Por Daniel Agapito
Fotos: Belmilson Santos
Nove de maio, uma quinta-feira aparentemente normal; 22 graus. Seria uma noite que traria um pouco do bom e do melhor do power metal mundial à capital paulistana. Em antecipação ao show do Rhapsody of Fire, os bares ao redor do Carioca Club tocavam Helloween, enquanto uma massa de camisetas pretas fazia uma peregrinação pela Rua Cardeal Arcoverde em busca do metal. Dentro do Carioca, a pista ia enchendo aos poucos, esporadicamente recebendo mais e mais gente. Após o show de abertura o local ainda estava relativamente vazio, porém era dia de semana e ainda demoraria um bom tempo até os italianos assumirem o palco. O clima era ameno, dentro e fora do estabelecimento, com um murmurinho de antecipação para o som de qualidade que seria apresentado naquela noite.
Faltando mais ou menos 10 minutos para às 20h, horário marcado para o começo do show da Skalyface, banda paulistana que iniciaria os serviços naquela noite, o local ainda estava bem vazio. Surpreendendo quem estava lá, a performance do quinteto começou com 10 minutos de antecedência, enquanto muita gente ia entrando na casa. Independente disso, a banda começou com tudo, tocando Dark Angel.
O Skalyface tem se tornado mais conhecido na cena paulistana, dividiu palco com Yngwie Malmsteen e U.D.O. – lendas do heavy alemão -, e abriu também para o Myrath (Tunísia), pouco mais de uma semana antes de abrir para o próprio Rhapsody of Fire em 2023. À medida em que o local ia enchendo, o público se atentava mais à mescla interessante de metal melódico e heavy metal, porém, a resposta seguia morna. Por algumas vezes o vocalista Marlon Bueno agradeceu o público pela presença, dizendo que aprecia muito o comparecimento de tanta gente para prestigiar uma banda nacional de música autoral em plena noite de quinta-feira.
Seguiram com mais algumas composições próprias, no caso Sailing with Gods, Lord of the Night, Time to Miss You e Screaming in Silence, depois chamaram o vocalista Raphael Dantas ao palco para um cover de The Evil That Men Do, do Iron Maiden. Experiente, o atual Ego Absence e com passagens por Soulspell, Perc3ption, Caravellus e Andragonia foi muito bem recebido pelo público. Dantas, aliás, complementou bem os vocais de Bueno e sua voz deu uma boa força ao quinteto, que mesmo apresentando músicas sólidas, não conseguia muito a atenção do público. Ele ainda acompanhou a banda em Spear of Destiny, faixa composta por Bueno aos 18 anos.
Com a conclusão de Spear…, o vocalista anunciou que infelizmente tocariam apenas mais uma música, por conta de restrições de tempo, e novamente agradeceu a presença de todos. A abertura foi concluída com Burn Your Masks, agora com o Carioca substancialmente mais cheio, porém ainda longe de sua capacidade máxima. Em suma, fizeram um set curto, mas eficaz. Foram a trilha sonora da entrada de bastante gente, agora devidamente preparada para a enxurrada de “metal espadinha” que estava por vir.
Atrasando poucos minutos, os PAs do Carioca Club seriam rapidamente dominados pelo som de The Dark Secret, que até o início deste giro pela América Latina não havia sido tocada desde 2012. Tudo que o público tinha de relativamente morno durante o show da Skalyface foi rapidamente revertido ao puro êxtase com os acordes iniciais de Unholy Warcry. Sorridente, o vocalista Giacomo Voli corria ao palco, trocando “uoooo” com o público, de maneira tipicamente power metal. Tendo descido para a parte inferior do palco, Voli estava com o público nas mãos – e vice-versa. Não havia um verso, nem uma palavra sequer que os italianos cantavam que não fosse ecoada instantaneamente pelos que estavam no recinto – agora bem mais cheio. O ânimo seguiu alto com a envolvente I’ll Be Your Hero, que teve seu refrão, “one day, I’ll be your hero… one day, I’ll win for you… one day”, cantando a plenos pelo coro paulistano concentrado no bairro de Pinheiros.
Brevemente, Voli interagiu com os fãs, fazendo uma pequena piada sobre como “ciao” em italiano é usado para tudo mas no português é para dar tchau. Depois perguntou se queriam ouvir uma música mais rápida e logo emendou Chains of Destiny. A proximidade entre os fãs e a banda era tanta que durante a música o vocalista simplesmente pegou o celular de um fã que filmava o show de perto do palco e começou a filmar por ele mesmo. Concluindo Chains…, constatou: “Uau, está muito quente, São Paulo…”, tirando sua jaqueta. E perguntou: “Vamos esquentar ainda mais! Quem está pronto para pular ao som de March of the Swordmaster?”. Mal dando tempo do público respirar, seguiu com The Legend Goes On, oriunda de The Eighth Mountain (2019), primeiro álbum com a formação atual.
Ainda demonstrando sua abundância de carisma e presença de palco, Voli falou que queria aprender algumas palavras. Ele perguntou como que falava “fuck” em português, e ao aprender gritou “foda” em seguida. Perguntou também se o público havia trazido seus cavalos para March Against the Tyrant (Marche contra o tirano). Os fãs dos titãs italianos do “metal espadinha” mostravam ser incansáveis, ainda pulando, cantando, batendo palmas, levantando seus punhos como se não houvesse amanhã. Impressionado com a reação dos espectadores, Voli soltou mais um “foda” antes de seguir com A New Saga Begins. O mesmo começou a pular, incentivando o público a fazer o mesmo. Dito e feito: grande parte da audiência do Carioca pulava incessantemente. Se alguém da região de Pinheiros sentiu um pequeno tremor, está explicado.
Seguiram com Challenge the Wind, sendo ela a faixa-título do novo disco, que será lançado no dia 31 de maio. Depois de Rain of Fury, Voli pediu para aprender mais palavrões, alegando: “Foda não pode ser o único”. Acabou captando “do caralho” em meio aos gritos, perguntando se “foda” e “do caralho” eram juntos. Reconhecendo que o grande Christopher Lee era a voz original da próxima música, começou The Magic of the Wizard’s Dream, executada de maneira praticamente perfeita.
Novamente pasmo com tudo que acontecia, Voli declarou que precisavam de algo épico, algo como Dawn of Victory. A glória foi perpétua, como constata o refrão desta joia de seu repertório, tal qual a alegria geral dos entusiastas do metal melódico. Bastou Voli mencionar o nome da música, que a casa foi abaixo. O grito retumbante durante o primeiro refrão foi absurdo, Voli até tentava cantar mais que os fãs, porém nem sempre conseguia. Chegou uma hora em que ele – sempre sorridente e carismático – teve que deixar o público cantar. Naquela hora, não havia tristeza, ninguém pensava em seus problemas externos, havia apenas uma massa de headbangers cantando (literalmente) para Ancelothe, cruz ancestral da guerra, pela cidade sacra dos deuses. A banda finalizou este clássico brevemente se retirando do palco.
Após o grupo retornar ao palco, tocou Reign of Terror, que demonstrou bem a versatilidade do vocalista, dados os breves guturais e vocais rasgados. Antes de Wisdow of Kings, Voli pediu para ouvir a cantoria do povo no refrão. Depois dessa, havia uma fã querendo falar alguma coisa, ele chegou perto do palco e deu o microfone à ela. Então ela falou para não demorarem tanto para voltar pro Brasil, avisou que o Brasil ama a banda e pediu para tocar Distant Skies, porém o pedido não foi atendido. Quando iam iniciar Land of Immortals, o baterista Paolo Marchesich informou o resto da banda que um de seus pedais havia quebrado, então o vocalista aproveitou para falar do guitarrista Roberto de Micheli, membro-fundador do Thundercross, banda que antecedeu o Rhapsody e que é o compositor da música em questão.
A noite seria fechada com Emerald Sword, outra faixa emblemática e atemporal, certamente uma das mais esperadas, de acordo com o setlist previamente disponibilizado pela banda em seu Instagram. Antes de seu início, os integrantes agradeceram sua equipe, a banda de abertura e os fãs, com Voli pedindo para que abrissem um espaço na frente do palco. O mesmo dedicou a música a quem não conseguiu estar ali naquele dia por conta das enchentes trágicas no Rio Grande do Sul, sendo ovacionado pelo público. Com o espaço que Voli pediu para abrir, até rolou uma tentativa de ‘wall of death’, porém não foi exatamente um cruzamento dos vales, da poeira do interior em busca da terceira chave para a abertura dos portões, como a música sugere. Não obstante, esse paredão foi o único quê de reclamação possível, o resto foi perfeito. Um final catártico para o show, que mostrou perfeitamente a essência do tão querido “metal espadinha”. Sonoridade impecável, carisma e presença de palco foram a tônica.
Ao todo, os frequentadores do Carioca Club presenciaram um show épico, memorável, que realmente só um titã do power metal poderia proporcionar. Quando fica evidente que a banda realmente tem prazer em estar em cima do palco, quer mesmo tocar, independente do tamanho do público e de ser em dia da semana, a experiência é outra. Este foi o caso desta quarta vinda do Rhapsody Of Fire (sem contar o Turilli/Lione Rhapsody e o resto do Rhapsodyverso) às terras tupiniquins. Dizer que conseguiram animar o público e tocaram bem seria inconcebivelmente redundante. Fico na expectativa de que a promessa feita àquela fã no final seja cumprida: que o Rhapsody of Fire realmente não demore tanto para voltar ao Brasil (se possível, tocando Distant Skies e talvez até Holy Thunderforce).
Setlist Skalyface
Dark Angel
Sailing with Gods
Lord of The Night
Time to Miss You
Screaming in Silence
The Evil That Men Do
Spear of Destiny
Burn Your Masks
Setlist Rhapsody of Fire
The Dark Secret
Unholy Warcry
I’ll Be Your Hero
Chains of Destiny
The March of the Swordmaster
The Legend Goes On
March Against the Tyrant
A New Saga Begins
Challenge the Wind
Rain of Fury
The Magic of the Wizard’s Dream
Dawn of Victory
Bis
Reign of Terror
Wisdom of Kings
Land of Immortals
Emerald Sword
Act VII: The Angels’ Dark Revelation*
*pelo sistema de PA