Por Leandro Nogueira Coppi
Fotos: André Santos
Finalmente, o Megadeth retornou ao Brasil. A espera durou quase sete anos, período no qual a banda passou por algumas provações. Principalmente seu líder e criador, o vocalista, guitarrista e compositor Dave Mustaine, que em 2019 foi diagnosticado com um já vencido câncer na garganta. Além disso, em 2021 aconteceu a saída do baixista cofundador David Ellefson e no final de 2023 a do guitarrista brazuca Kiko Loureiro. Isso sem contar a pandemia de Covid. Todos esses fatores geraram uma longa demora para que a banda concluísse o álbum que sucederia o premiado Dystopia, de 2015, e voltasse a cair na estrada.
Em show único no país, na fria noite da última quinta-feira (18), o gigante do thrash metal passou por São Paulo com a turnê “Crush the World”, em divulgação de seu mais recente álbum, o tão aguardado The Sick, The Dying… And The Dead!” (2022). Décimo sexto álbum de estúdio dessa banda lendária que acaba de completar 41 anos de existência, além de The Sick… marcar a entrada do baterista belga Dirk Verbeuren, teve o baixo de David Ellefson limado após o mesmo ter sido demitido da banda e acabou sendo o segundo e último com Kiko Loureiro. De fato, foi uma pena o guitarrista não ter esperado voltar ao Brasil pela segunda vez com o Megadeth antes de anunciar sua saída. Sorte de quem o viu tocar com o grupo no país em 2017.
Após três shows com ingressos esgotados na Argentina, os brasileiros também fizeram bonito e lotaram o Espaço Unimed, onde o Megadeth tocou em suas últimas três vindas a São Paulo (2017, 2016 e 2014) quando o local ainda atendia por Espaço das Américas. Embora Mustaine tenha um assumido xodó pela Argentina, a relação com o Brasil é incontestavelmente estreita. Além de o Megadeth ser a banda internacional de metal que mais vezes veio ao país para tocar (15 vezes), teve em sua estreia pela segunda edição do Rock in Rio, em 1991, o maior público de sua história. Isso sem contar que além de ter tido Loureiro como guitarrista, ainda conta em sua equipe com os brasileiros Rafael Pensado (assistente pessoal de Dave Mustaine e intérprete da mascote Vic Rattlehead nos shows), Stanley Soares (engenheiro de som), Night (segurança – na América do Sul) e o mestre de Jiu-Jitsu Reggie Almeida. Agora, chega de delongas, vamos ao que foi o show…
Com um palco mais modesto do que os das últimas turnês, o único atrativo era o enorme backdrop que ostentava a face de Vic Rattlehead extraída de parte da capa de The Sick, The Dying… And The Dead!. Pontualmente às 21h30, o Megadeth surgiu tendo seu nome ovacionado. A histeria foi geral quando o Verbeuren surgiu em pé atrás de seu kit. Aumentou ainda mais quando Mustaine entrou em ação, acompanhado do baixista James LoMenzo e do novo guitarrista, Teemu Mäntysaari. Com Mustaine gesticulando para alguém da equipe aumentar o volume de sua guitarra, o bombardeio sonoro começou justamente com a música que dá nome ao novo álbum do Megadeth. A première de The Sick, The Dying… And The Dead! ao vivo aconteceu no último dia 6, no primeiro show da turnê latino-americana do Megadeth, realizado em Lima, Peru. Sendo ela uma das melhores músicas do disco, funcionou muito bem ao vivo, mesmo que no decorrer ela fique mais pacata quando entra a parte do violão, agora tocado por Teemu. Isso porque logo em seguida ela volta a ganhar peso e fica ainda mais porrada do que no início. Assim que The Sick, The Dying… And The Dead! acabou, o barulho dos fãs foi ensurdecedor.
Irrompendo a reação do público, o Megadeth manteve todos eufóricos com a música seguinte, a contagiante Skin O’ My Teeth, faixa de abertura do consagrado e multiplatinado Countdown to Extiction (1992). A qualidade de som estava muito boa e assim permaneceu até o fim – a propósito, desde o início do show algo que chamava a atenção eram os ótimos timbres de guitarra de Mäntysaari, que chegou mandando muito bem nos solos. Visualmente, o finlandês até lembra muito Kiko Loureiro – aliás, foi quem o indicou para a banda como seu substituto.
Ao contrário de quando falava bastante em palco, principalmente na época da “loucura” em que álcool e drogas eram uma constante na vida de Dave Mustaine, há anos o frontman do Megadeth passou a ser mais econômico com as palavras nos shows. Assim sendo, antes da próxima ele apenas aplaudiu o público, mandou um discreto “Boa noite!”, e mostrou que o “(…) arsenal of Megadeth can’t be rid they said” (pegou a referência?). Portanto, o que aconteceu a seguir foi uma ininterrupta rajada de clássicos do passado, entre eles Angry Again, da trilha sonora do filme “Last Action Hero” (1993), a ‘maldosa’ Wake Up Dead, do respeitado Peace Sells… But Who’s Buying? (1986) e as emocionantes In My Darkest Hour, de So Far, So Good… So What! (1988), e a própria Countdown to Extinction.
Depois de uma breve saída do palco, a banda retorna e garante um dos pontos altos do show, que foi Sweating Bullets, música hit de Countdown to Extinction, que para muitos é considerada indispensável no repertório do Megadeth. A conexão entre banda e público nessa música é acachapante. Na plateia, todos cantam em alto e bom som e fazem o tradicional coro, “ei, ei, ei” após o solo. O clima se manteve em alta com Dystopia, música que em 2017 garantiu o tão almejado Grammy para o Megadeth – prêmio esse que fez de Kiko o primeiro músico brasileiro de heavy metal a conquistá-lo. O clima ferveu ainda mais e a pista pulsou com a clássica Hangar 18. Nesse clássico do quarto álbum do Megadeth, sua obra prima definitiva, Rust in Peace (1990), que é um dos discos mais aclamados do thrash e do heavy metal como um todo, a plateia protagonizou um espetáculo à parte. Cumpriu a tradição de também fazer coro em cima do riff principal e de gritar “Megadeth” na parte porrada que é a divisão do memorável duelo de solos que constituem o longo final instrumental da música.
Ao vivo, sempre que Hangar 18 acaba, é inevitável esperar por Take No Prisoners, que é a música que entra em seguida no álbum Rust in Peace. No entanto, ao invés do pesado riff inicial de guitarra de Take No Prisoners, o que rolou foi Verbeuren mandando a conhecida levada de batera criada pelo saudoso Nick Menza em Trust, uma das músicas do Megadeth preferidas de Mustaine e que foi carro-chefe do álbum Cryptic Writings, de 1997. Falando em Verbeuren, o baterista é como um relógio ao vivo, além de esbanjar técnica, executa cada arranjo milimetricamente no tempo, idêntico ao que foi gravado nos discos – sem contar que ele toca agitando e sorrindo o tempo todo.
Uma das músicas mais esperadas da noite, pelo fato de ter um dos solos mais venerados da música pesada – cortesia do ex-guitarrista da banda, Marty Friedman -, veio a seguir. Falo de Tornado of Souls, outra pérola de Rust in Peace. Na hora do solo, todos os olhares julgadores se voltaram para Mäntysaari. O finlandês tirou de letra e com classe o famoso solo que alguns guitarristas que passaram pela banda pós Friedman não executavam com a mesma destreza. Após tanta bordoada, um momento de calmaria se deu com a inesquecível A Tout Le Monde de Youthanasia (1994). Como de costume, novamente o público fez sua parte ao assumir a cantoria no break pós solo.
Assertivamente, o Megadeth incluiu Devils Island ao setlist. Uma das músicas mais velozes do clássico Peace Sells… But Who’s Buying (1986), Devils Island remeteu-me ao show da banda no mencionado Rock in Rio, visto que ela também marcou presença no show daquela noite de quarta-feira, 23 de janeiro de 1991.
Rumando para o final do show, para a despedida a banda reservou uma trinca formada por seus maiores clássicos. A começar pela sempre comemorada Symphony of Destruction, música que em sua época foi a primeira amostra de que Countdown to Extinction apresentaria um Megadeth soando menos complexo e mais comercial do que em seus quatro primeiros álbuns. Depois dessa, Dave, James, Dirk e Teemu se retiraram do palco. Não demorou muito e LoMenzo, que cumpre sua segunda passagem pelo Megadeth, retornou comandando o público até dar início ao famoso riff de baixo criado pelo próprio Mustaine para a imbatível Peace Sells. E como não poderia deixar de ser, Peace Sellsi teve a presença do general Rafae… ops, Vic Rattlhead, agitando junto do comandante Mustaine.
Após mais uma entre algumas saídas de palco, que serviram principalmente para a troca de instrumentos, Mustaine ressurge no palco. Nesse momento – o qual a maioria já sabia qual música viria -, senti certa inveja de nuestros hermanos argentinos, que viram Mustaine usar na música final uma guitarra pintada em homenagem à bandeira do país deles, lembrando a que ele utilizou na época do ao vivo Rude Awakening, de 2002, feita em homenagem aos Estados Unidos, pelo orgulho ao país de origem da banda, que um ano antes havia sofrido o revoltante ataque às Torres Gêmeas do complexo World Trade Center. Por aqui não rolou tal homenagem, mesmo assim Mustaine promoveu o caos na pista quando deu início ao lendário riff do maior hino do Megadeth: Holy Wars… The Punishment Due, o torpedo que abre Rust in Peace.
Foi muito bom ver que após enfrentar um câncer, no alto de seus 62 anos Mustaine está em boas condições físicas e cantando bem (dentro de suas conhecidas limitações) apesar da doença que anos atrás se manifestou justamente em sua garganta. Bom ver também que o time atual está entrosado e que o clima interno da banda se mostra harmonioso. Particularmente, senti falta de outras músicas de The Sick, The Dying… And The Dead! no repertório, e de mais comunicação de Dave Mustaine, ainda que, como dito, seja sabido que nos últimos anos ele se tornou mais caladão. No mais, fica a expectativa para que a banda não demore mais tanto tempo para retornar ao Brasil. E se voltar, até a próxima!
Megadeth – “Crush the World” setlist:
Intro
- The Sick, The Dying… And the Dead!
- Skin O’ My Teeth
- Angry Again
- Wake Up Dead
- In My Darkest Hour
- Foreclosure of A Dream
- Sweating Bullets
- Dystopia
- Hangar 18
- Trust
- Tornado of Souls
- A Tout Le Monde
- Devils Island
- Symphony of Destruction
- Peace Sells
- Holy Wars… The Punishment Due
Siga o canal “Roadie Crew” no WhatsApp: