Por Antonio Carlos Monteiro
Fotos: Anderson Hildebrando
São mais de 30 anos de estrada e chegando ao décimo disco de estúdio. As turnês já deram a volta no planeta mais de uma vez. Ou seja, pode-se falar o que quiser do Angra, menos que Fabio Lione (vocal), Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa (guitarras), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) não saibam como fazer um show. E se alguém tinha dúvida, o Tokio Marine Hall, em São Paulo, foi mais uma vez prova disso na sexta-feira, 3 de novembro, dia em que a cidade quase sucumbiu a uma das maiores tempestades que desabou sobre ela.
Mas o caos causado pelo aguaceiro ficou do lado de fora do lugar. Lá dentro a jornada começou com duas bandas de abertura. A primeira foi o projeto solo do guitarrista Luiz Toffoli. A casa ainda longe da lotação que atingiria logo depois não intimidou a excelente banda, que se mostrou entrosadíssima em um show de alta complexidade técnica. Com um vocalista competente mas um pouco perdido em cena, Toffoli mostrou que seu prog metal ainda se ressente de um pouco mais de empolgação nas composições, que parecem privilegiar apenas o imenso poderio técnico da banda. Resolvido isso e estaremos diante de uma bela revelação do metal nacional – competência para tanto o quarteto tem de sobra.
A situação mudou de figura na banda seguinte, Allen Key. A exemplo do grupo anterior, e diante de um público bem melhor, Pedro Fornari e Victor Anselmo (guitarra), Willian Moura (baixo) e Felipe Bonomo (bateria) são craques indiscutíveis em seus instrumentos, mas no caso do Allen Key não tem jeito: todas as atenções vão para a vocalista Karina Menasce. A moça tem uma noção completa de ocupação do espaço do palco, movimenta-se o tempo todo, pega o violão, vai para o teclado e tudo com um sorrisão na cara. Ah, tem mais. Ela canta. E como canta! Voz bonita, com um sustain irrepreensível, afinação impecável e uma variação vocal impressionante: vai do gutural rasgado ao lírico com a maior naturalidade.
O Allen Key até se atreveu a fazer um cover de Lady Gaga (da música Judas) que virou praticamente um heavy metal com guturais inacreditáveis de Karina. No final, ainda teve balões jogados na plateia, chuva de papel picado e até um “momento Roberto Carlos” quando a vocalista distribuiu flores para a plateia. O pacote completo, enfim. Se você ainda acha que não tem novidade que valha a pena seguir no rock nacional, procure o Allen Key que vai mudar de ideia rapidinho. E nem precisa me agradecer…
E enfim chegou a hora da atração principal. Com a casa enfim com um excelente público e com um som impecável (aliás, as três bandas foram muito favorecidas pela qualidade sonora), o Angra atacou com um clássico, Nothing to Say, de Holy Land (1996), e de cara o que parecia óbvio se confirmou: o Angra entrou em cena com o público nas mãos. Em seguida, foi a vez de Final Light, de Secret Garden (2014) – aliás, todos os discos da banda tiveram ao menos uma música no show, à exceção de Aqua (2010). Mas como era o lançamento do novo disco, sem dúvida a grande atração foi Cycles of Pain, que teve nada menos que sete temas no repertório. As primeiras foram as duas partes de Tide of Changes e gerou um alarido da galera logo em seu início com o baixo de Felipe no comando das ações.
Um detalhe bastante interessante é que o povo já tinha as músicas novas na ponta da língua, já que praticamente todas foram acompanhadas por um imenso coro vindo da plateia, como aconteceu em Vida Seca, que teve os vocais divididos entre Fabio e Rafael – aliás, vale notar que tanto Rafael como Felipe, os dois mais antigos na banda, estão assumindo um interessante protagonismo no Angra.
Logo em seguida entrou em cena a cantora Vanessa Moreno, que surpreendeu ao cantar com a banda a música Rebirth (do disco homônimo, de 2001), para em seguida participar de Here in the Now, tema que gravou em Cycles of Pain (ela ainda está em Tide of Changes – Part II). Vanessa, que já confessou ser fã do Angra, provou imenso talento para o rock e saiu com seu nome gritado pela plateia.
Além do indiscutível talento, os músicos também mostravam uma excelente movimentação cênica, valendo-se de uma plataforma que se estendia por todo o fundo do palco, passando por trás da bateria. Por outro lado, ao invés de se valer de um tecladista ao vivo, o que fez tantas vezes em sua trajetória, nesse show a banda preferiu se valer de backing tracks para reproduzir as várias partes de teclados existentes em sua música.
Lione acabou se mostrando um show à parte, colocando em cena toda sua vasta experiência ao se comunicar bastante com a plateia (num ótimo português, diga-se) e regendo a galera, como é praxe – foi interessante porque ele mostrou seus dotes operísticos e botou a turma pra cantar ópera com ele.
No mini set acústico que já se tornou habitual nos shows do Angra, Rafael ficou sozinho no palco para interpretar, na voz e no violão, Lullaby for Lucifer (de Holy Land). Em seguida, Lione juntou-se a ele para cantar Gentle Change (de Fireworks, de 1998).
A faixa-título do novo álbum, Silence Inside (de OMNI, de 2018), Silence and Distance (de Holy Land), Bleeding Heart (do EP Hunters and Prey, de 2002) e outra no novo disco, Dead Man on Display fecharam a primeira parte do show. Depois daquele “final fake” que rola em todo show, os cinco voltam para mais dois clássicos: Carry On (de Angels Cry, 93, com Lione, esperto, apontando o microfone pra galera nas partes mais altas) e Nova Era (Rebirth). Era o fim da apresentação e mais uma consagração para a carreira da banda.
Cycles of Pain marca uma nova era na carreira do Angra. A formação atual parece ser sólida, integrada e disposta a continuar levando o legado do grupo adiante – disco e show mostram isso de forma bem evidente. Tomara que assim seja.
Setlist Angra
Nothing to Say
Final Light
Tide of Changes – Part I
Tide of Changes – Part II
Angels Cry
Vida Seca
Ego Painted Grey
Waiting Silence
Rebirth (participação: Vanessa Moreno)
Here in the Now (participação: Vanessa Moreno)
Morning Star
Ride into the Storm
Set acústico:
Lullaby for Lucifer
Gentle Change
Cycles of Pain
Silence Inside
Silence and Distance
Bleeding Heart
Dead Man on Display
Bis:
Carry On
Nova Era