Por Alessandro Bonassoli
Fotos: Divulgação @sepultura / @bzuppone
A história do Sepultura com a capital catarinense, que teoricamente encerrou na noite do último dia 23 de março, está marcada por um capricho do destino. Tanto o primeiro quanto o derradeiro show do maior nome da música pesada brasileira foram marcados para Florianópolis mas acabaram sendo realizados em outras cidades.
Em 1994, quando se confirmou a antológica Acid Chaos Tour, com Sepultura, Ramones e Raimundos, a cidade foi anunciada como local da apresentação, no dia 11 de novembro daquele ano. Mas praticamente na véspera da tão aguardada noite tudo foi transferido para Balneário Camboriú, que fica a 87 quilômetros de distância. Zeca Carvalho, um dos produtores daquela histórica noite, contou à ROADIE CREW que a mudança ocorreu pois, à época, simplesmente não existia na mais badalada das cidades de Santa Catarina um local adequado com as condições mínimas exigidas pelas três bandas.
E não é que trinta anos depois a história se repetiu? O show que fechou no Brasil a primeira perna da Celebrating Life Through Death Tour, que marcará o fim da carreira do Sepultura, novamente teve Floripa divulgada como sede. Porém, a celebração ocorreu em São José. E o motivo também está relacionado à estrutura, mas agora pela qualidade da Arena Opus, uma das melhores e maiores casas de espetáculos do País, que fica no município vizinho.
Não há como afirmar que o público que lotou o local sabia disso. Mas, certamente, é possível garantir que fãs de toda Santa Catarina e dos vizinhos estados do Paraná e Rio Grande do Sul que foram a São José viveram uma noite inesquecível. Por volta das 17h30 a fila já era grande no lado de fora. A galera aguardou pacientemente até às 19h, quando as portas foram abertas, e do mesmo modo permaneceu até às 21h, quando Polícia, dos Titãs, começou a rolar em alto e bom som no playback. Se você ainda não sabe, a faixa gravada pelo Sepultura como um bônus da versão nacional de Chaos A.D. (1993) foi escolhida para “abrir” no Brasil os shows da turnê final. E quando a banda entrou no palco, logo nos arranjos iniciais da dobradinha Refuse/Resist e Territory o lugar tremeu a pergunta que me fiz foi “é mesmo necessário acabar?”.
A cumplicidade entre plateia e ídolos era nítida, quase palpável. Slave New World, que junto com as duas primeiras são responsáveis maiores pelo sucesso de Chaos A.D., só reforçou a interação constante entre Andreas Kisser, Derrick Green e o público. O baixista Paulo Jr. manteve sua habitual discrição, enquanto o novato Greyson Nekrutman demonstrou foco total na difícil missão de assumir o posto de baterista, que já foi de Iggor Cavalera, Jean Dolabella e Eloy Casagrande.
Se é complicado montar um setlist de uma banda veterana, imagina criar uma para se despedir dos fãs. Obviamente é impossível agradar todo mundo. Mas as escolhas, que só a banda poderia explicar, não deixaram a desejar. Do álbum Machine Messiah (2017) entrou Phantom Self, que funciona muito bem ao vivo. As pesadas Dusted e Attitude, do histórico Roots (1996), vieram em seguida e o que parecia estar acabando era o mundo, tamanho o barulho provocado pelo público. Kairos, única do álbum homônimo de 2011, não ficaria de fora, já que desde seu lançamento caiu nas graças dos fãs.
Mas ainda havia muita coisa pela frente. A reação da galera para Means To An End, uma das três peças-chave do espetacular Quadra (2020), confirmou outro prejuízo que a terrível pandemia provocou. A inexistência de uma turnê completa para um dos melhores trabalhos do Sepultura em todos os tempos é um mal irreparável. A pesadíssima Cut-Throat, de Roots, serviu como um “esquenta” para Guardians Of Earth, onde Andreas Kisser deu um show a parte com a introdução acústica de outra pérola do álbum de 2020.
Logo depois veio Mind War para comprovar que Roorback (2003) ainda é muito subestimado. Outro trabalho que teve somente uma música incluída é Dante XXI (2006). E False teve um apelo forte, talvez por ter parte da sua letra reproduzida no imponente telão ao fundo do palco. Por sinal, o cenário desta turnê é um show a mais, com cores vibrantes e imagens fortes. Era como se o palco da Arena Opus tivesse sido transformada em um imenso cinema futurista. Porém, se de um lado estava o êxtase sonoro e visual, de outro já iniciava a apreensão pelo fim, já que a segunda e última parte do repertório estava iniciando.
Duvido que tenha sido por acaso que Choke, música símbolo da estreia de Derrick Green no até hoje incompreendido Against (1998), tenha sido colocada para abrir a nova sequência. E o vocalista, sempre impecável no palco, foi ainda melhor do que o habitual. O presente para os fãs da velha guarda, como este redator, foi Escape To The Void, de Schizophenia (1987), disco que – muito pelo esforço de Andreas Kisser, fez o Sepultura deixar de lado o death metal para migrar para o thrash metal que consagraria a banda poucos anos depois.
Outro momento quase indefectível de qualquer apresentação do quarteto desde Chaos A.D., Kaiowas fez subir ainda mais a temperatura, aumentando a escalada de delírio até Sepulnation, ponto alto de Nation (2001). Dali para frente a certeza era uma só: seria um clássico atrás de outro até o aplauso final.
Biotech Is Godzilla (1993) puxou a bela Agony Of Defeat (2000), uma das melhores interpretações de Derrick Green em todos os seus anos na banda. Na sequência, meu pescoço doeu como em 1986, quando ouvi Troops Of Doom pela primeira vez. Voltei aos meus 14 anos de idade com a mesma emoção de todas as vezes em que assisti um show do Sepultura, incluindo aquele de 1994, aqui em Santa Catarina; o Rock In Rio de 2001, mesmo ano do “lançamento” de Nation na capital paulista; a abertura para o Deep Purple (Pacaembu, 2003), o festival Live´N´Louder (2006), a abertura para o Metallica (Morumbi, 2010) e a primeira passagem do grupo por São José, exatamente no mesmo palco, mas quando o local ainda era o Hard Rock Live, em outubro de 2022, cuja resenha você pode ler neste link.
Inner Self, trouxe à memória as ótimas memórias do icônico Beneath The Remains (1988), que abriu os palcos estrangeiros para a banda. Agora era contagem regressiva, mas nós que estávamos à frente do palco fingíamos não saber disso. E veio a faixa-título de Arise (1991) para os moshpits ganharem força. Criticada em 1996, Ratamahatta foi aplaudida e cantada quase que em uníssono, mostrando que o radicalismo, enfim, se rendeu à qualidade. A conclusão, claro, não poderia ser com outra que não Roots Bloody Roots, que também quebrou barreiras entre os fãs brasileiros e fez o restante do mundo se render ao Sepultura.
Para fechar esta resenha, fica um recado para o guitarrista Andreas, que no palco em São José no sábado passado disse que deseja voltar à cidade na parte final desta última turnê. Só lá é pouco. Vocês ainda “devem” dois shows para Florianópolis, mestre!
Setlist:
Refuse/Resist
Territory
Slave New World
Phantom Self
Dusted
Attitude
Kairos
Means To An End
Cut-Throat
Guardians Of Earth
Mind War
False
Choke
Escape To The Void
Kaiowas
Sepulnation
Biotech Is Godzilla
Agony Of Defeat
Troops Of Doom
Inner Self
Arise
Ratamahatta
Roots Bloody Roots
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