Por Guilherme Góes
Fotos: Ygor Monroe
“You said, you said, you said… This time was gonna be different”.
Quando Andrew Neufeld, vocalista do Comeback Kid, começou a entoar as palavras iniciais que marcam o refrão da música “Wake The Dead”, não houve uma única alma presente no Hangar 110 no último sábado (24) que não começou a acompanhá-lo a plenos pulmões. Afinal, não se trata de música qualquer, mas de um verdadeiro hino que introduziu centenas de jovens ao redor do mundo na música hardcore, graças à sua presença marcante na trilha sonora do jogo “Burnout Revenge” (Xbox 360, PlayStation 2 e Xbox, lançado em 2005). Ao caminhar pelo clube, enquanto o público aguardava as atrações de abertura, era possível ouvir conversas do tipo: “Conheci esses caras ainda criança por causa do jogo de corrida”, “Minha vida seria completamente diferente se nunca tivesse ouvido ‘Wake the Dead’ no Burnout” e assim por diante.
Fundado em Winnipeg, Canadá, no ano de 2001, o Comeback Kid teve sua origem como um projeto paralelo dos músicos Andrew Neufeld e Jeremy Hiebert, ambos integrantes da banda “Figure Four”. Contudo, rapidamente, o grupo acabou se tornando o projeto principal dos músicos. Seu álbum de estreia, “Turn It Around”, lançado em 2003, recebeu boas críticas e conquistou centenas de fãs. Já o segundo álbum, “Wake the Dead” (2005), é considerado uma das obras mais marcantes do estilo hardcore lançado na década de 2000. Em 2006, Scott Wade deixou a posição de vocalista, com Andrew, que já tocava guitarra, ocupando a vaga e mantendo a integridade da banda nos álbuns “Broadcasting…” (2007), “Symptoms + Cures” (2010), entre outros. Com uma relação duradoura com o público paulista, esta apresentação marca a quinta vez que a banda se apresenta na cidade desde 2008.
Público variado, ansioso e insano
Uma curiosidade interessante sobre o Comeback Kid é a sua base diversificada de fãs, unindo desde seguidores de hardcore melódico a admiradores de estilos mais extremos, como NYHC e straight edge. Quando as portas do clube abriram às 18h30, a primeira coisa que saltou aos olhos foi a enorme variedade de público. Dezenas de pessoas exibiam camisetas de bandas melódicas quanto Dead Fish, Millencolin e Bad Religion, enquanto outros ostentavam nomes de representantes mais agressivos, como Terror e Knocked Loose.
A sessão de música ao vivo teve início com o set da banda brasiliense Never Look Back, o mesmo conjunto que, na semana anterior, abriu para os californianos do The Ghost Inside. Mais uma vez, tiveram a oportunidade de apresentar sua proposta de som interessante, que mescla letras em inglês e português, incorporando influências sólidas do hardcore straight edge, com breakdowns e stomp, além de elementos do punk rock melódico, evidenciando forte inspiração nas correntes mais modernas da cena atual. Apesar de um repertório curto marcado por problemas técnicos, principalmente no microfone do backing vocal/guitarrista Rique Martins, os músicos se esforçaram para destacar as faixas do recém-lançado “Relentless”. Durante o show, o vocalista Kenji expressou sua satisfação por tocar com o Comeback Kid e subir ao palco do Hangar 110. Além disso, anunciou a despedida do baixista Fábio Alexandre.
Em seguida, The Last Station encerrou o bloco de bandas de aberturas. Com um set igualmente reduzido, composto por apenas 5 músicas, o grupo catarinense exibiu um som voltado ao hardcore alternativo, com fortes influências de nomes como August Burns Red e Stick to Your Guns. Apesar da falta de familiaridade do público, o quarteto possui mais de 10 anos de carreira, um DVD ao vivo, dezenas de videoclipes, além de turnês europeias no currículo. Entre os momentos de destaque, vale mencionar a apresentação de uma nova música em português, feita em parceria com Ítalo Nonato, vocalista da banda Pense.
Com um atraso de aproximadamente 30 minutos e a casa completamente lotada, o Comeback Kid finalmente subiu ao palco, chamando a atenção de todos pela vestimenta do vocalista Andrew e do baixista Stu Ross, que usavam camisetas das bandas de pop punk NOFX e Green Day, nomes que, muitas vezes, não são bem recebidos pelos fãs hardcore mais “fervorosos”, para não dizer chatos. Antes mesmo do primeiro riff de “Heavy Steps”, single do álbum homônimo lançado em 2022, o público já se lançava no palco para stage dives, indicando que a noite prometia intensidade. A atmosfera pandêmica foi ao limite em “False Idols Fall”, faixa de abertura do álbum “Wake The Dead”, que ficou fora do setlist nos shows em Porto Alegre e Florianópolis. A insanidade foi tanta que os fãs acabaram arrancando o cabo do microfone do vocalista, que precisou recorrer ao microfone secundário de Stu. Em “Do Yourself a Favor”, dedicada ao grupo caiçara Bayside Kings, Andrew esbarrou com um fã invadindo seu espaço, quase caindo do palco. No entanto, demonstrando anos de experiência na cena e shows de hardcore, o frontman lidou com a situação com esportividade.
De volta ao icônico “Wake The Dead”, veio “Talk is Cheap”, mantendo a sessão de stage dives ativa, com pessoas se lançando de um palco de mais de 1,5 metros como se estivessem mergulhando em uma piscina. A empolgação continuou em “Trouble In The Winners Circle”, single do novo disco com uma base mais animada, indicando uma possível mudança de direção da banda nos próximos lançamentos, além de “G.M. Vincent & I”, uma das principais canções do Comeback Kid durante os primeiros anos com Andrew como vocalista.
Apesar dos demais integrantes se manterem contidos em seus respectivos espaços, Andrew dominava os holofotes, estabelecendo uma excelente conexão com o público. Em certo momento, expressou seu amor pela cidade de São Paulo, mencionando que chegou uma semana antes do início da turnê apenas para aproveitar a vida boêmia do bairro de Pinheiros. Além disso, prometeu o retorno da banda ao Brasil no ano que vem. Antes de “All In A Year”, primeira música lançada pelo grupo, ele também compartilhou algumas lembranças dos primeiros anos da banda, logo após o término do Figure Four.
Na reta final, o repertório foi dominado por músicas da fase “moshcore”, marcadas por riffs intensos, breakdowns e batidas stomp, como “Somewhere, Somehow”, “Wasted Arrows” e “Should Know Better”. Os fãs responderam com moshpits e danças 2step. Alguns, mais efusivos, tentavam tomar o microfone de Andrew, que parecia não se incomodar com o comportamento entusiasmado de seus seguidores. No entanto, foi em “Wake The Dead”, o maior hit da banda e um marco do hardcore contemporâneo, que a casa veio abaixo. Neste momento, centenas de pessoas cantaram de forma ensurdecedora, e também invadiram o palco, ansiosas para cantar o refrão final com o frontman. Após o verdadeiro furacão humano que varreu o Hangar 110, os canadenses ainda distribuíram baquetas, palhetas e tiraram fotos com os fãs.
Nos últimos tempos, Andrew vinha demonstrando sinais de cansaço em suas apresentações, cantando músicas “aos pedaços” e lançando a voz para a plateia. No show em São Paulo, apesar de alguns “deslizes” ocasionais, o músico se mostrou notavelmente mais energético e preciso, evidenciando preparo e que seu respeito pelo público brasileiro não se resume a palavras vazias.
Setlist – Comeback Kid:
Heavy Steps
False Idols Fall
Do Yourself a Favor
Talk Is Cheap
Trouble In The Winners Circle
Crossed
G.M. Vincent & I
All in a Year
Absolute
Somewhere, Somehow
Dead on the Fence
The Concept Stays
Wasted Arrows
Should Know Better
Wake the Dead