Na noite fria de 15 de junho último, o bonito e aconchegante Espaço 555, novo pico que se localiza no centro de São Paulo bem ao lado da popular Galeria do Rock, abriu suas portas para o bom e velho thrash metal. “Velho” não de maneira literal, pois o que aconteceu foi um encontro entre duas bandas da nova safra, que seguem levando adiante a bandeira do estilo: o power trio Nervosa e os norte-americanos do Havok. Ambos traziam novidades para o público que compareceu em número razoável. O Havok veio divulgar seu quarto ‘full lenght’, “Conformicide”, que chegou ao mercado em março do ano passado, enquanto que a Nervosa estava fazendo o show de lançamento de seu terceiro álbum, “Downfall of Mankind”.
Após a breve introdução mecânica, as brasileiras da Nervosa instalaram o caos na casa mandando uma trinca do pesadíssimo “Downfall of Mankind”. “Horrordome”, “…and Justice for Whom?” e “Bleeding” escancararam a influência de death metal do novo álbum, referência essa que se deu, principalmente, com a entrada da baterista Luana Dametto, que trouxe à banda a sua experiência no estilo, inserindo recursos como blast beat às novas composições. Devido a esse acréscimo de peso a sempre comunicativa e descontraída frontwoman Fernanda Lira mandou ver nos guturais, que agora são parte de sua nova faceta vocal.
Dando sequência, Fernanda, Luana e Prika Amaral (guitarra) tocaram “Death!”, uma das mais legais do debut “Victim of Yourself” (2014), que pôs o público para cantar e agitar ainda mais. Outra das mais antigas que teve participação maciça dos headbangers foi “Hostages”, do penúltimo álbum, “Agony” (2016), que contou até com coro da plateia. Ao final dessa, o trio se emocionou com o nome da banda sendo entoado pelos fãs e como resposta mandou a aclamada “Masked Betrayer”, que em 2012 foi a responsável por fazer a Nervosa ganhar visibilidade mundial a partir de seu videoclipe.
“Downfall of Mankind” foi representado pela maioria de suas músicas. Duas delas que ficaram bem legais ao vivo foram “Enslave”, um ‘thrashão’ que no decorrer ganha uma paradinha mortal em que a quebrada na caixa da batera chama o groove que entra na sequência, e também a vigorosa e já conhecida “Never Forget, Never Repeat”, que nas redes sociais foi o cartão de visitas para o disco e que no show soou ainda mais brutal. Depois de “Vultures” foi legal que Fernanda, Prika e Luana deixaram o palco para que outra intercessão mecânica criasse o clima para a música seguinte: “Raise Your Fist!”, uma das mais impactantes de “Downfall…”.
“Kill the Silence”, já conhecida por ser o primeiro videoclipe do novo álbum, não ficou de fora e em seu decorrer rolou a tradicional apresentação da banda e um solo de Luana que, como de costume, teve uma performance que impressionou os presentes durante todo o show. A última representante de “Downfall of Mankind” foi a ultrassônica “Fear, Violence and Massacre”. De “Agony”, a banda ainda tocou “Arrogance” e “Intolerance Means War”, mas foi com “Into Moshpit”, de “Victim of Yourself”, que as garotas fecharam a tampa do caixão, pondo todo mundo pra cair no mosh, literalmente. As longas turnês têm deixado o entrosamento e a presença de palco de Fernanda, Luana e Prika Amaral (guitarra) mais afiados. O público correspondeu ao show e se mostrou tão entusiasmado que ao final ovacionou a banda que, por sua vez, nem parecia estar nervosa (juro que não foi um trocadilho) com o fato de estar tocando pela primeira vez as suas músicas novas.
A expectativa agora era para conferir o retorno à São Paulo do Havok, que há quatro anos estreava em solo brasileiro fazendo uma série de shows pelo país. Para muitos, a ansiedade era grande pra conferir as novas músicas ao vivo, tendo em vista que “Conformicide” foi bem aceito por público e crítica – particularmente, o considero um dos melhores álbuns de thrash metal de 2017. Só que demorou até que todos os ajustes no palco fossem finalizados e a banda, que ficou um bom tempo no palco cuidando da regulagem e da montagem de seu arsenal, desse início à apresentação. Nesse ínterim, os músicos deixaram os fãs ainda mais em polvorosa quando resolveram passar o som arriscando tocar alguns hinos da música pesada, incluindo do Sepultura, Metallica e outros – aliás, o Havok tem o costume de gravar covers e deixá-los bacana.
Assim que tudo foi resolvido, David Sanchez (vocal e guitarra), Reece Scruggs (guitarra e voz), Nick Schendzielos (baixo) e Pete Webber (bateria) atacaram de “Fatal Intervention”, pancadaria do segundo álbum, “Time is Up” (2011). A pista ficou insana com os fãs atendendo ao pedido de Sanchez para que formassem o ‘circle pit’. Velocidade, riffs certeiros, duetos vocais e som alto, tudo estava nos conformes para que os fãs judiassem dos próprios pescoços. No repertório, curiosamente, só faltaram músicas do debut “Burn” (2009). Quanto a “Conformicide”, não demorou para o grupo apresentá-lo com a cortante “Hang ‘Em High”, que iniciou com a cozinha fazendo um trabalho impecável. Destaque para os ‘slaps’ frenéticos de Schendzielos, um dos melhores baixistas do thrash atual, que preenchia as músicas com bases cavalares, mostrando total independência das guitarras. Observar a técnica e o punch desse cara me remeteu à Robert Trujillo (Metallica) em seus tempos de Suicidal Tendencies e Infectious Grooves. O músico chamava a atenção também por sua presença de palco e por seu chamativo instrumento, que tinha as marcações das escalas iluminadas por leds verdes.
Sem perder tempo com discursos, a intenção da banda era nocautear os ‘thrash maniacs’. Assim, mais músicas da nova “bolacha” e de “Time is Up” foram sendo tocadas de maneira intercalada. Eram socos de direita e de esquerda sem massagem. Sanchez e Scruggs distribuíam riffs e mais riffs, e lá atrás Webber mostrava precisão, principalmente no prato de condução (ou ‘ride’, se preferir), em que fazia umas levadas absurdas. No meio do set, chegou o momento de o quarteto mostrar um pouco de outros de seus materiais. Vieram as faixas título do EP “Point of No Return” (2012) e do terceiro álbum, “Unnatural Selection” (2013), além de mais de “Conformicide”. O show foi passando tão rápido quanto a velocidade das músicas, mas ainda havia um tempinho para um pouco mais de diversão. Na visceral “From the Cradle to the Grave”, também do EP, o tresloucado Schendzielos saiu do palco e a encerrou tocando na pista, agitando com o público. A despedida se deu com outra nova: “Intention to Deceive”. Ao final da apresentação, Sanchez, Scruggs, Schendzielos e Webber mostraram simpatia e retribuíram a receptividade do público, reservando um tempo para trocar ideia e tirar selfies com os fãs, assim como fizeram as garotas da Nervosa.
No intervalo entre o show das duas bandas, entrevistei Fernanda Lira e Luana Dametto no camarim, para falarmos do novo álbum e de assuntos relacionados. Quanto à apreensão de tocar as novas músicas pela primeira vez ao vivo, Fernanda foi sincera: “Não vou ser hipócrita em dizer que foi tranquilo, porque esse álbum tem sua qualidade, levando em conta o feedback que temos recebido, e executá-lo exige maior concentração e preparo. Estávamos preparadas, mas entramos com a cautela de termos que dar o nosso melhor”, revelou. Quanto à banda estar flertando mais com o death metal, a vocalista comentou: “Apesar da entrada da Luana apontar para esse direcionamento, já buscávamos por isso. Achamos a nossa identidade, pois sempre fomos uma banda de thrash que trazia um pouco da agressividade do death metal. Por isso que desde o debut, mesmo que de forma modesta, sempre teve algum ‘blast beat’, e agora a Luana trouxe isso de uma maneira intensa. Temos sentido que angariamos mais fãs de death, mas os thrashers não estão decepcionados. Nesse novo álbum há bastante crítica social nas letras”, destacou. Sobre seu trabalho vocal em “Downfall of Mankind’, Fernanda se sentiu confortável com os guturais: “Sempre gosto de dar um passo a mais do que no disco anterior. Nos primeiros lançamentos eu estava me conhecendo como vocalista, no segundo encontrei a minha chave vocal, e nesse eu me explorei. Pensei: ‘quem sabe eu consigo trazer um grave dentro do meu conforto?’. As levadas de death metal combinam com o grave. Nunca iremos compor nada que não consigamos reproduzir ao vivo, nem nunca colocarei nada na voz que não conseguirei gritar no palco, como linhas de Angela Gossow (ex-Arch Enemy), por exemplo, jamais arriscarei esse caminho porque ficará uma bosta”.
Já Luana, que de fato veio do death metal, falou de sua adaptação na banda: “Por elas quererem fazer um som mais pesado neste álbum, não tive problema nenhum. Eu fiquei feliz pra caralho quando elas disseram que estavam buscando por algo mais pesado e eu poderia colocar o que eu sabia na música, porque eu só toco isso, desde que comecei a tocar bateria, desde o início eu sempre foquei em aprender a tocar death metal, tocar mais rápido, fazer viradas típicas do estilo”, revelou. “O meu caso foi o contrário do delas, não no sentido de dificuldade, mas no desafio que foi tocar thrash. Eu nunca tinha feito ‘tu pá, tu pá’ na minha vida (risos)”, brincou. “Mas aprendi bastante fazendo a turnê do “Agony”, foram quase dois anos comigo na banda. Além do quê, curto muito hardcore e beatdown, e até o Claustrofobia foi inspiração, porque sempre fui muito fã da banda. Aproveitei que a Nervosa toca thrash pra pegar esse groove, algo que eu já queria fazer na minha banda (Apophizys), embora não tenha espaço pra fazer esse tipo de coisa num grupo de death metal que puxa pro lado técnico. Colocar algo com groove e mais pausado sairia do gênero. Mas fiquei feliz que na Nervosa botei todos os meus ‘blast beats’ e as coisas que eu queria”, concluiu. Após o show, Nervosa e Havok partiram juntas para o restante da mini-turnê, que passaria ainda por Recife (PE) e Belo Horizonte (MG), respectivamente.
HAVOK – Setlist:
Fatal Intervention
Hang ‘Em High
Prepare for Attack
F.P.C.
Out of My Way
Covering Fire
Point of No Return
Ingsoc
Unnatural Selection
From the Cradle to the Grave
Intention to Deceive
NERVOSA – Setlist:
Intro
Horrordome
…and Justice for Whom?
Bleeding
Death!
Enslave
Hostages
Masked Betrayer
Never Forget, Never Repeat
Vultures
Raise Your Fist!
Arrogance
Kill the Silence
Fear, Violence and Massacre
Intolerance Means War
Into Moshpit