Por Valtemir Amler
Se ao ouvir falar da Tasmânia a primeira coisa que vêm à sua cabeça é o famoso personagem da Looney Tunes, você está precisando de uma dose urgente de death metal. Afinal, foi lá que os irmãos Joe Haley (guitarra) e David Haley (bateria) fundaram, em 1999, um dos principais embriões do death metal da Austrália, notadamente um país com forte e sólida tradição no metal extremo. Os primeiros dias foram complicados, como sempre são. Ao passo que existia toda a empolgação típica de garotos que estavam descobrindo seu gênero musical favorito quase que ao mesmo tempo em que precisavam descobrir como tocá-lo, existiam os desafios de estabilizar uma formação viável (conciliar horários de ensaios e até uma possível agenda de turnê não é tão simples quando simplesmente convidar um grupo de amigos para uma ‘jam’ na garagem dos pais), encontrar espaços que oferecessem suporte para bandas autorais e reunir recursos para as primeiras gravações, mas felizmente a empolgação sempre foi maior do que os desafios, ao menos foi assim que eles encararam. Assim, em 2001 eles chegaram ao seu debut, The Isle of Disenchantment, e era difícil encontrar ali qualquer resquício de uma banda iniciante. Se a empolgação foi instantânea no circuito death global, os próximos álbuns, The Scepter of the Ancients (2003) e Symbols of Failure (2006) mostraram ao mundo uma banda extremamente técnica e precisa, sem deixar de lado nenhum resquício da velha brutalidade. Contando hoje com oito álbuns completos, eles se orgulham do status que conquistaram.
Vocês deram seus primeiros passos como banda em 1999, certo?
David Haley: Sim, está correto. Começamos em 1999 na Tazmânia que é um Estado, uma pequena ilha que fica abaixo da Austrália. Um lugar bastante interessante, por vários motivos, mas que não era exatamente o local mais prolífico do mundo para uma banda de death metal naqueles dias (risos).
A verdade é que aqueles foram anos curiosos para o death metal. No final dos anos 90 muitos dos gigantes do estilo ou estavam separados ou tinham mudado muito sua fórmula musical, ao passo que novas bandas surgiam como referência. Foi uma época interessante e desafiadora para começar, suponho.
David: É, você está totalmente certo sobre isso, o final dos anos 90 foi uma época bem estranha para o death metal e o metal extremo em geral, o que é estranho, já que a década começou justamente como a era clássica dos estilos extremos. Lembro bem daqueles dias, o nu metal era a sensação, todos estavam falando daquelas bandas, eles eram os caras descolados que todos queriam copiar. Não sei como as coisas aconteceram aí no Brasil, mas aqui era um inferno, em cada esquina tinham catorze bandas com oito integrantes cada fazendo aquelas músicas (risos gerais). O death metal não estava acabado, longe disso, sempre existiram os fãs e as novas bandas estavam surgindo, mas não era mais a, digamos, ‘coisa da hora’ que tinha sido no começo da década. Não existia uma base de fãs realmente sólida por aqui, então nós meio que já começamos meio que nadando contra a corrente. Também era uma época em que a internet não era o que é hoje, então a informação era escassa, Spotify e outros serviços de ‘streaming’ não existiam, e baixar um álbum era um processo que levava horas, além de ter sempre uma qualidade terrível de áudio. Descobrir novas bandas era um desafio, e tinha que fazer isso comprando o CD, que não era algo barato, então existiam vários motivos para alguém olhar para uma banda nova e ficar desconfiado.
O que você está dizendo é que, basicamente, era difícil para um fã ou músico conseguir material que pudesse servir até como uma influência.
David: Sim, era bastante desafiador, especialmente aqui na Tasmânia. Estávamos isolados do mundo inteiro, estávamos isolados mesmo em relação a Austrália, então você valorizava muito qualquer coisa boa que chegasse às suas mãos. Assim que podíamos assinávamos revistas importadas para ter alguma informação, trocávamos fitas com nossos amigos, e assim fomos aos poucos aumentando o nosso repertório, por assim dizer. No início tomamos como referência tanto bandas internacionais quanto australianas, eu diria que em proporção igual, nunca diferenciamos muito essa coisa da nacionalidade. Queríamos era o som brutal, qualquer coisa que fosse diferente do nu metal (risos). Mas, veja isso não era de tudo negativo. De fato, estávamos totalmente isolados, e não fomos expostos a nenhuma cena em particular pois não existia uma cena na Tasmânia, mas isso também quer dizer que estávamos completamente livres para fazer qualquer coisa que quiséssemos, não tínhamos que nos encaixar em nada, não havia regras preestabelecidas. De certa forma, estar longe de tudo nos ajudou na hora de ter uma identidade própria.
Mas devia ser um pesadelo na hora de agendar algum show, sem uma cena para dar suporte.
David: Ah sim, isso você pode apostar (risos). Mas a verdade é que nós éramos um bando de moleques super empolgados, mas com expectativas muito, muito baixas mesmo! O nosso grande sonho musical era o de gravar uma demo, e, com muita sorte, conseguir fazer alguns shows na ilha principal da Australia, só para dizer que tínhamos feito uma turnê! Quer dizer, não tínhamos tantas expectativas, não queríamos ser estrelas do rock e, de certo modo, duvidávamos que poderíamos ter uma carreira longa tocando esse tipo de música e vindo de onde vínhamos, então, tudo o que aconteceu acabou sendo surpreendente demais.
Posso imaginar.
David: Pois é, existia a inocência, a simplicidade e a humildade, pois estávamos apenas tentando nos divertir. Ninguém pensava em ter uma carreira. Veja, não tínhamos uma cena organizada como imagino em São Paulo, na Flórida, em Estocolmo ou outros lugares, mas existiam fãs de música por aqui, e existiam algumas bandas, só que death metal era algo muito distante para nós, que estávamos em uma cidade muito pequena na Tasmânia, em Hobart, que é uma cidade pequena se comparada as grandes capitais. Mas havia bandas, nós mesmos havíamos tentado a sorte em outros gêneros antes, com outras bandas. Acho que seis meses depois de fundarmos o Psycroptic já conseguimos fazer nosso primeiro show, então, as coisas aqui funcionavam assim: não tínhamos uma cena organizada, então juntávamos todas as bandas que conhecíamos de qualquer estilo, punk, thrash, heavy o que fosse, e todos tocávamos em um mesmo evento. As pessoas que curtiam rock compareciam, pois não existia alternativa (risos). Sei que isso soa meio primário, mas é como as coisas eram feitas. Não era um pesadelo conseguir shows, mas você tinha que ter a mente aberta.
Como chegaram em The Isle of Disenchantment (2001)?
David: Como disse, nós éramos bastante humildes, e tudo que queríamos era gravar uma demo. Era um plano humilde, mas era um plano, então começamos a pesquisar do que precisávamos. Escrevemos algumas músicas, trabalhamos nelas para que ficassem o melhor que conseguíssemos fazer, e aí começamos a nos preocupar com a parte financeira da coisa, pois você não consegue gravar nada sem pagar por isso. Acabou que, enquanto pesquisávamos, descobrimos que lançar uma fita ou um CD ficava o mesmo preço, a diferença de custo era mínima. Então, a questão agora era ‘vamos de fato lançar uma demo, ou vamos reunir só um pouco mais de grana e lançar um CD?’. A resposta é até meio óbvia, então reunimos toda a pouca grana que conseguimos juntar, fomos para o estúdio e gravamos aquele que veio a ser o nosso primeiro álbum. Do nosso próprio bolso pagamos pelas quinhentas primeiras cópias de The Isle of Disenchantment, e então gastamos o resto do nosso dinheiro enviando as cópias daquele CD para bandas, selos e revistas ao redor do mundo, queríamos que o máximo possível de pessoas ouvisse falar de nós. Era tudo na base do ‘faça você mesmo’, uma atitude que nos orgulhamos em manter até os dias de hoje.
No fim das contas, não realizaram o sonho de lançar uma demo.
David: Não, mas lançar um álbum de estreia que soava como uma demo teve um sabor especial, então foi compensador (risos).
Mas espero que ao menos tenham conseguido tocar na ilha principal da Austrália.
David: Conseguimos sim, esse sonho realizamos, obrigado pela solidariedade (risos gerais).
Hoje vocês são uma banda experiente, com oito álbuns completos lançados. O que mudou e o que nunca mudou para vocês, como músicos?
David: Essa é uma pergunta difícil. Acho que o que não mudou foi a nossa paixão pela música. Não existe outro motivo para fazer isso, você não vai enriquecer tocando death metal, então, faça pela paixão que tem pela música. O que mudou, acredito que é o fato de sermos melhores hoje naquilo que fazemos, e nem estou falando puramente de técnica, seria terrível se uma banda piorasse tecnicamente depois de oito álbuns (risos). Acho que compomos melhor, pois estamos mais conscientes de tudo durante o processo. Levamos em consideração um monte de coisas que antes não sabíamos, hoje só gravamos uma música se realmente acreditamos que ainda nos divertiremos tocando-a quinhentas vezes, pois você definitivamente poderá precisar fazer isso, se ela cair no gosto dos fãs. Consideramos fatores como o ‘groove’ e a pegada, mas ela tem que ser divertida para nós também. Isso não é algo que uma banda costuma pensar de início, é uma lição que só vem com o tempo.
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