Por Valtemir Amler
Se perguntarmos para qualquer fã de boa música o que lhe vem primeiro a mente quando falamos da Califórnia, o que será que ele responderá? Talvez fale sobre todas aquelas bandas psicodélicas que transformaram San Francisco na capital hippie do mundo. Outros certamente vão pensar em Dead Kennedys, Germs, Circle Jerks, Black Flag e tantas outras que levaram o Estado a ter um dos maiores cenários do punk do mundo. E quem ousaria esquecer todas aquelas bandas da Bay Area que transformaram o thrash em um fenômeno mundial? Todas essas respostas são possíveis e certeiras, mas para você que é fã de podreira, sempre existe a esperança de que a resposta seja Autopsy, ou quem sabe, Exhumed. Afinal, já se vão mais de três décadas desde que o ‘prodígio da putrefação’ Matt Harvey fundou a banda em San Jose, e desde então muita música brutal foi produzida por ele e seus comparsas. Incorporando muito do punk e do death dos seus conterrâneos em uma fórmula grind inspirada pelo que de pior vinha sendo produzido nos anos anteriores (leia-se Napalm Death, Repulsion, Terrorizer e claro, Carcass), Matt manteve sua banda por anos e anos no underground, apenas lançando demos e splits até lançar o opus Gore Metal, em 1998. Se naqueles dias a banda foi imediatamente incluída no batalhão dos ‘Carcass Clones’, o próprio Matt nem liga, afinal, com mais de trinta anos de história e dez álbuns lançados, ele sabe que deixou sua marca própria na música. E é uma marca sangrenta, como ele nos conta nessa entrevista.
Na última vez que conversamos, vocês estavam lançando Horror (2019), que foi bem recebido pelos fãs. Mas, desta vez, sinto que a resposta está sendo ainda melhor para To The Dead (2022).
Matt Harvey: Ah, cara, isso é ótimo! Quer dizer, nós já estávamos realmente ansiosos pelo lançamento desse novo álbum, parece que tantas coisas já aconteceram depois de termos trabalhado nele. Sinto que nunca estive tão preparado para pegar a estrada quanto estou agora.
Então o álbum já estava pronto há muito tempo?
Matt: Sim, cerca de um ano e meio antes do lançamento foi quando demos os últimos retoques e entregamos o disco pronto para a gravadora. Não sei porque a demora, talvez seja por conta da dificuldade em conseguir a matéria-prima para prensar os LP’s. Estou apenas jogando um motivo qualquer (risos). Provavelmente estavam apenas esperando apodrecer (risos gerais).
Se for o caso, então fizeram bem (risos). Quer dizer, gostei muito do que ouvi em To The Dead. Colocado lado a lado com Horror, é um álbum diferente, mas também é bem parecido. E isso é algo que gosto no Exhumed, pois ao mesmo tempo que nunca sabemos exatamente o que entregarão, também temos certeza do que vocês vão fazer.
Matt: Ah, muito obrigado, cara (risos gerais). Mas é isso mesmo, essa banda é uma confusão total, o importante é que funcione no final (risos). Mas, falando sério, essa coisa de mudar as coisas de um álbum para outro é algo que intencionalmente procuramos fazer. Entendo perfeitamente o que você quis dizer porque nunca deixaremos de ser o Exhumed, não terá partes progressivas na nossa música, nem fodendo (risos gerais). Mas, ao mesmo tempo, não queremos aborrecer nossos fãs até a morte fazendo sempre a mesma música, e nem os enganar vendendo sempre o mesmo disco. Deve existir uma certa dose de inovação de álbum para álbum, algo que mantenha as coisas excitantes e deixe claro para qualquer ouvinte que aquele é outro álbum, e não um punhado de restos do anterior. Pelo menos é nisso que acredito, se fosse para soar tudo igual, seria mais simples e barato simplesmente ficar mais tempo no estúdio e já gravar de cara o suficiente para dois álbuns, lançar um e deixar outro na gaveta para lançar dentro de dois ou três anos (risos). Não é isso que fazemos, buscamos sempre variar de um momento para outro. E não é fácil, não mesmo. Quanto mais tempo você faz isso, mas forte é a tendência de simplesmente repetir a mesma coisa de novo e de novo, pois você vai tentando todos os truques que conhece, chega uma hora que fica difícil.
E o que você faz nesses momentos?
Matt: Simplesmente paro de pensar sobre isso e vou fazer qualquer outra coisa. Vou ver um filme, qualquer coisa diferente. Não adianta tentar pensar de cabeça quente, você só vai ficar mais e mais irritado, e no final vai estar completamente exausto e sem nenhuma boa ideia. Eu me sento, relaxo e espero, em algum momento vou pensar em algo.
É justo. Bem, são mais de trinta anos de Exhumed, então, vamos falar um pouco sobre esse tempo. Como era a vida musical daquele Matt Harvey que viveu o fim dos anos 80 e início dos anos 90?
Matt: Cara, era o melhor! Quer dizer, para um garoto que estava crescendo naquela época ao mesmo tempo que descobria o metal extremo, era a melhor sensação do mundo. Era simplesmente uma era de descobertas, pois todas as semanas sem falhar, sempre havia novos lançamentos e ótimos lançamentos de death, black, grind, thrash e assim por diante, se não quisesse você nunca precisaria ouvir outro tipo de música. E a quantidade de bandas incríveis que surgiam, aparentemente do nada? Nossa, você começava a mergulhar no underground e ficava totalmente afogado, não tinha escapatória (risos). E o melhor de tudo é que todas aquelas bandas tinham uma identidade muito forte e muito única: o Carcass não soava como o Immolation, que não soava como o Entombed, que não soava como o Mortician e assim sucessivamente. Ter contato com essas bandas foi algo especial para mim. Bem, eu era um garoto da Bay Area, então existia toda aquela coisa do thrash metal, era o gênero que dominava tudo, todos os garotos ouviam thrash e queriam tocar em uma banda thrash, então meio que estavam todos vivendo sob uma mesma sombra. Quando descobri o grindcore e o death metal, aquilo era absurdamente diferente, e eu conseguia sentir aquilo como algo meu, algo que me diferenciava de todos os outros ao meu redor.
Imagino que você logo tenha decidido tocar, e que tenha vivido os desafios disso no início.
Matt: Ah, sim. Hoje eu me lembro daqueles dias e dou boas risadas, mas foi uma época complicada para começar uma banda (risos). Existia muita dificuldade, e essa dificuldade era para fazer as coisas básicas: onde vamos ensaiar? Como vamos tocar a nossa música se nem ensaiar conseguimos? Depois que descolávamos um lugar para ensaiar, pensávamos ‘ok, ensaiamos, agora vamos tocar aonde e para quem?’ (risos). De certa forma era o mesmo tipo de dificuldade que todas as bandas iniciantes viviam, e confesso que dava um charme especial para a coisa toda, já que nos dava um tempo a mais para pensar nas coisas e trabalhar nelas antes de sair mostrando qualquer merda para os outros (risos).
Hoje isso é fácil.
Matt: Sim, você se senta no seu quarto com um laptop e uma guitarra, faz uma coisa qualquer e joga na internet. Algum doido em algum lugar vai gostar (risos).
Mas entendo quando você fala do ‘charme especial’. De certa forma, aquelas dificuldades serviam como um marco de transição nas nossas vidas, tinham a ver com o fato de que éramos adolescentes e vivíamos uma época especial.
Matt: Sim, é exatamente isso. Eu era um garoto que amava música extrema e que tinha minha própria banda, e isso me tornava em alguém especial diante dos outros. Você tem uma autoimagem muito melhor quando está engajado em algo, sem contar que estar na garagem dos meus pais ensaiando para shows que nem sabíamos se um dia iriam acontecer provavelmente nos livrou de muitos outros problemas. Quem sabe em que merdas teríamos nos metido, nos envolvendo em brigas e besteiras desse tipo? Para os meus pais, eu ter uma banda de death metal na garagem deles foi um alívio, eles ficavam ‘ok, apenas mantenha boas notas e faça a sua música barulhenta’. Eles sabiam que eu estaria fazendo algo bem pior se não fosse aquilo (risos).
Uma pergunta importante me vem à mente: você conseguiu manter boas notas?
Matt: Ah sim, eu consegui (risos gerais). Mas apenas o suficiente para os meus pais não confiscarem o meu equipamento e expulsarem os meus amigos da garagem (risos).
Para você, estava claro desde o início que queria ter letras repletas de referências aos filmes de terror?
Matt: Sim, porque isso é meio que parte de quem eu sou. Quer dizer, eu estava fissurado em filmes ainda antes de me tornar um fã de metal, eu já era fanático por aqueles filmes clássicos antes, eu amava os filmes thrash. O Vingador Tóxico (The Toxic Avenger, 1984), Re-Animator (1985), Uma Noite Alucinante (The Evil Dead, 1981), A Hora do Pesadelo (A Nightmare On Elm Street, 1984), eu absorvia isso tudo muito profundamente, era apaixonado por aquilo. Quando conheci o Slayer, foi paixão à primeira vista, pois a conexão já estava ali. Eles já tinham vinculado sua imagem lírica ao mundo do terror, assim como as capas de discos, com aquelas referências satânicas e tal. Quando conheci Death, Autopsy, Morbid Angel e tantos outros, eu já não tinha mais dúvidas, era aquilo que eu queria fazer. E o melhor, eu já sabia como fazer, pois tinha bebido nas duas fontes. Então, para mim, a música do Exhumed é o que existe de melhor, pois é onde posso unir as minhas duas grandes paixões em uma forma única. Estar fazendo isso por mais de trinta anos, é algo que nem imaginava. Mas vou continuar fazendo, juro que ainda tenho boas notas (risos gerais).
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