Por Nelson Souza Lima
Fotos: André Santos
Quem foi ao Tokio Marine Hall conferir a veterana banda britânica sabia que ia rolar uma aula de hard/metal e, com o perdão do trocadilho, foi de “aheepiar”. Setlist já conhecido, pois circulava nas redes sociais há dias e, com pequenas alterações, o grupo liderado pelo guitarrista Mick Box trouxe para a capital paulista a “Uriah Heep South American Tour 2023”, outra grande turnê organizada pela Top Link Music. Antes de São Paulo, os caras tocaram em Lima no Peru, Santiago no Chile e Curitiba, capital paranaense.
Em outro final de semana recheado de shows os fãs do Uriah Heep não fizeram feio e, praticamente, lotaram o TMH. Não houve banda de abertura. O “esquenta” e gran finale ficou por conta da Mofo Jam, tocando no hall da casa dois sets bem distintos. No primeiro, antes do UH, os competentes e experientes Marcos Lucke (vocal e baixo), Fernando Piu (guitarra e backing vocals, Virus) e Robert Lunardi (bateria) mandaram clássicos mais tranquilões de Lou Reed, David Bowie, Bob Dylan, Neil Young, entre outros. O peso veio pós-Uriah Heep com Black Sabbath, Motörhead, Deep Purple e outras porradas. Lucke sempre agradecia os presentes e também por terem sido convidados para fazer o abre dos ingleses.
O trio, que costuma se apresentar no Malta Rock Bar e em outros da capital, deixa claro que sabe como agradar rockers de todas as idades. Aliás, importante ressaltar que bandas icônicas como o Uriah, com mais de cinco décadas de trajetória atravessam o tempo, agregando novos fãs. Muitos grisalhos em harmonia com outros bem jovens e até crianças. Enfim, é o rock/hard/metal passado de geração para geração.
Marcado para 20h, o show do Uriah Heep começou com alguns minutos de atraso, mas nada que atrapalhasse e o cenário foi o mais minimalista possível. Apenas a banda no palco e sem backdrop, o que ficou claro na sequência, pois o repertório não trouxe nenhuma música do mais recente álbum, “Chaos & Colour”. Ausentes do Brasil por quase uma década, a última passagem do Heep por aqui foi em 2014 e a galera estava ávida para matar as saudades após tanto tempo.
Quando as luzes se apagaram gritos de saudação e os indispensáveis celulares ao alto. Aos poucos Mick Box, ladeado por Bernie Shaw (vocal), Dave Rimmer (baixo), Phil Lanzon (teclados e backing) e Russell Gilbrook (bateria) deram início a uma saraivada de clássicos que durou em torno de 80 minutos.
O set de quinze canções foi o mesmo tocado em Curitiba (PR) e no Chile – os peruanos foram contemplados com duas a mais, “The Hanging Tree”, de “Firefly” (1977) e “Against The Odds”, de “Sea of Light” (1995). Para abrir a avalanche sonora duas de “Living The Dream” (2018): “Grazed By Heaven” e “Take Away My Soul”, que são hardões de sacudir o pescoço. Em “Take Away My Soul’, Bernie Shaw pediu para o público bater palmas, devidamente atendido.
Na sequência, o maestro Mick Box cumprimentou o público dizendo o quanto era bom estar de volta ao Brasil. Bernie Shaw anunciou uma viagem no tempo até 1972 para tocarem “Traveller In Time”, do cultuado “Demons & Wizards” (1972). Shaw também destacou que foi a última apresentação do grupo em 2023.
Uma tríade bem louca com “Between Two Worlds”, de “Sonic Origami” (1998); “Stealin'”, de “Sweet Freedom” (1973), e “Too Scared To Run”, de “Abominog” (1982) quase fez a casa cair, mostrando que apesar de serem álbuns lançados em décadas distintas são uníssonas e atemporais. Conclamando a galera para aplaudir o tecladista Phil Lanzon, o vocalista voltou novamente no tempo para 1972 e mandaram “Rainbow Demon”, outra de “Demons & Wizards”, com climão setentista, tecladeira animal que poderia constar em algum disco do Deep Purple da época. Sonzeira!
Bernie Shaw está na banda há 37 anos e sua interpretação das músicas clássicas cantadas pelo saudoso David Byron (1947-1985) é magistral. A todo instante o vocalista enaltecia Mick Box e pedia aplausos ao guitarrista pelo fato de manter a banda na estrada sendo o único integrante original. Outro fato a ser ressaltado é o quanto o quinteto é entrosado e com uma técnica absurda. O batera Russell Gilbrook é uma usina motora e toca sorrindo todo o show, realmente se divertindo com viradas e batidas de tirar o fôlego da plateia.
Após “Sweet Lorraine”, os celulares subiram mais alto quando anunciaram “Free ‘n’ Easy”, de “Innocent Victim” (1977), com refrão cantado a plenos pulmões por todos. Shaw perguntou quem na plateia era do metal e que teriam três minutos de puro metal. “Gypsy”, do disco de estreia “…Very ‘Eavy …Very ‘Umble” (1970), levantou ainda mais a temperatura com “hey, hey, hey” e uma demonstração de que o público estava nas mãos da banda. A novidade no set ficou por conta de “Look at Yourself”, do disco homônimo de 1971, num dueto entre Bernie Shaw e a guita de Mick Box. A música teve duração de mais de cinco minutos com Shaw apresentando a banda para cada um poder solar seu instrumento num êxtase sonoro/contemplativo. Momento mágico do show.
Por sinal, o vocalista mostra que seu vozeirão continua intacto, com agudos de prima, e Box como sempre manda ver no pedal wah-wah. O enceramento do set veio com “Lady In Black”, de “Salisbury” (1971). Os caras deixam o palco para voltar num encore altíssimo e pra cima com as mais que necessárias “Sunrise”, de “The Magician’s Birthday” (1972), e “Easy Livin'”, mais uma de “Demons & Wizards”. Final apoteótico desta banda reverenciada e que matou (e bem) a saudade dos fãs brasileiros. No final, claro, baquetas, palhetas e toalhas jogadas aos fãs. O papel do set list foi disputado, quase aos tapas, dada a devoção que o Uriah Heep desperta entre os brasileiros. Que não demorem tanto tempo para voltar.
SET LIST:
Grazed by Heaven
Take Away My Soul
Traveller in Time
Between Two Worlds
Stealin’
Too Scared to Run
Rainbow Demon
Sweet Lorraine
Free ‘n’ Easy
Gypsy
Look At Yourself
July Morning
Lady In Black
Sunrise
Easy Livin’