdade. Claro que existem pessoas tendo uma vida fácil, mas temos os mesmos problemas, as mesmas lutas como todos. É por isso que eu me identifico com as nossas letras.
Agora, depois de conquistarem a Europa quando pretendem vir ao Brasil?
Walle: Sempre que nos encontramos falamos da necessidade de fazer isso acontecer de alguma forma. Cada vez que postamos algo, nós recebemos muitos comentários do Brasil. Tipo, muitos comentários de pessoas dizendo, por favor, venha ao Brasil. É uma loucura. Tem mais gente pedindo para tocarmos no Brasil do que nos EUA, sabia? Será incrível se formos.