Em meio aos imensos protestos populares que correram as ruas do Brasil, o Hangar 110 foi palco de um dos mais furiosos festivais de Black Metal já realizado em terras tupiniquins. Os brasileiros Grave Desecrator e Impurity, o norte-americano Black Witchery e o finlandês Archgoat despejaram sobre o bom público que compareceu à casa o que de mais visceral o underground metálico mundial é hoje capaz de produzir.
Coube ao grupo carioca Grave Desecrator dar início aos trabalhos. Num set curto, de meia hora e infelizmente prejudicado por alguns problemas técnicos (a bateria, em especial, deu muita dor de cabeça aos músicos), a banda mostrou por que vem fazendo sucesso internacional. Uma mistura empolgante de Black, Death e até Thrash Metal, principalmente aquele mais cascudo feito no Brasil no fim dos anos 80, é o que caracteriza o som do grupo. A referência principal é Sarcófago antigo, mas a banda tem uma paleta de sonoridades bem mais ampla.
Show muito eficiente e que deixou os presentes com aquela vontade de ouvir mais. Afinal, foram apenas seis músicas executadas, com destaque para “Sign Of Doom”, com seu riff pútrido de puro Death Metal oitentista sul-americano, e para a climática “Insult”, faixa título do último ‘full lenght’ da banda, lançado pelo importante selo americano Hellsheadbangers. Excelente apresentação.
Em seguida, os mineiros do Impurity tomaram o palco do Hangar de assalto. Para quem não se lembra, vale recordar: o Impurity não é nenhum novato na cena, tendo surgido na virada dos anos 80 para os 90 fortemente influenciado pelo clássico cenário Deathcore de Belo Horizonte. Seu Black Metal sofreu mudanças importantes ao longo dos anos, passando de um som mais rápido e caótico para algo arrastado e mais bem estruturado e voltando a ser rápido mais recentemente. A alta qualidade de sua música, porém, quase sempre foi mantida.
A banda foi recebida com entusiasmo pela plateia presente, que viu os mineiros repassarem, em pouco mais de trinta minutos, momentos colhidos em várias fases de sua discografia (exceção feita ao segundo e terceiro álbuns, que foram ignorados), incluindo a fase de demos. Aliás, um dos pontos altos do show foi justamente quando a banda tocou uma música da primeira demo, a clássica “A Night of Torment In The Cemetery”, na qual o lado mais rápido do Impurity é muito bem mesclado com sua faceta mais cadenciada.
Outras músicas incluídas no set que igualmente contaram com especial reação do público foram “Sekhmet”, do ‘debut’ “The Lamb’s Fury”, e “Sabat”, som da segunda demo que foi regravado pela banda em seu último lançamento, o LP em vinil “Bonfim Moritvri Mortivis”. Um competente cover do Blasphemy, “War Command”, também fez parte do set. Vale destacar a impressionante presença de palco dos mineiros, com o ótimo vocalista Ram Priest – único integrante original da banda – comandando tudo como se fosse um sacerdote negro, em ‘corpse paint’ e devidamente trajado com batina, estola e um solidéu roxo. Uma verdadeira missa negra em forma de Black Metal.
Iniciando a parte internacional do festival, eis que entra em cena o pesadelo Black Metal chamado Black Witchery. A inédita apresentação da banda em solo brasileiro primou por muito profissionalismo e execução perfeita das músicas (mesmo com a porrada que é o som deu para sacar muito bem os riffs). Embora o Black Witchery seja um trio, a intensidade com que os caras debulham seus instrumentos não deixa nenhum lugar vazio no palco. Para onde se olha só se vê devastação em forma sonora. Aliás, eram perceptíveis os olhos hipnotizados da plateia sobre os integrantes da banda, de rostos pintados de negro e metidos dos pés à cabeça em seus característicos mantos escuros. A sinergia que há entre o vocalista/baixista Impurath, o guitarrista Tregenda e o baterista Vaz (que atualmente também cumpre o ofício de marretar a bateria ao vivo na lenda canadense Blasphemy) é algo digno de nota, coisa que só as bandas que se mantêm por anos a fio na estrada com a mesma formação conseguem alcançar.
O Black Witchery iniciou seu set de uma hora com uma de suas músicas mais icônicas, “Unholy Vengeance Of War”, originalmente lançada no lendário split-CD da banda com o Conqueror. Outras pérolas se seguiram, como “Desecration Of The Holy Kingdom”, faixa título do primeiro ‘full lenght’ da banda (e a levada à la DD Crazy do Sarcófago no meio dessa música é de arrebentar o pescoço de qualquer banger!) e “Inferno Of Sacred Destruction”, faixa que dá nome ao último trabalho dos americanos, com seus riffs reminiscentes a Bathory de “The Return”. Como fechamento do show, os caras ainda tiveram a manha de levar dois covers: “Ritual”, do Blasphemy, e a surpresa da noite, “Deathrash”, do nosso orgulho nacional Sarcófago. Desnecessário dizer que ambos os covers foram recebidas com incrível vibração pela galera, especialmente a da trupe de Wagner Antichrist. Justa homenagem do Black Witchery a dois pilares do War Black Metal mundial.
Depois de alguma demora, adentrou o palco o power trio finlandês Archgoat. Formado nos idos de 1989, o grupo pertence àquela mítica leva de bandas de Black Metal da Finlândia que contava também com Beherit, Black Crucifixion, Belial e Impaled Nazarene. Ou seja, estamos falando da elite do Black Metal extremo mundial. Assim como o Black Witchery, era a primeira vez que os caras tocavam no Brasil. E, assim como o Black Witchery, brindaram a assistência com um show fantástico – muito embora problemas com a equalização da guitarra e com um dos pratos da bateria, que insistia em cair do pedestal a cada batida mais forte do batera, tenham prejudicado um pouco o desempenho da banda.
O Archgoat foi a banda do festival que tocou por mais tempo (pouco mais de uma hora, set ligeiramente mais longo do que o do Black Witchery) e os finlandeses fizeram valer cada minuto. Clássico atrás de clássico, executados com extrema fidelidade, foi o que o público presente pôde testemunhar. Depois de uma intro macabra, explodiu das caixas de som “Black Messiah” (cacetada embebida naquela sonoridade rude e maravilhosa do ‘old school’ Grind/Death Metal finlandês), que está na primeira demo e no primeiro registro em vinil da banda, o mini-LP “Angelcunt”, de 1993. E não sobrou pedra sobre pedra!
“Lord Of The Void”, faixa do ‘debut’ “Whore Of Bethelhem”, veio em seguida, trazendo em seu rastro “Death & Necromancy”, outro som da primeira demo que foi regravado em Angelcunt. Mais pauladas se seguiram até que a banda fez uma pequena pausa. Na volta – e com o som do baixo de Angelslayer e principalmente da guitarra de Ritual Butcherer mais bem equalizados – os finlandeses atacaram, entre outras, a cadenciada “Goat And The Moon” (com sua aura de Beherit da fase “Drawing Down The Moon”), presente no último disco da banda, “The Light-Devouring Darkness, a quase grindcore “Hammer Of Satan”, de “Whore Of Bethlehem”, e a mais famosa criação do Archgoat, “Rise Of The Black Moon”, também da primeira demo e do primeiro EP.
A estrutura típica das músicas dos finlandeses, que consiste na fusão de uma sequencia de riffs rápidos em acordes menores movidos a ‘blast beats’ entremeada com uma sinuosa parte cadenciada, é um convite irresistível ao headbanging. Especialmente durante “Lord Of The Void” e “Rise Of The Black Moon”, o que se viu no Hangar de cabeças balançando foi algo verdadeiramente épico. Um show memorável de uma das bandas mais eficientes do Black/Death da atualidade.
O saldo do festival não poderia ser mais positivo. Parabéns ao organizador, o batalhador Eduardo Beherit, que teve a clarividência de trazer para o Brasil pela primeira vez duas bandas líderes do cenário Black/Death mundial, bem como por ter prestigiado bandas essenciais da cena Black brasileira que, infelizmente, ainda não gozam do reconhecimento que lhes é de direito. Trata-se de evento que tem tudo para crescer, em público e estrutura, pois a qualidade das bandas envolvidas é indiscutível. Para a próxima edição do festival, a ser realizada em novembro deste ano, já foram anunciados dois nomes internacionais para deixar qualquer fã de Metal Extremo em polvorosa: Revenge e Blasphemy. Meu amigo, os portões do inferno definitivamente se abriram sobre São Paulo.
Set list Grave Desecrator:
Sign Of Doom
Stared To Hell
Christ’s Blood
Insult
Carnal Obsession
Serpent Seedline
Set list Impurity:
Cruelty In The Reign Of God (Demon Cruelty)
Lucifer Vomiting Blasphemies Over Christ’s Head
Ecstasy Law
The Excommunication
Caninical Destruction
Mass Of Mutilation
Night Of Torment In The Cemetery
Sekhmet
War Command (Blasphemy cover)
Sabat
Set list Black Witchery:
Unholy Vengeance Of War
Holocaustic Church Devastation
Crush The Messiah
Heretic Death Call
Desecration Of The Holy Kingdom
Command Of The Iron Baphomet
Inferno Of Sacred Destruction
Profane Savagery
The Angelholocaust
Ritual (Blasphemy cover)
Deathrash (Sarcófago cover)
Set list Archgoat:
Black Messiah
Lord Of The Void
Death & Necromancy
Apotheosis Of Lucifer
Day Of Clouds
Penis Perversor
Penetrator Of The Second Temple
Thrice Damned Sodomizer
Goat And The Moon
Blessed Vulva
Rise Of The Black Moon
Hammer Of Satan
Soulflay