Primavera Sound 2023
Confira o que rolou de rock na segunda edição do festival em São Paulo
Por Guilherme Silva
Fotos: André Santos
Em 2022, o festival catalão Primavera Sound realizou sua estreia triunfante na cidade de São Paulo, atraindo mais de 50 mil pessoas em um mega espetáculo realizado no Distrito Anhembi, em duas datas de sucesso. No último fim de semana (2 e 3), o evento retornou à maior metrópole da América do Sul, escolhendo como palco o Autódromo de Interlagos, um espaço renomado por abrigar o Lollapalooza Brasil desde 2014, e que também foi o cenário inaugural do The Town, uma super produção dos mesmos organizadores do Rock in Rio. Além disso, assim como acontece em sua versão original, em Barcelona, diversas apresentações menores conhecidas como “Primavera En La Ciudad” ocorreram em diversos clubes da capital ao longo da semana.
Histórico
O Primavera Sound é um festival de música alternativa fundado em Barcelona, Espanha, em 2001. Celebrado por sua diversidade musical e por oferecer uma seleção eclética de atrações, o evento se destaca por abranger uma ampla gama de gêneros, desde o indie rock até a eletrônica, pop, hip-hop e muito mais. Além de sua “main edition” em Barcelona, a marca mantém presença em cidades como Porto (POR), Los Angeles (EUA) e, desde 2022, vem alcançando as principais capitais da América do Sul, como Santiago (CHI), Buenos Aires (ARG) e, como mencionado, São Paulo.
Experiência Geral
O Primavera Sound 2023 foi marcado pela prioridade ao conforto e respeito ao público, algo perceptível desde os preparativos até a celebração. Antes mesmo do início da grande festa, os fãs já sentiam essa atenção especial. Durante as duas datas, foram organizados vagões expressos exclusivos na “Linha 9-Esmeralda”, simplificando o transporte direto até o Autódromo de Interlagos. Além disso, linhas de ônibus exclusivas foram disponibilizadas para os frequentadores do evento, garantindo um retorno confortável até a estação “Autódromo” após os shows. Vale ressaltar que a estação em si foi cuidadosamente decorada com artes dos patrocinadores do espetáculo, proporcionando uma experiência marcante desde o momento da chegada.
Dentro do Autódromo, o zelo pelo público permaneceu evidente, indicando que a T4F, empresa organizadora do festival, absorveu valiosas lições após o trágico incidente no show da cantora estadunidense Taylor Swift no Rio de Janeiro, onde Ana Clara Benevides, de 23 anos, veio a falecer devido a uma parada cardiorrespiratória provocada pelo calor intenso.
Em meio a uma das mais altas temperaturas registradas em São Paulo em 2023, com os termômetros batendo 38º, a organização adotou medidas proativas, distribuindo garrafas de água ao público durante todo o evento, em ambas as datas. Igualmente, bebedouros foram instalados em pontos estratégicos. Além disso, para garantir a segurança dos fãs, representantes da marca Neutrogena ofereceram centenas de protetores solares. Essa iniciativa, sem dúvida, revelou-se crucial, conquistando o respeito unânime de todos os presentes.
Ao contrário da maioria dos festivais atuais, a nova edição Primavera Sound não priorizou atividades interativas destinadas a pontos “Instagramáveis” ou entretenimentos como roda gigante, tirolesa ou montanha-russa. O foco foi exclusivamente naquilo que o público mais desejava: a música. O evento até contou com barracas de merchandising com produtos exclusivos das atrações e estandes das marcas patrocinadoras, como Banco do Brasil, Corona, Jameson Whiskey e Latam. No entanto, a presença dessas marcas foi bastante discreta em comparação a outras grandes festas, limitando-se praticamente à distribuição de brindes.
Porém, uma queixa notável que se destacou foi a falta de consideração da produção em relação aos profissionais de fotografia de veículos menores. Em várias ocasiões, fotógrafos de diversos portais foram posicionados em pontos distantes do palco, enquanto os representantes do portal Multishow desfrutaram de acesso privilegiado ao pit fotográfico em todas as apresentações. Este é um aspecto que certamente merece análise e ajustes em futuras edições do evento.
Shows: o que rolou de rock no Primavera Sound 2023?
O Primavera é conhecido por abrigar uma diversidade de estilos musicais em seu line up, e sempre reserva um espaço para o rock em suas apresentações. Em ambos os dias do festival, uma variedade de subgêneros foi representada, desde o punk rock até o shoegaze.
– Sábado
No sábado, por volta das 13h30, uma parte do público encarou o sol abrasador para acompanhar a apresentação do OFF! – banda que conta com Keith Morris na voz, o lendário vocalista que já esteve no Black Flag e fundou o Circle Jerks. Durante o set, o quarteto focou em apresentar várias faixas do novo álbum, Free LSD, lançado em 2022, como Slice Up the Pie, War Above Los Angeles e Murder Corporation, além de clássicos conhecidos pelos fãs de punk rock que ajudaram a revitalizar a sonoridade do hardcore oitentista durante o “revival” do gênero na década de 2010, incluindo I Don’t Belong e Panic Attack.
No entanto, foi evidente que os músicos estavam tocando de forma mais lenta, possivelmente devido ao cansaço de uma longa turnê por diversas cidades da América Latina, incluindo Porto Alegre (RS) e Curitiba (PR), ou talvez estivessem incomodados com o calor intenso. Ao longo do show, houve pouquíssimas interações com o público. O OFF! parece ser mais adequado para ambientes menores, como o Hangar 110, do que para grandes festivais. Ainda assim, foi impressionante ver os fãs iniciando moshpits debaixo de um sol escaldante!
Ainda no palco Barcelona, os canadenses do Metric cativaram o público com um show vibrante. Apesar de não apresentar uma única música sequer do cultuado disco Blow Up and Go Away (2001), um dos queridinhos da cena indie rock 2000, o que provocou críticas de alguns fãs mais dedicados, a banda liderada por Emily Haines entregou um set marcante, que foi preenchido por uma sequência de sucessos, incluindo Gold Guns Girls, Help, I’m Alive e Gimme Sympathy. A vocalista exibiu uma vitalidade surreal, dançando e percorrendo o palco como se estivesse alheia à intensa temperatura. Metric não fez questão de agradar seus seguidores mais fervorosos, mas buscou conquistar novos fãs, o que, sem dúvida alguma, foi bem-sucedido.
Colocando um pouco de rock no palco Primavera, veio o The Hives, curioso conjunto sueco que, no início dos anos 2000, mesclou a estética roqueira dos anos 60 com um som moderno, conquistando popularidade global durante a explosão do movimento indie. Os membros da banda não recuaram diante do calor, aparecendo no palco vestidos elegantemente com ternos, que, foram, porém, sendo abandonados pouco a pouco. Além dos hits explosivos que marcaram a adolescência de muitos espectadores que cresceram assistindo a programação da MTV Brasil, como Tick Tick Boom e Hate to Say I Told You So, o show dos nórdicos foi definido pela presença avassaladora do vocalista Pelle Almqvist. Ele desceu do palco várias vezes, compartilhou o microfone com fãs na grade, adentrou o fosso dos fotógrafos e pulou em um freezer para tentar se livrar do calor – o cantor até pegou garrafas de água de alguns de seus admiradores.
Além disso, o frontman engajou o público com diálogos humorados, arriscando algumas palavras em português, como: “Somos o The Hives da Suécia e seremos sua nova banda favorita”. Foi uma apresentação arrebatadora, que simplesmente trouxe o espírito visceral do verdadeiro rock ‘n’ roll ao Primavera Sound.
– Domingo
Ainda sob o intenso calor, o segundo dia do Primavera Sound 2023 ofereceu atrações voltadas ao pop, como Carly Rae Jepsen, Marisa Sena e Just Mustard. No entanto, o rock não foi deixado de lado, seja apresentando nomes underground quanto grupos lendários.
No palco São Paulo, por volta das 16h, a banda argentina Él Mató a Un Policía Motorizado surgiu para apresentar ao público paulistano algumas faixas inéditas do aclamado álbum Super Terror“, considerado um dos melhores lançamentos de rock de 2023, incluindo Un segundo plan e Diamante roto. Para satisfação da plateia, o set também contemplou vários sucessos dos hermanos, como La Noche Eterna, El Perro, Más o Menos Bien, Ahora Imagino Cosas e muitas outras.
Devido ao tempo limitado, a interação foi limitada, mas o vocalista Santiago Motorizado fez questão de agradecer ao público várias vezes em português. Sem dúvida, Él Mató a Un Policía Motorizado é uma das bandas mais queridas do “país hermano”, o que explica o retorno tão rápido ao Brasil, apenas um ano após sua última apresentação no país.
O Bad Religion, um dos maiores nomes do punk rock mundial, ficou a cargo de encerrar o palco Barcelona. Antes do início do show, os fãs que aguardavam ansiosamente foram presenteados com uma tracklist temática, repleta de faixas de The Damned, Sex Pistols e Ramones, que serviu como um aquecimento perfeito. Pontualmente às 19h, os “cavaleiros do punk” surgiram no cenário e deram início ao set com The Defense, faixa do álbum The Process of Belief, inicialmente recebida com certa apatia.
No entanto, a atmosfera mudou rapidamente com Los Angeles is Burning, um dos principais sucessos do conjunto, elevando o ânimo da plateia. Com Wrong Way Kids, terceira música do repertório, o público começou a agitar enormes moshpits, transformando o local em um verdadeiro pandemônio. A partir daí, Greg Graffin e seus companheiros mantiveram a insanidade da plateia enquanto revisavam a rica discografia da banda, que recentemente completou 40 anos de atividade, tocando uma sequência que passou por hits como Punk Rock Song, Infected e 21st Century Digital Boy, até lados B mais obscuros, como Anesthesia, do álbum Against the Grain, e Beyond Electric Dreams, de The Empire Strikes First.
No meio das rodas punks, era possível observar pessoas com mais de 40 anos participando da diversão como verdadeiros jovens, imersos na nostalgia e agindo como se não precisassem trabalhar no dia seguinte. Não importa quantas vezes eles se apresentem por aqui: o Bad Religion sempre entrega uma performance emocionante. A música dos californianos evoca uma gama de sentimentos, desde a saudade até a energia violenta, sempre capaz de proporcionar momentos memoráveis.
Para fechar o Primavera Sound 2023, nada menos que a lendária banda de post-punk The Cure, em seu primeiro show no Brasil em uma década. Sob uma simples base pré-gravada simulando sons de raios e sem efeitos especiais, queda de cortinas ou fogos de artifício, o vocalista Robert Smith apareceu usando uma camiseta estampada com um beijo nas cores da bandeira nacional e deu início à apresentação com a inédita Alone, faixa presente no último disco do grupo.
Para “quebrar o gelo”, o lendário vocalista desgrenhado e Cia. mandaram uma sessão de sucessos, começando com Pictures of You, passando por High, A Night Like This e finalizando o bloco com Lovesong, outro clássico gigantesco da discografia dos britânicos. Neste momento, ficou evidente que, apesar do passar dos anos, a voz de Robert permaneceu forte e clara, quase idêntica às gravações originais, oferecendo ao público uma experiência que os transportou para um universo de nostalgia e emoção. Além disso, foi possível notar que o grupo não aposta muito em efeitos especiais em suas apresentações, com apenas uma iluminação básica servindo de decoração.
Após revisitar sua fase mais sombria com Burn e Fascination Street, a banda apresentou uma sequência explosiva com nada menos do que dois de seus sucessos mais enérgicos: In Between Days e Just Like Heaven, envolvendo todo o Autódromo de Interlagos em um coro uníssono. No entanto, o show pareceu perder um pouco de sua intensidade ao seguir para uma sequência de faixas menos conhecidas, mantendo a plateia em um estado de agitação menos expressivo, até alcançar A Florest, onde centenas acompanharam o riff final com palmas, criando uma cena surreal.
Infelizmente, a reação do público diminuiu durante o primeiro bis, que não contou com nenhum hit marcante. A empolgação geral apenas retornou durante o segundo encore, que destacou canções populares, como Lullaby, Close To Me e a obra-prima Boys Don’t Cry. Isso suscita um questionamento intrigante: será que o público frequenta festivais porque acompanham o trabalho das atrações headliners ou simplesmente pelo hype e publicidade dos eventos? Vale a reflexão…
Ao fazer uma análise crítica, o show do The Cure foi apenas razoável. A performance careceu de grandes efeitos especiais, limitando-se a modestos jogos de luzes. A interação com o público foi praticamente inexistente. Além disso, suportar um set de três horas, especialmente quando uma parte significativa da plateia já havia passado o dia inteiro sob o sol e se deslocando entre os palcos, foi uma experiência exaustiva. É inegável que o grupo possui hinos atemporais, justificando sua posição como atração principal. Contudo, a dinâmica do show não se encaixou muito bem com o ambiente do festival.
Na sua segunda edição em São Paulo, o Primavera Sound não apenas inovou, mas também impressionou com a qualidade da organização, a diversidade musical e, sobretudo, o cuidado e respeito pelo público. O evento amadureceu consideravelmente, proporcionando uma experiência memorável, que não perdeu em nada em relação a muitos festivais estabelecidos há anos. E promete evoluir ainda mais. Que venha a edição de 2024!